As pessoas que adotam filhos mais velhos: 'Não importa idade, precisam de família'

Adultos que desejam adotar crianças mais velhas são uma minoria.

6 set 2024 - 17h35
(atualizado às 18h00)
Sérgio, Franco, Ariadna e Cristal
Sérgio, Franco, Ariadna e Cristal
Foto: Franco Verdoia / BBC News Brasil

Inicialmente, Agustín e Jorgelina tentaram ter um filho biológico, mas não foi fácil.

Eles realizaram um tratamento de fertilidade de baixa complexidade. Depois, tentaram fertilização in vitro - e foi assim que Jorgelina engravidou.

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A gravidez seguiu até o final, mas o bebê morreu poucas horas depois do parto.

"Foi uma experiência horrível", contou Agustín à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC. "Precisamos passar pelo luto, fazer terapia e tudo o mais para podermos seguir adiante."

Dois anos depois, o casal voltou a tentar, desta vez se apresentando para adoção. Era uma opção que eles já haviam considerado, se os tratamentos não dessem resultado.

"Nós nos inscrevemos em 2012", segundo Agustín. "Definimos seis anos como o limite de idade e dissemos que estávamos dispostos a adotar até duas crianças."

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Seguiram-se anos de espera. Até que, um dia, ao renovar sua inscrição, a funcionária perguntou se eles gostariam de alterar algumas das suas condições.

Foi quando eles pensaram: "Esta criança para quem nos inscrevemos certamente está nos esperando e, com certeza, fez aniversário." E decidiram, então, aumentar a faixa de idade.

No final de 2019, eles ficaram sabendo que seriam os pais de Lucas, um menino de nove anos.

Da mesma forma que aconteceu com Agustín e Jorgelina, o processo de adoção de crianças mais velhas levou outros pais a viver uma paternidade muito diferente da que eles imaginavam.

Quando Franco e Sergio pensavam em ser pais, por exemplo, vinham à cabeça deles imagens relacionadas à criação de bebês. E eles também imaginavam que o processo de adoção no seu país - a Argentina - seria complicado e corrupto, o que os levou a pesquisar sobre a adoção internacional.

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"O que ocorreu é que descobrimos que a maioria dos países onde existe esta opção - pesquisamos sobre a Ucrânia e o Haiti - não aceita casais homoparentais", segundo Franco.

Por isso, eles procuraram informações na internet e encontraram o que Franco descreve como "um panorama muito mais auspicioso" do que eles haviam imaginado, em relação à adoção na Argentina.

A inscrição "foi muito mais simples do que o formulário de visto para os Estados Unidos", segundo ele. E, um ano depois, eles iniciaram o processo de adoção de Ariadna e Cristal, de 9 e 11 anos de idade.

Franco e Sergio adotaram Ariadna e Cristal em 2020
Foto: Arquivo pessoal/Franco Verdoia / BBC News Brasil

Já para Daniela, o processo de adoção levou mais tempo, porque foi iniciado antes das mudanças da legislação que tornaram o processo mais rápido. Sua espera levou vários anos, como ocorreu com Agustín e Jorgelina.

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Em certo momento, quando já se aproximava dos 50 anos, ela imaginou que adotar uma criança de 0 a 6 anos - a faixa de idade indicada na sua inscrição - seria uma loucura.

"Pensar em trocar fraldas ou levar uma criança no colo ou pela mão, parecia não ter nenhuma relação com a minha realidade naquele momento", relembra ela.

"Certa vez, troquei a idade e respondi que estava disposta a adotar uma criança de 12 a 17 anos. Ali, tudo ocorreu muito rapidamente."

Em 2019, Daniela conheceu sua filha Mariana, que tinha então 13 anos de idade.

Poucos postulantes

Como em outros países, a grande maioria dos adultos que se apresentam como possíveis pais adotivos na Argentina, só estão dispostos a adotar crianças pequenas.

