Uma das experiências mais difíceis na vida do ator americano Steve Guttenberg foi ver seu pai perder, dia a dia, a vitalidade.
Stanley era um ex-policial e ex-militar, homem de grande vigor físico e personalidade afável. Mas, aos 85 anos, ele foi diagnosticado com falência renal. A doença e o tratamento — diálise três vezes por semana — marcaram a fase final de sua vida.
Stanley sentia muito cansaço, perdia massa muscular com rapidez e dava sinais de perda cognitiva.
"É muito duro quando alguém que você ama tanto começa a perder a capacidade de ser si próprio e fazer coisas por conta própria", explica Guttenberg. "E você precisa estar por perto para as tarefas mais simples. É muito desafiador."
Steve Guttenberg descreve o pai como seu herói: o homem que o inspirou desde a infância, moldou seu caráter e o apoiou nos pequenos e nos grandes momentos. E que o incentivou a buscar uma carreira em Hollywood nos anos 1970.
O apoio deu frutos: Steve Guttenberg é até hoje conhecido por filmes que se tornaram clássicos nos anos 1980, como Cocoon, a franquia Loucademia de Polícia e Três Solteirões e Um Bebê.
Quando Guttenberg descobriu que Stanley precisaria fazer diálise e teria de receber cuidados em tempo integral, decidiu se converter no cuidador primário do pai, ao lado da irmã e da mãe.
"Era o momento da minha vida para dar toda a atenção aos meus pais", conta.
Com isso, ao longo de quatro anos, ele passou a acordar às 3h da manhã para fazer, semanalmente, a viagem de seis horas de carro entre sua casa em Los Angeles e a cidade de Peoria, no Arizona, onde estava sua família, para acompanhar o pai no tratamento e ajudá-lo nas tarefas cotidianas.
O ator relatou essa experiência em um livro: Time to Thank: Caring for My Hero (em tradução livre, "Momento de agradecer: cuidando do meu herói", sem versão em português).
Dois anos depois da morte do pai, Guttenberg conversou com a BBC News Brasil sobre o luto e a experiência de cuidar de um ente querido idoso — e os desafios de adaptar a própria vida a isso.
"Ainda era uma surpresa para mim como a idade avançada chegou de fininho. (...) As pernas do meu pai estavam tão finas. Todas as vezes que eu olhava para a figura franzina dele, me sentia incomodado. Ele havia sido um homem tão robusto, que fez exercícios e levantou peso a vida inteira. (...) Eu só queria ter o meu pai antigo de volta", diz Guttenberg no livro.
A diálise era particularmente desafiadora: um procedimento longo que exauria as energias de Stanley — e abalava o ânimo da família.
Ao longo de dezenas de sessões, Guttenberg descreve que o pai "foi ficando mais quieto, menos falante. Nós, também. Ainda projetávamos uma boa atitude, positividade. Mas, vez ou outra, confidenciávamos nossa tristeza uns aos outros e admitíamos chorar escondidos".
Guttenberg e sua irmã acabaram decidindo fazer um curso técnico para aprender a ministrar a diálise dentro de casa, com equipamentos especializados cedidos à família, para aumentar o conforto do pai.
Ao mesmo tempo, o próprio Guttenberg sentia o peso de cuidar de uma pessoa querida.
"É díficil para um cuidador porque você precisa se ajustar à programação da pessoa que está cuidando: ficar atento a que horas ela foi dormir, quando ela comeu, quando ela precisa se medicar — e fazer a sua vida girar em torno desses horários", diz Guttenberg.
"Daí você não faz as refeições no horário certo — talvez tome o café da manhã às 11h e almoce às 15h, e não consegue praticar exercício físico nem manter a dieta equilibrada. Acaba comendo 'junk food' na lanchonete do hospital."
Guttenberg criou estratégias para lidar com isso.
"Precisei ser muito organizado e me programar. E encontrar tempo para respirar profundamente, fazer uma caminhada, conversar com amigos… Encontrar tempo para as pessoas que você ama e que te amam, para que você sinta que também está sendo cuidado."
Ele relata também os momentos de frustração diante da deterioração da saúde do pai — inclusive quando ele perdia a paciência.
"Eu odiava quando gritava com o meu pai. Era vergonhoso. Eu tentava me manter calmo, mas às vezes os gritos saíam como explosões de emoção. Tudo o que eu queria era vê-lo respirando bem, caminhando, correndo, levantando peso — que fosse o pai que dissesse a mim o que fazer, e não o contrário. Eu sentia a dor expandindo, crescendo e preenchendo todas as horas do meu dia."
Mas Guttenberg também passou a valorizar os pequenos e grandes momentos ao lado de Stanley.
