A reação das estudantes da Unisagrado, universidade de Bauru (SP), ao fato de ter uma colega de classe com 45 anos, assim como as constantes críticas a quem se permite apresentar os sinais de amadurecimento tem nome. Ou até dois: etarismo ou velhofobia.
Essa forma de preconceito, tão repercutida nos últimos dias, retrata a violência física, verbal e de cunho psicológico com os mais velhos. Como o exemplo de Bauru ilustra, o alvo de mais idade nem precisa ser realmente idoso, basta não estar na faixa etária convencional para determinada atividade - caso de Patrícia Linares, que agora realiza o sonho de cursar a graduação de Biomedicina.
Mas o que explica tanto preconceito?
Para a antropóloga e professora Mirian Goldenberg, a raiz do problema está justamente na sociedade. "Nós vivemos em uma cultura que só enxerga valor, beleza, produtividade, sensualidade na juventude", destaca, em entrevista ao Terra.
"Se nós mudarmos esse olhar, como existe em várias outras culturas, e começarmos a enxergar o valor das pessoas mais velhas, nós vamos acabar com esse preconceito".
Essa avaliação é compartilhada pela geriatra Simone de Paula, ela própria um exemplo disso, já que ingressou no mestrado aos 43 anos. Para a médica, esse preconceito está presente em toda a sociedade ocidental, onde se "preza muito a questão estética, corporal e prende, principalmente a mulher, a padrões estéticos de jovens, o que não dá para ser real no resto da vida".
Sem data-limite para viver
A perspectiva trazida pela médica costuma ser frequentemente abordada por artistas e influenciadoras que usam suas vozes nas redes sociais para lembrar que mulheres acima dos 40, 50, 60, 70... anos têm desejos, projetos, beleza e não precisam ser comparadas a suas versões jovens ou recorrer a técnicas de rejuvenescimento para ter valor.
Um exemplo foi o discurso da atriz malaio-chinesa Michelle Yeoh, na cerimônia do Oscar, no último dia 12. Aos 60 anos, a estrela foi consagrada com o prêmio de "Melhor Atriz" por seu papel no aclamado "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo". O título é histórico por si só, já que ela foi a primeira mulher asiática a conseguir tal feito. Mas Michelle fez do momento ainda mais emblemático ao se dirigir às mulheres.
"Senhoras, não deixem ninguém dizer que vocês já passaram do tempo", ressaltou a atriz.
A mensagem foi compartilhada por diversas personalidades, a exemplo da brasileira Astrid Fontenelle, que repercutiu o assunto no "Saia Justa". Durante o programa do GNT, a apresentadora reforçou o discurso de Michelle ao frisar que não há data-limite para namorar, receber prêmios ou iniciar uma faculdade. Pelo contrário.
Estudar para ter independência
Voltar a estudar após os 40 anos, por exemplo, às vezes é a alternativa de quem foi impedido ou não teve condições de seguir esse caminho na juventude. É a história de mulheres como a professora Maria dos Prazeres, de 58 anos. Casada aos 21, ela engravidou e o marido não queria que estudasse nem trabalhasse fora de casa. “Fiquei nas mãos dele”, confirma.
A liberdade veio mais de duas décadas depois, quando ela reuniu coragem e forças para se impor. Aos 48 anos, Maria disse ao esposo que iria estudar e assim fez. Ingressou em um supletivo, em seguida, cursou Pedagogia e conseguiu estagiar. Pós-graduada em Gestão e Coordenação Escolar, a pedagoga sonha em ingressar no mestrado.
“Hoje, me sinto realizada e independente. Meus filhos também me acham uma mulher muito feliz”, conta, orgulhosa de si. Com seu salário, pode comprar o que gosta para os filhos e neto.
Recomeçando mais tarde
Mais do que ganhos pessoais, quando as mulheres conseguem ultrapassar as barreiras impostas pela sociedade, o retorno é geral. São ações que abrem portas para as futuras gerações, assim como as anteriores promoveram avanços.
"O que nós ganhamos com a resistência é exatamente quebrar esses preconceitos, impedir que isso passe para as próximas gerações. Quando a gente resiste e continua com nossos sonhos, com nossos planos, estamos deixando um legado para as meninas que estão vindo agora", pontua a psicóloga Teresa Eutrópio.
Especialista no tema, Mirian Goldenberg propõe chamar de "A Revolução da Bela Velhice". "Nós estamos vendo, principalmente, mulheres fazendo essa revolução, mudando esse olhar sobre a velhice, buscando novas formas de envelhecer. [Formas] Mais positivas, mais livres, mais felizes, buscando realizar seus projetos de vida, ter uma vida com significado, recomeçando mais tarde, depois de separação, depois de ficarem viúvas, depois de se aposentarem".
A antropóloga pondera que às vezes a mudança demora, o que é natural uma vez que tratam-se de valores já enraizados na sociedade. Mas se mantém otimista com a mudança de perspectiva já visível.