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Dados da Direção Nacional do Registro Único de Aspirantes à Guarda com Fins de Adoção (DNRUA), atualizados até agosto de 2024, indicam que menos de 10% dos inscritos estão dispostos a adotar crianças com nove anos de idade ou mais.

E existe uma forte disparidade entre este índice e a idade das crianças que estão crescendo atualmente sob os cuidados do Estado naquele país.

Dados de 2020 da então chamada Secretaria Nacional da Infância, Adolescência e Família (hoje, Subsecretaria de Políticas Familiares) indicam que, naquela época, 62% dessas crianças tinham mais de oito anos de idade.

A Argentina não publica dados atualizados da quantidade de crianças morando em lares públicos desde 2020. Mas alguns dos pais adotivos entrevistados pela BBC News Mundo suspeitam que este número esteja crescendo, considerando a situação econômica do país.

Outro fator que influencia a probabilidade de adoção é o fato de que 99% dos postulantes estão dispostos a adotar até duas crianças.

Por isso, a adoção parecia algo extremamente improvável para Sebastián, Micaela, Jonathan, Emanuel e Byron - um grupo de cinco irmãos entre 5 e 13 anos de idade, que moravam em uma casa-lar na capital argentina, Buenos Aires.

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Byron, o mais velho dos cinco, tinha consciência da situação. Tanto que, quando tinha 12 anos, ele se reuniu com a juíza do seu caso, pedindo para ser separado dos irmãos. Com isso, as crianças mais jovens teriam mais chances de serem adotados.

Mas um casal de Córdoba, Sofía e Alejandro, decidiu adotar os cinco.

Meses antes, eles haviam começado a preparar os documentos para adotar até três crianças. Eles logo viram a convocação pública, que é a instância a que costumam chegar os grupos de irmãos mais velhos, para quem não costuma haver postulantes inscritos no sistema.

"Sempre conto que Ale disse: 'Bem, entre três e cinco, não há tanta diferença'", conta Sofía, rindo.

Byron não conseguia acreditar quando soube que iriam adotar a todos.

"Por sorte, a juíza não deu ouvidos [ao pedido de Byron para ser separado dos irmãos mais novos]", conta a mãe adotiva dos cinco irmãos.

Sofía, Alejandro e seus cinco filhos vivem em Córdoba, na Argentina
Foto: Sofía Pizzi / BBC News Brasil

Os primeiros encontros

Na primeira vez em que Franco e Sergio encontraram suas filhas, todos usavam máscara. Era o início da pandemia de covid-19 e eles foram orientados a não ficarem próximos, nem se tocarem.

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"Imagine conhecer nossas filhas, e elas a nós, pelos olhos." Mas a distância durou pouco. Primeiro, eles tiraram as máscaras, para que elas pudessem vê-los.

"Depois de 15 minutos, estávamos grudados brincando e a mais velha pedia um abraço", conta Franco. "Foi impossível manter qualquer tipo de protocolo."

Normalmente, existe nas adoções um período de vários meses, durante o qual os pais e filhos se encontram regularmente, mas não moram juntos. Espera-se que, nesse período, sejam formadas as bases do vínculo de confiança que possibilita a convivência.

No caso de Franco e Sergio, a casa-lar onde as meninas moravam era frequentemente fechada devido à pandemia e eles não podiam vê-las. Por isso, eles começaram a insistir com o juiz para acelerar o processo, fazendo com que elas pudessem ir morar na casa nova.

E foi o que aconteceu, segundo Franco. "De repente, éramos quatro desconhecidos convivendo em casa sem podermos sair, quatro pessoas aprendendo o que era viver em família."

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Daniela e sua filha Mariana passaram por algo similar.

"Muita gente diz que sente o amor à primeira vista. No meu caso, não foi assim", reconhece ela.

"Eu vi uma menina que não olhava para mim, nem falava comigo, e me perguntei se, algum dia, eu iria gostar dela e ela de mim."

