Muito se fala sobre doação de sêmen, que foi até tema da novela Sete Vidas, que terminou em julho deste ano. Mas você já ouviu falar em doação de óvulo? Esse ato ajuda mulheres a engravidar, como as com falência ovariana, idade mais avançada, doenças genéticas ou com falhas repetidas de fertilização in vitro. A servidora pública Silvia Andrade*, de 38 anos, fez quatro fertilizações in vitro. Conseguiu ter o primeiro filho com seu próprio óvulo, mas teve que lançar mão da ovorecepção para conquistar o sonho de ter o segundo. Grávida de seis meses, só tem a agradecer à doadora: “Estou muito feliz. É uma gratidão que não tem preço”, disse.
Os números desse tipo de procedimento estão aumentando. Em 2015, a Clínica de Reprodução Humana Mater Prime prevê crescimento de quase 80%, já que até agora já são 35 tratamentos de doação compartilhada (doação e recepção ao mesmo tempo), contra 41 em todo o ano passado. “As mulheres estão casando mais tarde e projetando filhos com mais idade, o que consideramos o principal motivo para os tratamentos com ovodoação terem aumentando nos últimos anos. Na Huntington, em 2014, tivemos 245 casos com óvulos congelados”, comentou a especialista em reprodução humana Thais Domingues, do Grupo Huntington.
As doadoras podem ser voluntárias que simplesmente querem ajudar alguém ou mulheres que vão se submeter à estimulação ovariana para realizar tratamentos de fertilização in vitro, geralmente por alteração nas tubas ou infertilidade do marido, doando parte dos seus óvulos a outro casal. “Na doação compartilhada, a doadora paga somente as medicações (cerca de R$ 5 mil) e a receptora paga o tratamento da doadora. O custo da receptora varia de R$ 18 a R$ 25 mil, por outro lado, não gastará com medicamentos para estimular os ovários”, explicou o ginecologista especialista em reprodução humana Rodrigo da Rosa Filho, sócio fundador da Clínica de Reprodução Humana Mater Prime.
Feliz
A analista de relacionamento Luana Santos Oliveira Garcia, de 31 anos, passou por duas fertilizações in vitro para conseguir engravidar do filho de Pietro. Nas duas tentativas, doou parte de seus óvulos, o que permitiu diminuir os seus custos e ainda ajudar a alguém. “Antes eu pensava que esse tipo de tratamento seria impossível para nós e que o sonho nunca poderia ser realizado. Mas com a doação de óvulos, conseguimos. Além disso, fico muito feliz e me sinto orgulhosa por poder fazer algo tão importante para uma família. A sensação de poder ajudar é maravilhosa. Penso muito na felicidade que essa mulher vai ter ao pegar seu exame positivo, na felicidade ao ver a barriga crescer e perceber que finalmente realizou o sonho de poder dar a vida. Eu fiquei sem acreditar por meses que havia conseguido, minha ficha só caiu quando ele saiu da minha barriga”, comentou. Luana deixou claro que doaria novamente, “agora não dá porque o bebê precisa muito de mim e a recuperação é um pouco dolorida, mas quem sabe no ano que vem.”
Compaixão
Depois de oito anos tentando engravidar e de descobrir que suas trompas eram obstruídas, a assistente de recursos humanos Kelly Almeida, de 35 anos, apostou na fertilização in vitro e teve os gêmeos Guilherme e Vinícius. “Pensando nas mulheres que não conseguem engravidar, tive compaixão. Tive muitos óvulos e doei metade para que alguma mulher recebesse e pudesse engravidar. A doação também ajudou no valor do meu tratamento. Tive que esperar três meses para achar alguma receptora compatível”, comentou.
Hoje, Kelly tem um canal no Youtube em que compartilha a experiência dela com a fertilização e com os gêmeos. “Algumas mulheres me deram retorno dizendo que fizeram o procedimento e também doaram óvulos.”
Anonimato
No Brasil, a doação de óvulos é realizada de forma anônima ( receptora não sabe quem doou e a doadora não conhece a identidade da receptora) e não pode ter caráter lucrativo. A podóloga Aline De Paula Silva, de 31 anos, morou na Espanha e em Portugal e chegou a doar óvulos nos dois países, quando tinha entre 23 e 24 anos. “Lá, eles pagam para a gente doar. Doei porque estava precisando de dinheiro”. Anos depois, decidiu engravidar do marido vasectomizado e, por isso, teve que passar por uma fertilização in vitro. Foi então que doou seus óvulos pela terceira vez, o que ajudaria nos custos de seu tratamento, que resultou no filho Rafael. “Quando fiz essa doação, minha mãe me perguntou se teria como saber se deu certo para as pessoas que receberam meus óvulos. Não temos como saber. Torço para que ela também tenha conseguido. Penso que ajudei outra pessoa a ter o mesmo sonho que o meu.”
Pela lei brasileira, a mãe é a receptora e a doadora não tem qualquer direito sobre a criança. “Pai ou mãe é quem cria”, comentou Aline. A doação não pode ser realizada entre familiares ou pessoas conhecidas.