A última festa de aniversário
Quando Stanley fez 89 anos, Guttenberg e seus parentes o presentearam com uma grande festa em um dos restaurantes favoritos do pai.
"Enchemos ele de amor, afeto e energia naquele dia, e os funcionários do restaurante fizeram o mesmo", conta Guttenberg à reportagem.
A comemoração é descrita no livro como um dos episódios mais felizes do fim da vida de Stanley — e um dia que viraria uma das principais memórias de Guttenberg para enfrentar o que viria em seguida.
Oito meses após a festa, Stanley tropeçou no carpete de casa, caiu e fraturou a bacia. Sob muita dor, foi levado ao hospital e fortemente medicado. Mesmo depois de ter voltado para casa, ele nunca mais recobrou a consciência plenamente e não conseguia se alimentar.
Na noite de 11 de julho de 2022, Steve Guttenberg segurava a mão do pai quando notou a pulsação dele ficando cada vez mais fraca — até sumir. A enfermeira que ajudava a família confirmou: Stanley estava morto.
Mesmo já tendo consciência de que aqueles eram os últimos dias de vida de Stanley, Gutenberg diz ter ficado absolutamente desolado e inconformado com a partida do pai.
"Dizem que, quando alguém falece, fica com um olhar de paz. Eu não vi isso. Eu vi alguém que não queria ir embora. Ele foi com relutância. Ele era um leão. Então eu me agarrei a ele e fiquei gritando, pedindo, implorando: 'volte, pai, por favor volte'", escreve ele.
Guttenberg conta à BBC News Brasil que foi doloroso reviver esse momento para escrever o livro, mas desde então o luto tem ficado mais fácil de suportar.
"Ainda há momentos duros que me pegam. Daí eu fecho os olhos e absorvo a dor, mas logo os abro e sigo adiante. Sigo em frente para a atividade seguinte do dia. Mas sem dúvida a dor ainda permanece — e o luto tem regras próprias, cabe a nós usar as ferramentas para enfrentá-lo."
Dar e receber cuidado no fim da vida
Guttenberg cita no livro uma frase atribuída à ex-primeira-dama dos Estados Unidos Rosalyn Carter: "Existem quatro tipos de pessoas. A primeira é um cuidador, a segunda será um cuidador, a terceira era um cuidador, e a quarta precisará de um cuidador".
Com o envelhecimento da população global e a tendência de as famílias ficarem cada vez menores, o cuidado com parentes idosos tende a ganhar cada vez mais relevância — inclusive no Brasil.
Números recém-divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, pela primeira vez na história, o contingente de mais pessoas com mais de 60 anos ultrapassou o número de jovens no Brasil: chegou a 15,6% da população, contra 14,8% da faixa etária entre 15 a 24 anos.
Em uma pesquisa de 2019, o IBGE calculou que 5,1 milhões de brasileiros cuidavam de parentes com mais de 60 anos.
Nos EUA, país que também está em processo de envelhecimento da população, mais da metade dos americanos com 50 anos ou mais são considerados cuidadores — porque ajudaram nos cuidados de alguém com 65 anos ou mais, segundo a Pesquisa Nacional de Envelhecimento Saudável feita pela Universidade de Michigan.
Steve Guttenberg acha que esse cenário cria a necessidade de conversas difíceis.
"Já temos um grande número de cuidadores e espaços de cuidado nos Estados Unidos, mas não acho que as pessoas estejam conversando a respeito desse tema", diz.
"Acho que porque isso implica em falar sobre morte, e somos uma sociedade voltada para a juventude."
O fato de ser sido cuidador do pai também desperta a pergunta: como ele se sente a respeito de, algum dia, precisar receber cuidados na terceira idade?
"Eu espero não precisar, porque é muito a se pedir. E é uma situação muito difícil para a própria pessoa que recebe cuidados. (...) Você não quer precisar, mas claro que quer ser amado e cuidado. Resta torcer para que alguém te ame o bastante e queira se assegurar de que você estará bem."
A convivência com Stanley no fim da vida fez Guttenberg "querer levar uma vida que deixe o meu pai orgulhoso".
"Nós, seres humanos, temos o dever e a obrigação de entregarmos o nosso melhor. Precisamos pagar aluguel pela chance de viver nesta Terra, não é grátis", pondera o ator à BBC News Brasil.
"Temos de fazer a nossa parte e ajudar as pessoas ao nosso redor — alimentá-las, ajudá-las a atravessar a rua, telefonar para elas, pentear seus cabelos, escovar seus dentes, ajudá-las a irem ao banheiro. E amá-las. Somos os únicos animais egoístas neste planeta. Precisamos nos engajar um pouco mais; pensar menos no modelo de carro que compramos e pensar mais em: 'o que eu posso fazer para alguém que eu amo?'"