No último episódio do Surubaum, podcast apresentado pelo casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, o também ator Samuel de Assis afirmou que era viciado em sexo. Será que existe mesmo essa forma de compulsão? E mais: como saber que uma pessoa realmente enfrenta essa situação?
É importante explicar que existe sim uma condição clínica em que a pessoa perde o controle sobre seus impulsos sexuais e pode enfrentar um quadro semelhante a uma dependência. É o que especialistas chamam de compulsão em sexo.
Da mesma forma que existem outros comportamentos em que a pessoa pode perder o controle sobre seus impulsos, como jogo patológico, cleptomania, entre outros, também pode haver uma dificuldade em controlar o desejo e as práticas sexuais.
Os estudos mostram que de 1% a 3% da população pode apresentar o comportamento sexual compulsivo. Esses números podem estar subestimados em função de muita gente não reconhecer que tem um transtorno, ou ainda, perceber a perda de controle mas ter vergonha em buscar ajuda.
Essa compulsão é mais comum em homens e, em geral, se manifesta no final da adolescência, ou ainda, perto da terceira década de vida. Muitos superam por si só a dificuldade de controlar os impulsos, mas outras pessoas podem sofrer prejuízos e impactos significativos em sua vida pessoal, em suas relações e até no seu trabalho.
A grande dificuldade do diagnóstico é separar o que é um desejo sexual mais intenso, que todos nós podemos ter em algumas fases da vida, de uma condição clínica que pode exigir atenção e cuidados terapêuticos ou médicos.
Talvez o principal ponto de corte seja a duração e a intensidade desse desejo sexual mais exacerbado, da perda ou não do controle sobre os impulsos na hora de buscar por sexo e dos impactos que essa procura pode trazer para a vida da pessoa.
Na compulsão, há uma dificuldade progressiva em tomar as rédeas sobre o próprio desejo, que acaba se tornando imperativo. A pessoa pode embarcar em longas e intermináveis jornadas em busca de prazer, colocando-se em situações de risco como fazer sexo em locais públicos, dificuldade em respeitar os limites dos parceiros ou parceiras, além de maior exposição a ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), situações de violência no sexo e problemas com a lei.
Não é incomum prejuízos nos relacionamentos familiares e afetivos, abuso de substâncias como álcool, drogas e medicamentos na tentativa de controlar a ansiedade e uma queda de rendimento nos estudos e trabalhos. A prioridade passa a ser a busca incessante por sexo e prazer. Parece que a pessoa nunca fica 100% satisfeita, sempre falta um pouco mais de prazer.
Já um desejo sexual aumentado em algumas fases ou momentos da vida pode acontecer com todos. Final da puberdade, descoberta do sexo, uma paixão, um novo relacionamento, uma viagem especial, tudo isso pode servir de estímulo para que as pessoas vivenciem mais seu desejo e queiram dedicar mais tempo ao sexo.
Além disso, algumas pessoas podem ser mais “sexuais” do que outras, e essa variação é absolutamente normal e faz parte da nossa diversidade.
Mas em um mundo que tende a banalizar diagnósticos psiquiátricos, da mesma forma que quem tem oscilações naturais das emoções vira bipolar e quem faz várias coisas ao mesmo tempo se torna hiperativo, quem gosta um pouco mais de sexo pode se considerar ou ser considerado um “viciado”.
Como o sexo é hipervalorizado em nossa cultura a maior parte das pessoas que se diz viciada é, provavelmente, alguém que está enfrentando uma fase de maior desejo, ou ainda, alguém um pouco mais ligado no prazer sexual, e não alguém enfrentando um quadro compulsivo.
Para terminar é importante enfatizar que a invasão das telas e tecnologias em nossa vida, o amplo acesso à pornografia online e a possibilidade de incontáveis parcerias nos aplicativos de encontro podem facilitar muito o acesso ao sexo, o que pode aumentar o risco de uma compulsão para quem está rem uma fase mais vulnerável da vida.
Um exemplo são os garotos adolescentes, pressionados socialmente para um início precoce da vida sexual e múltiplas experiências. Daí a importância de se investir em educação tanto em sexualidade como no uso das tecnologias, em casa e nas escolas.
*Jairo Bouer é médico psiquiatra e escreve semanalmente no Terra Você.