Seguindo as informações da casa-lar, Daniela ficou sabendo que Mariana gostava de rap e que sua cantora favorita era a argentina Cazzu.

"Eu perguntei: 'Você gosta de rap?'. Ali, ela começou a se comunicar comigo e começamos a formar alguma conexão", ela conta.

O processo também coincidiu com o início da pandemia.

Houve um dia em que Daniela foi à casa-lar, mas não a deixaram entrar. "Ela pensou que eu a havia abandonado, porque nós nos vimos no dia anterior e eu havia dito a ela que iria vê-la."

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Daniela pediu que Mariana pudesse ir à sua casa por dois ou três dias.

"Eles a deixaram vir e, logo em seguida, decretaram que ninguém poderia sair de suas casas", ela conta. E foi assim que Mariana nunca mais voltou à casa-lar.

Para Daniela, a experiência pôs rapidamente à prova sua decisão de adotar a menina.

"Foi muito difícil", conta a mãe. "Ela estava em plena adolescência e, bem, muitos dos nossos filhos têm traumas, passaram por experiências muito difíceis e fica muito complicado confiar nos outros."

"Eu também estava muito sozinha. No seu primeiro aniversário, não pudemos trazer nenhum convidado", recorda ela.

Daniela e Mariana formam o que se chama de família monoparental. A mãe também não tem familiares de sangue. Seus pais morreram e ela não tem irmãos, tios, nem primos.

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"Eu me dispus a realizar o desejo de ser mãe, sabendo que aquela era a minha situação", afirma ela. "E decidi fazê-lo sabendo que não teria muita companhia."

Ela recebeu o apoio de suas amigas, que assumiram o papel de tias de Mariana - e de uma cachorrinha, que a menina pediu quando foi adotada.

Com uma família tão pequena, Daniela conta que foi indispensável respeitar um mantra: "do que se gosta, se cuida".

"Eu cuido dela e ela também cuida de mim. E nós duas cuidamos do terceiro integrante da nossa família, que é a nossa mascote."

Mariana desenhou sua família – ela, sua mãe e a cachorrinha
Foto: Arquivo pessoal/Daniela Blasco / BBC News Brasil

Paralelamente, Franco e Sergio enfrentavam sua nova realidade - dois homens criando duas meninas.

"No dia em que elas vieram morar conosco, nossa filha mais velha menstruou pela primeira vez", conta Franco. "Eu não sabia o que fazer. O que se faz? Como falar? Eu tinha muita vergonha."

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"Peguei então o telefone, falei com minha irmã e as coloquei no banheiro em uma chamada de vídeo, para que minha irmã pudesse explicar, já que eu não sabia nem o que precisava dizer."

As dores da criação

Quando começaram a conviver com seus cinco filhos adotivos, Sofía e Alejandro precisaram encontrar uma forma de fazer com que os irmãos mais velhos se liberassem do papel de cuidadores dos menores, voltando a assumir o papel de filhos.

No início, as normas eram definidas entre eles. Se algum dos pequenos quisesse tomar um sorvete, por exemplo, ele perguntava para os mais velhos.

"Depois de passarem tanto tempo institucionalizados, os cinco se tornaram um bloco", descreve Sofía. "E, quando entram dois adultos desconhecidos, dizendo, 'bem, a partir de agora, nós somos a autoridade', fica difícil."

Mas ela defende que, embora a adoção seja um processo muito complexo para os pais, é ainda mais complicado para os filhos.

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"São crianças que viveram uma porção de coisas que nós nem imaginamos, nem nunca iremos viver: o abandono, viver sem sua família biológica, sem a mamãe para cuidar."

"Existem inúmeras histórias e nenhuma é bonita", explica ela. "Este trauma fica no corpo das crianças e sai por algum lugar."

Os primeiros meses com seus filhos foram caóticos: um gritava, o outro chorava, outro destruía as coisas da casa.

