Medo do desconhecido sempre apavorou a humanidade

Coragem, Neil Young, the Shining, Coração das Trevas e Munch

30 nov 2024 - 06h00
Resumo
O texto trata do medo do desconhecido em situações de mudança, causando ansiedade e insegurança, e aborda também obras de arte e música ligadas a esse tema.
O Grito, de Edvard Munch
O Grito, de Edvard Munch
Foto: Reprodução

Salve, salve!!! Salve-se quem puder.

O medo do desconhecido apavora a Humanidade desde que Adão resolveu levar Eva para passear ali perto daquela macieira. Muita gente trava nas quatro e recua diante de uma encruzilhada. Não decide e deixa a Vida levar, sem rumo, direção ou destino.

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Às vezes é momentâneo: uma mudança de cidade, de emprego, da escola dos filhos ou mesmo um novo relacionamento.

Batedores de pênalti, políticos, músicos, empresários, motoristas, camelôs, brokers e pessoas comuns como eu e você, todos sofremos em maior ou menor grau com o processo de tomada de decisões.

Trilha sonora: Neil Young, o músico cujas músicas são em sua maioria enigmáticas, misteriosas e os temas realmente cantados desconhecidos.

O álbum é “On the Beach” gravado em 1974, mas rejeitado pelo próprio músico. Saiu de catálogo logo após o lançamento e só foi relançado em CD em 2003. É um dos melhores de sua carreira.

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Enfrentar nossos medos não é fácil

Meu filho mais velho mudou de escola neste semestre. O mais novo também vai começar num outro Kindergarten na segunda. Mudamos de uma casa no interior para um apartamento na capital. A logística é outra, mais fácil e rápida, tudo perto e descomplicado.

Andamos mais a pé e usando transporte público. O carro já não é mais necessário, apenas para os passeios de final de semana. A vida acontece todo dia, rápida, frenética, egoísta e independente. Os sapatos e as bolsas passam apressados. Andei 10.000 passos quase todos os dias nessa semana.

É tudo grandioso, imponente, cheio de pessoas, desejos, vontades, pressa e metas. Sai o verde e a grama, entra o concreto e o cinza. O rio está logo ali, mas o lago era mais calmo, confortável, revigorante.

Perdemos os pés na grama, as nuvens se formando, a chuva anunciando sua chegada, os grilos cantando, os passarinhos passeando pelo jardim, os vizinhos amáveis e disponíveis, os esquilos e ouriços caixeiros, a lentidão e simplicidade do interior.

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O medo do desconhecido, principalmente no primeiro dia, na primeira semana, no mês inicial, pode se transformar num monstro.

De segunda até sexta as emoções, tensões e ansiedades do mais velho oscilaram bastante. Ele fala alemão fluente, mas agora é tudo em inglês. A escola pequena se transformou num colégio grande cheio de salas, espaços e pessoas de todo o mundo. Ele não conhece ninguém! Mas logo vai conhecer e se enturmar.

Ainda me lembro do meu primeiro dia no colégio novo também após sair de um pequeno Kindergarten. Aqueles campos enormes de areia pareciam o Saara. Eu com meus carrinhos debaixo de uma árvore, sozinho, só esperava a hora de ir embora e pensava onde é que eu tinha me metido.

Como vou conhecer todo mundo? Serei aceito? Vão gostar de mim? E se não me respeitarem como sou? Serei amado? Vou saber me defender sozinho? Vou conseguir aprender?

São perguntas básicas que fazemos a nós mesmos, consciente ou inconscientemente, a cada mudança na vida. Seja para uma nova escola, trabalho, casa, relacionamento, cidade e mesmo país.

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A coragem de mudar é essencial. Enfrentar o desconhecido e o medo de não saber lidar com aquela situação nova, também. Muita gente não muda e deixa de viver seu sonho de morar no exterior, de trocar de casa e/ou de marido/esposa por medo do desconhecido.

Mas como já bem disse João Guimarães Rosa através de Riobaldo em “Grande Sertão: Veredas”: A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.

As enigmáticas músicas do roqueiro canadense

Neil Young tem 58 anos de carreira iniciada em 1966 com o Buffalo Springfield. Depois teve Crazy Horse, Crosby, Stills, Nash & Young e grande parte solo. É um sujeito peculiar.

Dizem que o canadense tem um lado indígena muito forte. Isso seria a inspiração para a maioria de suas letras de músicas que aparentemente significam uma coisa, mas na verdade podem ser interpretadas de maneiras bem diferentes.

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Músicas como “Cortez the Killer”, “Pocahontas” e “Like an Inca” alimentam essa teoria além das várias capas de discos como Zuma (1975), Harvest Moon (1992) e Broken Arrow (1996), nome de seu rancho. Todas com claros motivos indígenas.

O jornalista Jimmy McDonough escreveu a biografia “Shakey” sobre Neil Young. Tenho o livro, mas ainda não li. É um catatau de quase 800 páginas. O autor recebeu uma autorização para escrever o livro num acordo de 1991 e cumpriu o combinado. Young é tão maluco e imprevisível que proibiu a publicação de sua própria biografia repudiando o acordo com o autor e a editora, mas sem se declarar oficialmente contra o conteúdo do livro.

