Um adolescente nos anos 1990, com a sexualidade à flor da pele, teria que usar a criatividade para esconder as famosas revistas pornográficas - até então, um dos únicos meios de acesso a conteúdo adulto na época. Além disso, a publicação não era comercializada para menores de 18 anos.
Agora, em 2019, muitos desses adolescentes da época se tornaram pais e mães e estão perdidos quando o assunto é sexualidade dos filhos. "Meus pais falavam sobre sexo, mas não era uma forma muito clara. Sempre tinha o viés que homem era aproveitador e que não deveríamos, eu e minha irmã mais velha, cair no conto deles. E que, caso acontecesse algo, deveria ser com alguém que a gente gostasse e não fosse por onda de amigas. Ah, eles colocavam muito medo sobre a questão da gravidez", lembra Ana Paula Olinto.
Hoje, ela é mãe de dois meninos: Patrick, de 17, e Nicolas, de 12 anos. "Me lembro de ter falado sobre sexo com o meu filho mais velho quando ele tinha sete anos. Ele me perguntou o que era sexo. A pergunta foi inesperada e me pegou de surpresa. De imediato respondi que sexo era 'sexo feminino' ou 'sexo masculino' e só. Uns 15 minutos depois ele questionou se sexo era a mesma coisa que transar. Fiquei passada!", recorda. Ana Paula conta que ela e o marido sentaram para conversar com o garoto e entender o que ele sabia sobre o assunto. Depois do episódio, a família fala abertamente sobre relacionamentos, doenças, proteção e gravidez.
Regina Elizabeth é mãe de duas meninas: Gabriela, de 21 anos, e Luiza, de 18, e lembra como a família se comportava quando o assunto era sexualidade. "Minha mãe nunca conversou comigo sobre sexo. Eu aprendi sozinha e de certa forma foi difícil romper esse tabu porque, quando se conhece bem o corpo, a relação com a outra pessoa flui melhor. Demorou para entender que eu tinha meus desejos e que não era vergonha expor eles", conta.
Hoje, com as filhas, ela tenta promover o diálogo constante desde sempre. Tanto que a mais velha se sentiu a vontade para revelar que perdeu a virgindade. "Hoje em dia eu acabo conversando com elas até...'puxa, esse cara que você ficou é legal? Você gostou mais desse do que daquele? E aí, estão usando camisinha? Ah, essa camisinha é ruim...então, pesquisa no mercado'. A gente não tem receio. Elas não têm receio de questionar e perguntar. Temos uma abertura muito boa para conversar sobre isso", relata. E o pai das meninas também participa das conversas, para dar uma visão masculina sobre o assunto.
Questões homoafetivas, por exemplo, também não são tabu na família, como afirma Elizabeth: "Uma vez perguntaram porque tinha duas mulheres abraçadas e eu respondi que era um casal. Elas vieram me contar depois que aquela informação no momento havia solucionado a dúvida e que elas cresceram sem esse preconceito e acham normal essa relação".
A verdade é que boa parte dos adultos atualmente não foram treinados para falar sobre sexo com seus filhos. A maioria, quando crianças e adolescentes, teve orientação sexual na escola basicamente para a reprodução. "Um grande desafio é, sem dúvida, abordar um tema que a criança terá que postergar a sua concretização, como no caso da relação sexual em si. E por isso muitas famílias acham que não devem abordar o assunto. Além disso, há dois grandes mitos sobre falar de sexo com crianças: que isso acelera a 'sexualidade delas' e que falar de sexualidade pode influenciar a orientação sexual das crianças. Por falta de conhecimento, os pais acham que falar de sexualidade é falar de relação sexual, sendo que na verdade a genitalidade é apenas um dos aspectos da sexualidade e às vezes nem é o principal", explica a psicóloga Ana Canosa, diretora da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana.
Os conteúdos relacionados ao conhecimento do corpo, como higiene, diferenças entre sexos e gestação precisam ser explicados aos pequenos. Mas, para essa geração, questões como sexualidade na infância, fortalecimento da identidade, autoestima, ser assertivo e respeitar os outros são fundamentais.
"Aprender a negociar, a respeitar, a reivindicar direitos e espaços, a não se deixar abusar, conhecer e ir elaborando as emoções no relacionar-se com o mundo. Tudo isso que a gente precisa para ter uma relação saudável com os outros e que infelizmente não é a realidade de grande parte das pessoas adultas que se relacionam. Não digo que trabalhar a sexualidade é o que vai resolver conflitos humanos, pois há muitos outros fatores envolvidos, mas certamente é uma boa via de acesso para construção de reflexões", avalia a educadora sexual.