"Eu me trancava e chorava. Respirava fundo e saia de novo para pegar, abraçar e embalar, mesmo se eles não quisessem, até que se acalmassem."

Nos primeiros momentos da adoção, as crianças passam por muitas mudanças ao mesmo tempo, explica Sofía.

"De repente, eles chegam a uma casa nova, com uma família nova, esta é sua avó, esta é sua tia, esta é sua escola... A cabeça deles explode, imagine."

Eles começam a passar por uma série de experiências pela primeira vez: comer fora, viajar, andar de ônibus, escolher um presente, ter um lugar próprio para guardar as roupas, comemorar aniversário...

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"É difícil entender porque nunca estivemos no lugar deles", prossegue ela. "Por sorte, a maioria de nós, adultos, não precisou pensar 'oh, posso escolher um presente'. Nós simplesmente escolhíamos."

Franco concorda que esta transição de viver como casal para ter filhos pré-adolescentes é desnorteante.

"A sua casa, até então, era tranquila e silenciosa", descreve ele. "De repente, é uma gritaria, porque uma delas não quer tomar banho e não consegue lidar com a frustração."

Esta realidade doméstica contrariava claramente os comentários das pessoas à sua volta sobre a adoção.

"As pessoas diziam 'ah, que bênção, quanta caridade, você será inundado pelo amor", ele conta. "E eu, na minha casa, explodia porque a convivência era realmente muito difícil."

Agustín, Jorgelina e o filho Lucas com pulseiras do álbum Say No More, de Charly García
Foto: Nora Lezano/Exposição Red - Famílias x adoção / BBC News Brasil

Já Agustín conta uma história vivida com seu filho, durante o processo de construção de confiança no início da adoção.

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"Certa vez, descobrimos que ele mentiu para nós", diz ele.

Do lar onde vivia, seu filho Lucas foi levado, um dia, para a piscina. Lá, o menino brigou com alguém e foi suspenso.

"Para nós, ele disse que, na verdade, havia sido mandado de volta para o lar como prêmio, porque havia salvado um gatinho", conta Agustín.

"É claro que não acreditei na história. Falamos com as meninas do lar e elas nos contaram o que realmente havia acontecido."

Agustín, então, perguntou a Lucas: "Você me perguntou se, na minha casa, havia PlayStation. Eu respondi que não. O que aconteceria se eu dissesse que sim, você viesse à minha casa e não tivéssemos PlayStation?"

'Nossos filhos trazem uma bagagem'

Para Daniela, os primeiros meses de convivência trouxeram noites sem dormir. Mariana não estava acostumada com o silêncio.

"Ela ficou muito tempo sem dormir de noite e eu a acompanhava", ela conta.

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Ela começou também a perceber que sua filha tinha muita dificuldade para fazer as tarefas da escola.

"Fizemos uma série de análises e descobrimos que ela tem uma leve deficiência intelectual", ela conta. Daniela não sabia desta condição quando adotou sua filha.

Hoje, Mariana conta com assistência profissional para cumprir suas tarefas da escola e o ambiente à sua volta foi adaptado às suas necessidades. Mas chegar até este ponto não foi fácil.

"No princípio, era eu que me sentava com um computador para o meu trabalho e outro para ajudá-la a estudar", ela conta. "Era mãe em tempo integral."

Ainda hoje, a situação exige muito, mas Mariana vem ganhando cada vez mais autonomia.

"Nossos filhos vêm com uma bagagem", destaca Daniela. "Mas nós podemos ajudá-los a carregá-la."

Enfrentar as dificuldades de seus filhos nos estudos é um dos grandes desafios enfrentados frequentemente pelos pais adotivos de crianças mais velhas.

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Franco, por exemplo, conta que, quando Ariadna e Cristal foram morar com ele e Sergio, com 9 e 11 anos de idade, elas não sabiam ler direito. "Nós dávamos uma tarefa da escola e elas não sabiam como resolvê-la", ele conta.

