Discriminação contra autismo poderá ser via disque-denúncia

Projeto de lei será analisado em caráter de urgência na Câmara dos Deputados

29 jul 2019 - 12h12
(atualizado às 14h57)

No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, existem mais de dois milhões de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista. Para crianças e adolescentes, a dificuldade de inserção social e do próprio relacionamento com os outros são os maiores obstáculos enfrentados. Além disso, muitos precisam lidar com o preconceito de instituições de ensino que criam empecilhos para acolher esses estudantes.

Mãos que prendem a fita do enigma para a consciência do autismo
Mãos que prendem a fita do enigma para a consciência do autismo
Foto: iStock

Quando adultos, autistas têm dificuldades para conseguir emprego, se relacionarem socialmente e sofrem com a falta de acessibilidade em espaços públicos e coletivos.

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A criação de um disque-denúncia para relato de casos de discriminação está se concretizando na Câmara dos Deputados. Tramita, em caráter de urgência, o projeto de lei que obriga o poder público a oferecer o canal. A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência aprovou o PL em junho. O disque-denúncia será gratuito e disponibilizado em âmbito nacional.

"Esse tipo de ferramenta tem se revelado eficaz ao longo do tempo, mas é importante que a ação seja conjunta: que os atingidos realizem as denúncias, busquem apoio junto ao Ministério Público, e que o Estado não fique inerte frente às denúncias de atos discriminatórios" afirma a advogada Erika Xavier, do Escritório Alcoforado Advogados Associados. Segundo a especialista em Direito Constitucional, a pena para este crime é de reclusão.

O que poderá ser denunciado

Impedimento na contratação de planos de saúde ou cobertura negada e a discriminação de pessoas com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista no mercado de trabalho são algumas das ações que poderão ser denunciadas.

Para escolas que recusarem a matrícula de estudantes com TEA, a Lei 12.764 já prevê multa de três a 20 salários mínimos contra a gestão.

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No Brasil, além da Política Nacional, os pacientes são amparados pela Lei 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

Autismo e ambiente escolar

As dificuldades para os pacientes que estão no Transtorno do Espectro Autista começam no ambiente escolar. Muitas vezes, o preconceito parte da própria instituição de ensino que, em casos extremos, rejeita a matrícula desses alunos.

Para a psicóloga Andréa Chaves, a integração de crianças autistas no ambiente escolar é de extrema importância para seu desenvolvimento, porém é um grande gargalo para a família. "A escola precisa adaptar o currículo e, muitas vezes, ter a presença de um cuidador em sala de aula, o que pode auxiliar no processo ou trazer prejuízos de integração com as outras crianças. Tudo vai depender da adaptação da escola".

A especialista em saúde mental sugere que a instituição tenha uma equipe de ensino preparada e que a família esteja envolvida. "A formação de rotinas para crianças com TEA ajuda a evitar mudanças de comportamentos. Então, o ambiente escolar precisa ter acessibilidade física, comportamental e social para de fato acontecer a integração dessas crianças", avalia.

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A reportagem do E+ também conversou com a psicopedagoga Keila Espíndola, orientadora educacional do Colégio Objetivo do Distrito Federal. Ela dá detalhes da experiência que tem no ambiente escolar e relata a falta de preparo de alguns profissionais da educação para lidar com o assunto. Acompanhe:

Com a sua experiência, como acontece a discriminação de alunos que têm TEA?

Eles sofrem quando o profissional da área de educação quer tratá-lo como igual aos demais alunos. A partir do momento em que um especialista na área de educação não compreende quais são essas necessidades e peculiaridades de cada indivíduo, esse profissional acaba discriminando esse aluno, acaba deixando de assisti-lo, e o aluno deixa de desenvolver a sua aprendizagem.

O professor tem que conseguir buscar para o educando aquilo que melhor vai favorecê-lo, aquilo que vai fazer com que ele tenha o despertar do interesse, da curiosidade, para tentar puxar a atenção desse aluno para si, para seu conteúdo, para o desenvolvimento das aulas. O educador não precisa ser o especialista sobre o Transtorno do Espectro Autista, mas é importante que ele conheça, que busque informações sobre como é o transtorno, quais os aspectos que precisam ser melhor trabalhados dentro desse diagnóstico, o que é relevante ser cobrado desse educando, quais são realmente as habilidades e competências que esse aluno precisa desenvolver de fato.

Quais são os casos mais comuns envolvendo discriminação no ambiente escolar?

Acontece muito de o aluno sofrer a discriminação junto aos colegas por estes não compreenderem a sensibilidade maior em relação ao som e a luz, por exemplo. Numa sala de aula barulhenta, os alunos com TEA terão muita dificuldade de sociabilização. Na sala de aula, os estudantes costumam brincar, costumam gritar, e o estudantes autistas ficam agitados e muitos não entendem aquele comportamento.

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Quais são as atitudes dos professores que podem comprometer o desempenho desses alunos?

É muito comum, por exemplo, o professor utilizar uma linguagem formal em sala de aula, utilizar figuras de linguagem, usar expressões de duplo sentido, ditados populares e normalmente os autistas costumam ter a percepção muito literal e linear das coisas. Eles levam muito ao pé da letra. Se você disser "está chovendo canivetes", dependendo do nível do TEA, ele vai imaginar que realmente está chovendo canivete.

Essa percepção faz com que o aluno tenha uma fuga daquilo que está sendo desenvolvido em sala de aula. Então, o professor tem que tentar usar uma linguagem mais clara, mais assertiva, tentar evitar esses vícios de linguagem, tentar usar termos de duplo sentido, para que não gere uma confusão maior.

As escolas estão preparadas para acolher e atender a essa demanda?

Infelizmente, nossos professores e colaboradores, em sua maioria, não estão preparados para atendê-los. Dentro das universidades trabalhamos muito a didática em sala de aula, mas não aprendemos a lidar com alunos que têm transtornos ou qualquer outro tipo de dificuldade de aprendizagem ou até deficiência física. É um déficit que a gente tem. E o profissional precisa continuar sua busca acadêmica fora da instituição da qual ele faz parte como professor. Ele precisa sempre buscar conhecimento, como funcionam os transtornos, como lidar com eles dentro da sala de aula.

Eu, por exemplo, comecei como professora numa escola inclusiva, e por essa razão eu tive que voltar a fazer cursos de especialização e preparação para lidar com esse público e preencher aquilo que não aprendi durante a faculdade. Ou seja, há uma necessidade de enxergar que existem peculiaridades de aprendizagem, mas esse olhar ainda não acontece durante a formação acadêmica e só nos damos conta dessa importância quando já estamos trabalhando.

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O que colégios públicos e privados precisariam para melhorar a questão da acessibilidade do aluno com TEA?

Tanto escolas públicas quanto privadas precisam melhorar muito os sistemas de ensino inclusivos que envolvem a questão da acessibilidade do aluno com TEA e isso desde a formação dos professores até a estrutura escolar em si. Desde de um ambiente de sala de aula bem organizado até a forma como trabalhamos com todos os alunos sobre a educação inclusiva, a necessidade dela acontecer. Explicar aos educandos qual a peculiaridade daquele coleguinha que vai estar com eles em sala de aula ao longo de todo o ano letivo. Para que eles também entendam que a inclusão é uma necessidade social, não é apenas uma obrigação da escola.

É importante que os professores conheçam sobre literatura especializada, que fale sobre autismo, que explique quais as necessidades. Muitas pessoas têm a ideia de que quem tem TEA não consegue interagir e isso é um equívoco. É um paradigma que precisa ser quebrado.

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