O que fazer se eu flagrar meu filho vendo conteúdo adulto?
Você está chegando no quarto do seus filhos e, de repente, o flagrante. O que fazer ao ver as crianças ou adolescentes assistindo a vídeos eróticos? Fingir que não aconteceu nada não é a melhor saída.
Para a psicóloga, é preciso falar sobre o assunto. "Se é criança, a gente precisa explicar que esse conteúdo não é adequado para a idade dela, que surgirá o tempo para desenvolver-se nesse aspecto. É importante compreender onde a criança está buscando referências para o pornô, quem apresentou, etc. Com púberes e adolescentes, o papo já pode ser mais profundo e crítico, como a reprodução de violência de gênero nos filmes, o modelo de erotismo que é passado, os corpos que viram modelo de comparação, as práticas sexuais que parecem todas muito fáceis e prazerosas e a dependência da pornografia como uma categoria que vem crescendo muito", aconselha.
Para além da conversa, aplicativos para bloqueio de conteúdos adultos nos dispositivos móveis devem ser providenciados, mas não são a solução do problema.
A sexualidade, de acordo com a faixa etária
É preciso entender que, no mundo das crianças e dos adolescentes, todos os assuntos são permitidos. O que vai mudar é o jeito de falar e o entendimento de cada um deles. A educadora sexual Ana Canosa separou algumas dicas para cada faixa etária:
* Até os cinco anos de idade: Observar o desenvolvimento infantil (corpo, diferenças entre os sexos, higiene, gestação, noção de privacidade, prevenção de abuso sexual, cuidados na exploração de corpos e jogos infantis). Nessa fase, é importante trabalhar o tema aos poucos com a criança.
* A partir dos cinco anos: A criança já tem mais noção do que é uma relação sexual e algumas perguntas podem estar relacionadas às práticas sexuais. Muito importante focar em temas sobre relacionamento/famílias - orientação sexual.
* A partir da puberdade, entre nove e 15 anos: Foco na mudança do corpo (surgimento de pelos, aumento dos órgãos genitais, por exemplo). Promover conversas sobre a entrada na adolescência, autoimagem, amigos, padrões de beleza, prazer sexual (masturbação).
* De 15 a 18 anos: As questões da puberdade são ampliadas para discussões mais críticas e reflexivas sobre o comportamento sexual.
De qualquer maneira, manter o diálogo sempre aberto com os filhos sobre sexualidade, em tempos de fácil acesso à informação, é o melhor caminho. Com os pequeninos, o jeito lúdico de abordar a situação pode ser mais eficiente. Com os mais velhos, a descontração também ajuda a 'quebrar o gelo' entre pais e filhos.
Para aqueles que se interessam mais profundamente pelo assunto, a Unesco preparou um guia com orientações técnicas de educação em sexualidade para o cenário brasileiro.
Dicas de livros para falar sobre sexo com crianças e adolescentes
Muitos pais gostariam de ter acesso à literatura que pudesse ajudar, de maneira didática, a lidar com a sexualidade dos filhos. Separamos uma lista de publicações que podem auxiliar nesse momento, inclusive leituras para crianças e adolescentes. Confira:
* 'Somos iguais mesmo sendo diferentes', 'Conversando com seu filho sobre sexo', 'Um bate-papo sobre sexo', livros de Marcos Ribeiro;
* 'Mamãe, o que é sexo?', de Lilian Macri;
* 'Mamãe botou um ovo' e 'Cabelinhos nuns lugares engraçados', os dois livros de Babete Cole;
* 'Conte para alguém', de Thais Laham Morello, sobre prevenção de abuso sexual;
* 'Pipo e Fifi', de Carolina Arcari, também sobre prevenção de abuso sexual.
Atitudes que podem proteger seus filhos da pedofilia
Novamente, a conversa com os filhos é a melhor forma de prevenção. E, desde a tenra infância, é preciso ensinar noções sobre as partes íntimas e quem pode tocá-las e de que forma isso é feito. Orientação e esclarecimento são fundamentais.
É difícil impedir que um pedófilo se aproxime de seus filhos. No entanto, se a criança e o adolescente tiverem conhecimento do que é perigoso, poderá dizer não. Se o abuso ocorrer, terá condições de informar um adulto. Não subestime a capacidade de entendimento dos pequenos.
A ONG SaferNet Brasil possui um portal com dicas para manter a internet segura para as crianças. Lá, é possível acessar conteúdos sobre prevenção e ações de combate à pedofilia e pornografia infantil. Mais informações aqui.