Em Paris, Simone Biles deu a volta por cima e se reafirmou como uma das maiores atletas olímpicas de todos os tempos. Em Tóquio, em 2021, a ginasta, então com 23 anos, desistiu de disputar as provas por estar enfrentando questões importantes de saúde mental. O que aconteceu com ela e tantos outros atletas de alto rendimento pode nos ajudar a refletir um pouco mais sobre nosso próprio bem-estar e qualidade de vida.
Simone Biles foi capa da respeitada revista Time e eleita a atleta do ano pela revista em 2021, mesmo com a desistência da Olimpíada, e também eleita uma das 100 pessoas mais influentes naquele mesmo ano. Ela enfrentou em Tóquio um “apagão” durante a prova de salto e resolveu dar um tempo nos treinos e disputas até se sentir bem o suficiente para seguir em frente.
A decisão de desistir da competição para proteger sua saúde mental gerou uma grande repercussão na mídia e no público, e é agora tema de um documentário recentemente lançado pela Netflix: “O Retorno de Simone Biles”.
Biles não está sozinha nessa luta. A conquista do bronze pela equipe de ginástica artística feminina pelo Brasil teve um significado ainda mais especial para a atleta Lorrane Oliveira, 26 anos, que além de enfrentar um quadro de depressão e ansiedade em 2022 e 2023, perdeu a irmã há três meses.
Biles tatuou perto do ombro a frase da escritora, poetisa e ativista negra americana Maya Angelou: “Ainda assim, eu me levanto”. Lorrane usou as costas para tatuar uma frase que também a marcou: ”Nada é tão nosso quanto os nossos sonhos”.
A campeã olímpica de judô Rafaela Silva também desabafou nas redes sociais essa semana depois de ficar sem medalha individual em Paris, revelando que tentou o suicídio há três anos depois de ter sido suspensa por doping entre 2019 e 2021.
Rafaela afirmou que depois de superar a fase difícil, seguiu treinando tão duro quanto antes ou até mais, e que mesmo sem medalha no pescoço, ela sentia que a medalha estava visível em seu coração.
Durante o Pan-Americano do Peru, em 2019, ela testou positivo para uma substância encontrada em medicamentos para asma (fenoterol). Perdeu o ouro conquistado e ficou proibida de treinar em clubes por dois anos.
Conta emocional não fecha
As cobranças, os treinos extenuantes, a expectativa por medalhas e resultados fantásticos pode levar a um quadro de estresse crônico, esgotamento psíquico, ansiedade e depressão. Quando o atleta é obrigado a parar e ficar afastado da rotina daquilo que ama fazer também pode viver também um processo de luto tão agudo que fica mais vulnerável a questões de saúde mental, caso de Rafaela e de outros tantos competidores de alta performance mundo afora.
A batalha vivenciada por esses atletas serve como um alerta para cada um de nós, que não compete em Olimpíadas, mas enfrenta uma tarefa hercúlea de dar conta do recado em um mundo que exige cada vez mais.
São tantos compromissos, metas, performance, expectativas e cobranças em nossa rotina que, muitas vezes, deixamos de prestar atenção em como estamos nos sentindo. Cada vez mais essa conta emocional não fecha e acabamos pagando o preço desse empenho e dedicação com burnout, transtornos de ansiedade, transtornos alimentares, dependência de álcool e outras substâncias e quadros depressivos.
Biles conseguiu chegar a todo vapor em Paris porque teve a coragem de parar para se cuidar. Ela, Lorrane e Rafaela conseguiram falar sobre o que estavam sentindo. Todas elas ajudam outros atletas a enxergar melhor suas emoções e entender que saúde mental é uma prioridade tão grande quanto os resultados alcançados. Será que nós conseguimos fazer o mesmo?
Cada um de nós é o melhor termômetro de si próprio, e precisamos aprender que é fundamental se conhecer, se avaliar, entender nossos limites, vencer tabus e estigmas sobre saúde mental e pedir ajuda quando for necessário. É a melhor forma de dar a volta por cima e seguir em frente.
*Jairo Bouer é médico psiquiatra e escreve semanalmente no Terra Você.