"Estava grávida e não sabia": veja histórias e entenda

O ano de 2012 não foi exatamente calmo para Valéria Ribeiro de Lima, secretária administrativa que mora em São Paulo. O seu meio profissional, a política, exigiu no período de eleições longas jornadas de trabalho, em pé, poucas horas de sono e alimentação desregrada. Em casa, seguiam as preocupações rotineiras – três filhos para criar e uma reforma para tocar. O que ela não sabia é que uma novidade ia sacudir ainda mais a sua já agitada rotina: Valéria estava grávida. E em trabalho de parto.

A ausência de sintomas - ou a não-percepção deles - é o que leva algumas mulheres a descobrirem a gravidez tardiamente, às vezes, já em trabalho de parto
A ausência de sintomas - ou a não-percepção deles - é o que leva algumas mulheres a descobrirem a gravidez tardiamente, às vezes, já em trabalho de parto
Foto: Getty Images

Depois de passar uma noite com dores fortes e persistentes na barriga e vagar do quarto para o banheiro diversas vezes, decidiu ir para um hospital logo cedo. “O clínico geral fez um ultrassom transvaginal e disse: ‘tem um bebê na sua barriga’. Eu respondi: ‘impossível, faz um mês que menstruei’”. Ainda incrédula, só se deu conta do que estava acontecendo ao ouvir o batimento cardíaco do bebê, que nasceu naquele mesmo dia.

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O caso foi tão atípico que Valéria ganhou cuidados especiais no hospital, com direito a dois obstetras, enfermeiras e um anestesista de plantão. “O médico que me atendeu ficou tão emocionado que, no dia seguinte, chegou com uma sacolinha de presente com roupinhas para o bebê. Eu não tinha nada”, lembrou.  

O caso aconteceu há pouco mais de um mês. Aos 33 anos e com três gestações na bagagem, a secretária estranhou o fato de não ter sentido nenhum sintoma, nem mesmo ganhar peso. Além disso, estava sem usar qualquer tipo de prevenção há nove anos, desde a última gravidez – o que reforçou a tese de que não engravidaria mais depois de tanto tempo.

O mais estranho é que das outras vezes ela obedeceu ao script de toda grávida: teve enjoo, sono, dor nos seios, ausência do fluxo menstrual e, claro, a barriga. Embora estivesse com alguns quilos a mais por conta da tireoide, não chegou a perder nenhuma roupa. A criança, que nasceu com quase 3 kg e 47 cm simplesmente não se fez presente ao longo dos nove meses.  

Onde está o bebê

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De acordo com a ginecologista e obstetra Rosa Maria Neme, do Hospital Albert Einsten, casos iguais a esse são raros, uma vez que a maioria das mulheres sente sintomas muito claros ao longo dos meses. Primeiro são as dores nas mamas, a partir da quarta semana de gravidez. “Essa dor ela pode até confundir com a TPM, mas é uma dor bem localizada no mamilo e bastante intensa”.

O segundo indício são os enjoos, que começam a surgir a partir da oitava semana – de acordo com a médica, é nesta época que o corpo atinge o pico de progesterona -, o cansaço, o sono e às vezes dor de cabeça. Mas as maiores evidências ao longo dos nove meses, sem dúvidas, são a ausência de menstruação e o crescimento da barriga – o que, no caso dessas mulheres, não ocorre. “A partir do quinto mês já dá para perceber a barriga, a não ser que a mulher esteja acima do peso”. Elisabeth Leão, ginecologista e obstetra do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, reforça que o contrário também pode acontecer. “Existem algumas mulheres que possuem a musculatura abdominal muito fortalecida, o que faz com que a saliência da barriga demore a aparecer”.

M.L, estudante de Santo André, que preferiu não se identificar, engravidou com apenas 18 anos e também não viu sinais claros de que tinha um bebê na barriga. Costumava se esquecer de tomar a pílula, mas, como tinha a menstruação desregrada, não se preocupou quando teve um atraso de apenas um mês. Na sequência, o ciclo menstrual voltou ao normal e também não apareceram enjoos nem dores nos seios. “Cheguei a sonhar muito com bebês, mas como sempre tive sonhos estranhos, achei que não era nada demais”, contou.

A ausência de menstruação também é um caso raro. A ginecologista Rosa explica que, ao engravidar, acontece a substituição do tecido de dentro do útero, que se chama endométrio, pelo tecido decidual. “O que acontece é que às vezes algumas áreas não sofrem essa decidualização e a mulher fica com o endométrio anterior, não gravídico, e então continua menstruando”, explicou.  

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M. engordou 12 kg, mas só descobriu que estava grávida no oitavo mês. Como tem problema no intestino, achava que o ganho de uma “barriguinha” tinha a ver com isso. Em uma viagem com a família, a sogra brincou com o fato, dizendo que M. estava com barriga de grávida. Apesar do tom de piada, ela insistiu que a nora fosse fazer um teste. “Acordei  cedo e fui fazer. No outro dia, já comecei a fazer o pré-natal”, lembra.