Teria Young falado ou se exposto mais do que deveria? Ficou com medo do julgamento das pessoas? Ou medo de reações ainda desconhecidas, fora de seu controle?

Jamais saberemos.

FILME: O Iluminado -  Stanley Kubrick (1980)

Rumo ao terror do isolamento.

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Demorei anos pra assistir esse filme. Ficava só imaginando como seria, quanto de medo sentiria e como reagiria àquilo tudo. Clássico medo do desconhecido.

Uma das obras primas de Stanley Kubrick, O Iluminado (The Shining, no original) supera qualquer expectativa criada. Suspense e terror na medida certa que cresce junto com o desenrolar da trama. O roteiro é baseado num romance homônimo de ninguém menos que Stephen King, quem mais?

Durante o inverno, um homem chamado Jack Torrance (Jack Nicholson) é contratado para ficar como vigia no isolado Overlook Hotel nas Montanhas Rochosas do Colorado e vai para lá com a mulher, Wendy Torrance (Shelley Duvall) e seu filho, Danny Torrance (Danny Lloyd). Porém, o isolamento contínuo começa a lhe causar sérios problemas mentais e ele vai se tornado cada vez mais agressivo e perigoso, ao mesmo tempo em que seu filho passa a ter visões de acontecimentos ocorridos no passado, também causados pelo excesso de isolamento.

Além disso, Jack é um aspirante a escritor e alcoólatra em recuperação e seu filho possui habilidades psíquicas que lhe permitem enxergar o terrível passado do hotel. O cozinheiro do restaurante, Dick Hallorann (Crothers), também possui essa capacidade e se comunica com Danny telepaticamente!

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Como esquecer aquela apavorante cena das meninas no corredor do hotel? Toda vez que entro num hotel com esses corredores intermináveis fico esperando elas surgirem.

LIVRO: Coração das Trevas – Joseph Conrad (1899)

A clássica aventura nas selvas.

Se você é fã de “Apocalypse Now” do Coppola saiba que ele foi baseado no não menos clássico livro de Joseph Conrad, Heart of Darkness (no original em inglês). Até o nome do personagem do Marlon Brando é o mesmo, um certo Kurtz. Troquem o Congo Belga no final do século XIX pelo Vietnã dos anos 1960 e 70 e temos um blockbuster.

O próprio Conrad (1857-1924) foi oficial da Marinha Mercante e se embrenhou pelo Congo Belga em 1899, ano de nascimento do meu avô Pedro. O colonialismo belga foi brutal mesmo quando comparado com o que outras nações fizeram na África. Á época muitos protestaram, mas Conrad resolveu contar uma história meio chapa branca sem focar nas atrocidades dos europeus.

O capitão Maslow penetra no interior da África navegando rios tortuosos, desviando de tocos flutuantes e traiçoeiros a bordo de um decrépito barco a vapor gerenciando uma tripulação heterogênea, com a presença até de alguns canibais a bordo, em busca de um certo Kurtz. Este um sujeito notável e brilhante, elogiado por todos, carismático e bom de discursos públicos, Kurtz era encarregado da exploração de marfim nos confins da Mãe Terra, mas de repente parou de dar notícias.

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Cultos satânicos, tribos bárbaras, os dilemas morais e mentais de Maslow durante a viagem, a luta pela sobrevivência e o compromisso pessoal de cumprir a missão de resgatar Kurtz fazem desse livro um clássico que sempre quis ler.

Existe um documentário também chamado Heart of Darkness mostrando o making off de “Apocalypse Now” feito pela esposa do diretor, Eleanor, com os bastidores e todas as agruras vividas por Coppola e sua equipe. O diretor literalmente quase se suicidou durante as filmagens e o ator principal, Martin Sheen, sofreu um ataque cardíaco no set. Orçamento estourado, onze meses de gravação, chuvas tropicais nas Filipinas onde foi filmado, um calor e umidade dos diabos, pressão do estúdio entre tantas outras dificuldades para filmar essa obra prima.

Leia esse livro o quanto antes. É curto, profundo e poderoso. Medo é mato!

Essa resenha foi publicada originalmente no meu Instagram @pedro_livros.

“O Grito” de medo, de desespero ou de angústia?

Já tive o privilégio de visitar o Munch Museum na Noruega. Aberto em maio de 1963 e localizado na Tøyengata 53 em Oslo, o museu abriga entre várias outras obras do pintor sua obra prima “O Grito”, ou Skrik em norueguês.

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“O Grito” é uma série de quatro pinturas feitas por Munch em 1893 representando uma figura andrógina em aparente angústia e desespero. Com as mãos levadas ao rosto e a boca aberta, como se estivesse gritando, o quadro expressa um sentimento que talvez o próprio pintor vivenciava.

A maioria das obras de Munch revela tragédia, doença e morte. Foram assuntos recorrentes na infância do artista que perdeu a mãe e as irmãs na juventude. Por isso, solidão, melancolia, angústia, desespero e depressão aparecem com frequência nas obras do artista.

(*) Pedro Silva é engenheiro mecânico, PhD em Materiais, costuma enfrentar o desconhecido com altivez e bravura, e escreve a newsletter Alea Iacta Est.

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