Aceitação
A decisão de receber óvulos de outra mulher nem sempre é fácil. Algumas chegam a optar por mais tentativas com os próprios óvulos até aceitar a situação. Foi o que aconteceu com Silvia*, que fez quatro fertilizações in vitro, sendo que uma resultou em uma gestação com o próprio óvulo, duas falharam e uma a deixou grávida por meio de um óvulo doado. “Relutei e tentei mais duas vezes. Precisei disso para poder aceitar. É óbvio que não é fácil aceitar que não consegue mais sozinha, mexe com a autoestima. Mas agora isso já foi superado. O que importa é eu ser mãe. Se tem que ser dessa forma, só tenho a agradecer à doadora e à evolução de medicina”, disse a grávida de seis meses.
Segundo o médico Rodrigo da Rosa Filho, “o processo de aceitação de óvulo doado como a única forma de ser mãe pode durar semanas e até meses. Mas observo que a felicidade e a satisfação pessoal são idênticas às pessoas que tiveram filhos com óvulos próprios”, comentou. “Mesmo que o material genético seja do óvulo da doadora, é a paciente receptora que sente todos os sintomas da gestação, sente seu bebê se mexendo dentro dela e tem a experiência do parto. Tudo isso contribui para que a carga genética do bebê tenha menos importância. Além disso, vale lembrar que o material genético da espécie humana é 99,9% idêntico e muitas das características do filho são moduladas pelos seus pais, biológicos ou não.”
Silvia contou que a doadora tem características físicas parecidas com as dela, como altura, peso, cabelo e tipagem sanguínea. “Não quis entrar muito em detalhes sobre ela, como a profissão dela. Isso não importa. Meu primeiro filho, gerado com o meu óvulo, não parece nem comigo e nem com o pai.”
A receptora de óvulo prefere manter seu nome real em sigilo, porque apenas ela, o seu companheiro e o médico sabem dessa condição. “Como tenho um filho resultado de uma fertilização com meu próprio óvulo, tenho receio de alguém tratá-lo com preferência porque o outro não é do meu óvulo. Isso é para não gerar especulação, para quem não tem conhecimento não falar besteira”, explicou. “Não pretendo contar no futuro, acho que as pessoas ainda têm muito preconceito e também para não gerar diferença entre meus filhos. Talvez, se tivesse os dois por doação de óvulos, não teria problema em contar.”
Doadora deve ter até 35 anos
A idade limite para doação de óvulos é de 35 anos. “Porém, com o intuito de potencializar as chances de sucessos, preferencialmente mantemos a idade entre 18 a 32 anos”, disse a especialista em reprodução humana Thais. A doadora não pode ter problemas de saúde que possam ser agravados pela estimulação ovariana, como cânceres dependentes de hormônio, ou transmitidos genética ou cromossomicamente, assim como doenças sexualmente transmissíveis. “Deve-se ter uma boa reserva ovariana, o que é comprovado por exames de sangue e contagem de folículos antrais”, completou.
“As pacientes receptoras de óvulos não apresentam óvulos capazes de serem fertilizados e gerarem embriões geneticamente normais, no entanto, através da recepção de óvulos, conseguem exercer a plenitude da maternidade”, disse Rodrigo da Rosa Filho. As técnicas de reprodução assistida podem ser realizadas desde que exista uma possibilidade efetiva de sucesso, sendo que a idade máxima permitida é de 50 anos, mesmo com óvulos doados. As receptoras também não poderão apresentar contraindicação à gestação, como problemas renais e cardíacos específicos graves ou cânceres.
Processo
A doadora de óvulos é submetida a uma estimulação ovariana com o objetivo de conseguir que os ovários produzam mais óvulos. “Para isso utilizam-se gonadotrofinas, injetadas no tecido subcutâneo por cerca de 10 dias. A coleta dos óvulos é realizada sob um tipo especifico de anestesia, chamado sedação. A doadora permanecerá em posição ginecológica - como se fosse realizar um ultrassom transvaginal - e uma agulha guiada pelo transdutor transvaginal entra nos ovários. Então, aspira-se o conteúdo líquido dos folículos, contendo os óvulos”, relatou Thais.
A receptora recebe medicamentos que preparam o útero. Os óvulos doados são fertilizados pelos espermatozoides do parceiro da receptora. Os embriões gerados são selecionados e transferidos para o útero. “É importante ressaltar que, em tratamentos com utilização de óvulos doados, o que será considerado é a idade dos óvulos e não a idade do útero que irá recebê-lo. Como a doadora tem menos de 35 anos, ela acabará transferindo suas chances a receptora. Para se ter uma ideia da porcentagem para cada faixa etária, uma mulher de 38 a 40 anos têm chances de gravidez de 24%, enquanto mulheres com 41 anos ou mais têm 13%. Utilizando os óvulos de uma doadora com idade de até 34 anos, as chances de gravidez serão de 50% a 60%”, comentou Thais.
Quem precisa de óvulos doados deve procurar centros especializados em tratamentos para reprodução humana, que proporcionem todo suporte legal e uso de melhores tecnologias. “Tanto a doadora quanto a receptora devem perguntar qual o número de óvulos suficientes para o tratamento, pois cada clínica tem suas particularidades. Algumas vezes a doadora tem poucos óvulos e mesmo assim realiza a doação de metade, prejudicando seu próprio tratamento e o da receptora”, alertou Filho. “Vale um aviso muito importante: nunca buscar anúncios em internet que não estejam vinculados a um serviço especializado. A comercialização de óvulos é proibida”, completou Thais.