Riscos

Para a mãe, os riscos de uma gravidez não percebida é a falta de monitoramento, com aumento da incidência de pressão alta e diabetes que podem se desenvolver por conta da gestação. Já para o bebê, os riscos estão ligados também a estas doenças na mãe e ao estilo de vida. Se a mãe usa drogas, fuma, bebe ou tem um ritmo de vida desequilibrado, pode acarretar em algum problema no desenvolvimento da criança. Em uma gravidez comum, o pré-natal serve como um acompanhamento da saúde da mãe e do bebê.

Aspectos psicológicos

Ana Carolina Furquim, psicóloga da Clínica Medicina do Comportamento, de São Paulo, explica que na França esta condição tem nome: deni de grossesse, que significa a “negação da gravidez”. “Lá, eles defendem que a mulher seria capaz de produzir isso no próprio corpo, ou seja, pela negação psicológica é que se ocultam os sintomas. Mas essa não é minha visão”, pontua, acrescentando que os casos podem simplesmente estar ligados à falta de percepção da mulher sobre o próprio corpo.

A ginecologista Elisabeth discorda. “Às vezes a mulher nega a gravidez e psicologicamente bloqueia ou simplesmente ignora os sintomas de uma gestação. É muito normal mulheres que acabaram de ter um filho ficarem grávidas novamente e descobrirem a gestação com quatro ou cinco meses. Isso acontece porque a mulher não menstrua no período de amamentação e muitas vezes continua inchada”, reforça.

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A psicóloga Cristiane Moraes Pertusi também acredita que as mulheres que não sonham com a maternidade podem contribuir para o quadro. “O aspecto emocional pode ser o grande culpado. Muitas mulheres, na tentativa de esconder e negar uma gravidez, não prestam atenção aos indícios de que estão esperando um bebê”, acredita.

Susto, negação e culpa

O primeiro impacto de mulheres nesta condição, ao descobrirem que vão dar à luz, é o susto, explica Ana Carolina. “É difícil reconhecer o que aconteceu no próprio corpo. Ela não teve o tempo de se preparar e fazer a ligação que se constrói durante uma gravidez”, afirma.

O sentimento de negação também é muito forte, segundo a especialista. “Quando a mulher deseja a gravidez, vai se criando uma estrutura para receber essa criança”, explica, pontuando a diferença de quem descobre de repente. “É como se aquele bebê não fosse dela”, acrescenta.  Valéria comprova. “Fiquei muito triste. É um impacto muito grande porque você não espera. Foi um choque tremendo, difícil de aceitar. O meu psicológico não aceitou muito bem. Como pode acontecer uma coisa dessas?”, questiona.

Muitas vezes, passado o susto e a negação, chega a culpa, acompanhada de dúvidas: “como me comportei nestes nove meses? Como vou cuidar de alguém para o qual não me preparei?”.

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Encarando o desafio

Não há muita alternativa para uma mulher que descobre que vai ser mãe já em trabalho de parto – o jeito é encarar e tentar tirar da maternidade uma experiência prazerosa. A primeira dica é deixar fluir as sensações negativas que aparecem inicialmente. “O sentimento é consequência do que acontece com a gente, não adianta lutar contra ele”.

Além disso, cercar-se de uma estrutura social que ajude a suportar as dificuldades iniciais é muito importante, contando com ajuda dos familiares e amigos. “Na hora que as coisas começam a entrar nos eixos, os sentimentos de confusão e negação acabam dando lugar ao afeto, carinho e cuidado com a criança”, ressalta a psicóloga.

Para compensar a ausência de cuidados durante a gestação, o segredo é garantir um ambiente familiar propício para o desenvolvimento dessa criança. “Existem pesquisas com mulheres grávidas que mostram que mães que conversam o filho, colocam música, têm crianças mais calmas. No caso dessas mães, isso não foi possível. Mas se a partir do nascimento a mãe propiciar formas de ela se desenvolver bem, os laços vão se estreitando e isso vai ser muito mais importante do que o próprio período da gravidez”, conclui.

Valéria afirma que ainda está abalada psicologicamente, mas luta para suprir todas as necessidades deste novo ser, totalmente dependente. “Ela é um ser indefeso. É muito boazinha, não chora para nada. Foi uma coisa muito importante na minha vida, descobri que tenho amigos realmente. Uma experiência assustadora, mas muito rica”.

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Ao longo da vida, estas mães tendem a ser mais protetoras com os filhos, segundo a psicóloga Cristiane, mas, para encontrar o equilíbrio, vale se redimir do sentimento de culpa. “A mãe precisa entender que a falta de preocupação não foi uma coisa ruim para o bebê, pois ela não sabia”.

No caso de M., o choro inicial misturou sentimentos de dúvida e culpa, já que continuou fumando e bebendo quando não sabia que estava grávida. “Se acontecesse alguma coisa com ela, a culpa ia ser minha”. Mas depois do nascimento da criança, saudável, ela só comemorou. “Uma felicidade que não tem tamanho, um amor que não cabe dentro de mim, é tudo muito maravilhoso”, diz. “Sempre sonhei em ser mãe, só nunca achei que viria mais cedo”, comemora.

Fonte: Terra
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