Para muitas crianças, as festas de fim de ano giram em torno de uma mentira. Dizem a elas que toda véspera de Natal, um homem idoso alegre visita todas as crianças do mundo.
Ele desce pela chaminé, deixa presentes (pelo menos para aquelas que foram bem comportadas) e depois desaparece sem ser visto.
Enquanto isso, em todos os lugares, os pais educam seus filhos para serem honestos — e ficam preocupados se eles começam a contar mentiras.
Para os pais de primeira viagem, o mito do Papai Noel representa um dilema. Você deve praticar o que prega e contar a verdade ao seu filho? Ou será que há algo de especial sobre o Papai Noel que torna esta mentira aceitável?
Em uma publicação recente, analisei as opiniões dos filósofos sobre a ética de enganar alguém, e as apliquei às mentiras contadas pelos pais. Três temas foram recorrentes.
Primeiro, a mentira prejudica a autonomia. É claro que as crianças pequenas não têm a capacidade de tomar decisões importantes por si mesmas, mas ainda assim, contar mentiras às crianças para fazê-las se comportar é uma manipulação.
Isso as impede de decidir pelos motivos certos. Isso inclui dizer a uma criança que ela não vai ganhar presente de Natal se não for boazinha.
Gail Heyman, professora de psicologia da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA, chama a prática de controlar as crianças por meio de mentiras de parenting by lying ("criação de filhos por meio de mentiras", em tradução livre). Seu trabalho mostra como isso é comum. Em um de seus estudos, quatro em cada cinco pais admitiram ter mentido para influenciar o comportamento ou as emoções dos filhos.
Em segundo lugar, muitos filósofos acham que mentir é errado porque quebra a confiança. Quando alguém acredita em nosso testemunho, confia em nós. Honramos essa confiança sendo honestos, e a violamos quando não somos.
Em relacionamentos saudáveis entre pais e filhos, os filhos confiam nos pais. As crianças pequenas podem ter confiança absoluta. É por isso que uma mentira tão absurda como a do Papai Noel pode perdurar por tanto tempo, mesmo no caso de crianças céticas.
É claro que as crianças confiam nos pais para muito além de apenas serem honestos. Elas também confiam neles para mantê-las seguras e, às vezes, a mentira pode fazer parte disso. A verdade objetiva sobre notícias terríveis pode ser demais para uma criança pequena, e isso parece ser uma boa coisa para protegê-la
Mas isso não justifica a mentira do Papai Noel porque não está protegendo as crianças de verdades desagradáveis. Afinal de contas, não achamos que as famílias que não celebram o Natal estejam violando a confiança dos seus filhos.
Em terceiro lugar, as consequências da mentira são importantes. Mesmo que uma mentira seja manipuladora e quebre a confiança do seu filho, ela pode ser justificada se for a única maneira de proporcionar um benefício importante ou evitar um dano grave.
Cientistas sociais que analisaram os efeitos de mentir com frequência para as crianças pintam um quadro sombrio. A "criação de filhos por meio de mentiras" está associada a uma menor satisfação no relacionamento entre os filhos adultos e seus pais, assim como a outros efeitos psicológicos e sociais negativos para os filhos quando crescem.
Há também algumas pesquisas sobre os efeitos de mentiras graves. Estas dizem respeito a temas como se o filho é adotado ou tem uma doença terminal, por exemplo. Os dados mostram consistentemente que as crianças se saem melhor se disserem a elas a verdade (de forma sensível e adequada à idade).
Estudando a mentira do Papai Noel
E quanto aos efeitos da mentira do Papai Noel, especificamente? Alguns estudos fascinantes questionaram as crianças sobre quando elas descobriram a verdade sobre o Papai Noel.
Em 1994, psicólogos entrevistaram 52 crianças que não acreditavam mais no Papai Noel. Em média, essas crianças descobriram que ele não existia aos sete anos. Elas relataram uma ampla variedade de sentimentos em resposta. Cerca de metade se sentiu triste, decepcionada ou enganada. Três em cada cinco disseram que ficaram felizes. Notavelmente, nenhuma dessas reações foi muito intensa.
Trinta anos depois, um estudo semelhante entrevistou 48 crianças com idades entre seis e 15 anos. Desta vez, a idade média da descoberta foi aos oito anos. Mais uma vez, quase metade das crianças relatou emoções negativas, como tristeza ou raiva. Um número semelhante disse que ficou feliz.
Essas entrevistas revelaram um pouco mais sobre as emoções positivas. Os pesquisadores descobriram que a felicidade das crianças vinha principalmente do alívio por ainda ganharem brinquedos ou da satisfação de terem provado que Papai Noel não existe.
Parece não haver nenhuma evidência sólida de que acreditar em Papai Noel seja importante para aproveitar o Natal, desenvolver a imaginação da criança ou melhorar o pensamento crítico. E esses benefícios ainda podem ser oferecidos às crianças sem enganá-las. O argumento para contar a mentira do Papai Noel com base em suas supostas consequências positivas é fraco.
Contar a verdade
Mesmo os pais que não querem fingir que Papai Noel existe podem se preocupar com o que vai acontecer se eles contarem a verdade. Será que o filho vai contar para outras crianças e estragar o Natal delas? Os outros pais vão ficar irritados?
Em uma sociedade multicultural, este não é um problema novo — afinal, crianças de diferentes religiões podem conviver na escola sem que ninguém fique chateado.
Algumas famílias celebram o Eid, outras celebram o Natal (e outras ambos ou nenhum dos dois). Assim como o filho de um ateu pode dizer: "Não acreditamos em Deus na nossa casa", seu filho pode dizer: "Não trabalhamos com Papai Noel lá em casa".
Acredito que dizer ao seu filho que Papai Noel realmente existe é antiético. É manipulador, quebra a confiança deles e pode causar preocupação e aborrecimento por conta de benefícios que podem ser proporcionados sem mentir.
Ainda assim, vale a pena colocar tudo isso em perspectiva. Há escolhas piores na criação dos filhos. A maioria das crianças supera a verdade rapidamente, e sua confiança nos pais não é abalada.
Se puder escolher, considere ter um Natal mágico em que todos saibam que o Papai Noel faz parte do mundo de faz de conta. Mas se você já estiver afundado em mentiras, não se preocupe — apenas descubra como dar a notícia com delicadeza.
*Joseph Millum é professor de filosofia na Universidade de St Andrews, na Escócia.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).