Em certo momento, eles também pensaram que uma das filhas tivesse deficiência intelectual. Eles a levaram a uma psicopedagoga, uma psicóloga e uma psiquiatra.

"Ela não tinha nada disso. O que nossas filhas precisavam era de uma família." E, hoje, elas avançam normalmente na escola.

"É impressionante o que pode ser feito a partir do contexto familiar", destaca Franco. "É notável quando existe uma família por trás e quando não há."

Franco, Sergio e suas filhas Ariadna e Cristal
Foto: Franco Verdoia / BBC News Brasil

Lidar com o passado

O processo de construir uma família depois de adotar uma ou mais crianças mais velhas não depende apenas da convivência saudável em casa.

É preciso também encontrar um lugar para as histórias vividas pelas crianças antes que elas chegassem às famílias adotivas.

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Conhecer a verdade sobre seu passado não é apenas um direito das crianças que passaram por processos de adoção.

Agustín explica que é uma necessidade fundamental em um país como a Argentina, onde houve casos em que a origem e a identidade de muitas crianças adotadas foram apagadas durante o governo militar (1976-1983).

"Quem nunca quis conhecer e voltar para suas origens?", questiona Daniela. "Eu, em algum momento, quis saber o que acontecia com parte da minha família que eu não via. Como nossos filhos não iriam querer saber?"

Este contato com o passado dos seus filhos é um assunto que gera certos temores, segundo diversos dos pais adotivos entrevistados pela BBC News Mundo.

Mas "a vida das nossas filhas antes de chegarem à nossa vida é tão importante quanto a nossa antes que chegássemos à delas", destaca Franco.

No seu caso, eles receberam algumas informações básicas no momento da adoção. Mas suas filhas, pouco a pouco, revelaram muito mais.

"Surgiram uma irmã e um irmão que não conhecíamos", ele conta. "Elas também têm uma bisavó."

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Todos eles se veem frequentemente. "De repente, nossa família se ampliou em muitos outros sentidos."

A mãe biológica de Ariadna e Cristal morreu antes que elas fossem adotadas. E, quando passaram a morar com Franco e Sergio, as meninas não sabiam onde ela estava enterrada.

"Houve todo um processo para devolver a elas a possibilidade de visitar o túmulo da mãe e passar pelo luto", relata o pai. "Em casa, temos porta-retratos das nossas filhas, de nós e da mãe delas."

Parte da verdade sobre a vida dos filhos adotivos antes da adoção, especialmente em relação aos motivos que os levaram a ficar sob a guarda do Estado, está registrada nos processos a que os pais adotivos têm acesso.

Para Agustín, esta informação é fundamental para ajudar seu filho a dar sentido à sua própria história, quando ele quiser conhecê-la. "No futuro, é possível explicar qual foi a situação que ele enfrentou."

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Lucas, filho de Agustín e Jorgelina, é o mais velho de um grupo de cinco irmãos, que foram adotados por três famílias diferentes.

"Para os outros irmãos, meu filho é um farol", explica Agustín. Dos cinco, ele é quem tem mais lembranças sobre aquela etapa da vida.

"Eles [seus irmãos] precisam do contato. Temos um grupo de WhatsApp [com os pais adotivos] chamado 'Familiona' e nos vemos a cada duas ou três semanas."

O tempo da adoção

Os pais entrevistados pela BBC News Mundo conseguiram atravessar a primeira etapa da adoção. Todos eles descrevem esta fase como muito intensa e complexa.

Hoje, todas as famílias são estáveis e consolidadas. Mas chegar até aqui exigiu muita paciência.

"Nós, adultos, ficamos muito frustrados quando o vínculo não ocorre no tempo esperado", explica Sofía. "Ficamos ansiosos para que as crianças nos considerem pais e nos amem - e para nós sentirmos o mesmo."

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Os cinco filhos de Sofía e Alejandro têm hoje 10, 12, 14, 16 e 18 anos
Foto: Arquivo pessoal/Sofía Pizzi / BBC News Brasil

No caso dela, Byron - o mais velho dos cinco filhos - foi quem precisou de mais tempo para sentir o vínculo com sua família adotiva.

Ele passou muito tempo dizendo a Sofía e Alejandro que queria voltar para a casa-lar. "Sim, eu gosto de vocês, vejo que vocês são bons, mas não consigo", dizia ele.

Com a ajuda da juíza do caso e de uma equipe de profissionais, eles descobriram que aquela era uma crise normal, nas circunstâncias. Ela estava relacionada ao fato de que Byron havia crescido desempenhando o papel de cuidador.

Sofía e Alejandro trataram de fazer com que ele sentisse que, independentemente se gostava ou não deles e se os percebia ou não como pais, eles estariam ali para cuidar dele.

O processo levou mais de três anos. Hoje, ele tem uma tatuagem com a palavra "mamãe" e a data de aniversário de Sofía, outra com "papai" e a data de aniversário de Alejandro e uma terceira, com a data em que eles se conheceram.

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Daniela também conta que levou um tempo para que sua filha a considerasse sua mãe.

"Ela não queria uma mãe, queria alguém que a tirasse da casa-lar porque não estava bem ali", conta. "E me viu como uma possibilidade de sair daquela situação."

"Até que, um dia, ela me chamou de mãe. Mas levou um tempo, não foi no primeiro dia."

Nem todas as famílias conseguem chegar a este ponto e acabam decidindo pela desvinculação.

Sofía acompanhou outras famílias em momentos de crise durante o processo de adoção. Ela conhece de perto vínculos fracassados e afirma que são casos em que as crianças voltam a se machucar, aprofundando seu trauma.

"A partir do momento em que se decide seguir por este caminho, você é responsável por fazer com que o processo funcione", orienta ela. "As crianças não têm nenhuma responsabilidade. Se você escolheu isso, escolheu até o fim."

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Mas ela também reconhece que existem casos em que parte da responsabilidade recai sobre a casa-lar, quando ela permite vínculos em momentos em que as crianças não estão preparadas para suportar toda a pressão e o estresse decorrente.

Para os pais entrevistados pela BBC News Mundo, foi fundamental contar com o apoio de outras pessoas que estão passando pelo mesmo processo.

Na Argentina, isso foi possível graças a associações como a Adotem Crianças Grandes e Militamos Adoção.

Além de serem espaços de acompanhamento mútuo, estas associações procuram informar, sensibilizar e derrubar mitos sobre a adoção no país.

"Há 20 anos, a adoção era tabu na Argentina", explica Agustín. "O que nós fizemos foi derrubar isso, sair e falar para que seja mais transparente."

As associações também foram fundamentais para enviar uma mensagem: a adoção não é questão do desejo dos adultos de serem pais, mas de restituir o direito das crianças a terem uma família.

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"Não estamos procurando crianças para os adultos que se apresentam para adotar, mas famílias para as crianças, conforme suas necessidades", resume Daniela, fundadora da organização Adotem Crianças Grandes.

"No nosso caso específico, inicialmente não havia amor, mas apenas o nosso desejo de restituir um direito das crianças, de oferecer uma família que os recebesse", destaca Sofía.

"E eles não têm que agradecer por isso. Não têm que fazer nada. Você é que tem que agradecer àquela criança por tudo o que ela é e por tudo o que ela veio ensinar."

"Nossas filhas continuam sendo grandes professoras e nos ensinaram muitíssimo", destaca Franco. "E, é claro, nós também oferecemos um grande apoio, não como indivíduos, mas como família."

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Ao destacar as lições deixadas pela adoção do seu filho Lucas, Agustín ressalta a resiliência.

"A nossa, por passarmos por uma tragédia, que é ter um bebê que faleceu, e a dele, de superar tudo o que ele viveu e seguir adiante."

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