O relacionamento abusivo é todo relacionamento que envolva abuso físico, psicológico, sexual, moral ou financeiro/patrimonial.
Pode acontecer entre casais, relações familiares, no ambiente de trabalho e até entre amigos, mas os dados oficiais mostram que o relacionamento abusivo e a violência doméstica acontecem com maior frequência em relacionamentos heterossexuais, onde as mulheres são maioria entre as vítimas, com maior número de mulheres negras.
Isso se dá devido à nossa sociedade patriarcal, machista e racista na qual inúmeras crenças, condutas e estruturas sociais foram construídas e enraizadas. Também há um número muito elevado de violência destinada a mulheres transsexuais.
Entenda a diferença entre os tipos de violência:
- Violência física é qualquer conduta que ofenda a sua integridade ou saúde corporal;
- Violência psicológica é qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
- Violência sexual é qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
- Violência patrimonial é qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
- Violência moral é qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria." Lei Maria da Penha.
Como identificar um relacionamento abusivo?
O relacionamento abusivo pode começar de forma muito sutil. Veja aqui algumas pistas para saber se está num relacionamento saudável ou não e como avaliar a qualidade de uma relação.
O fato é que, aos poucos, o abusador vai minando a autonomia e a autoestima. Isolando a pessoa parceira da sua rede de apoio e dos seus amigos, afinal, uma pessoa sem rede de apoio tem muito mais dificuldade para sair dessa relação.
Ao identificar que está em uma relação abusiva, a vítima, geralmente, se sente envergonhada e culpada por estar nesta situação. Tudo isso dificulta a busca por ajuda. É importante compreender que não há culpa alguma em estar vivendo um abuso, seja ele de que tipo for.
Muitas vezes, a vítima identifica o relacionamento abusivo, mas tem uma dificuldade muito grande de assumir para si mesma. Inicialmente pode haver uma negação, pois se perceber neste lugar é realmente muito difícil e frustrante.
Há um ciclo do abuso em que, entre momentos de êxtase da relação, o abusador começa a ameaçar, humilhar, insultar, criando um ambiente de perigo que culmina em agressão física e/ou aumentam as agressões psicológicas.
Após o ápice do abuso, vem o arrependimento, o pedido de desculpas e a busca por uma reconciliação por parte do abusador.
Neste momento, geralmente vem as promessas de mudança para que a pessoa permaneça na relação e há um grande alívio da angústia vivida pela vítima, gerando uma sensação de bem-estar.
Isso faz com que se torne ainda mais difícil para quem sofre abuso sair dessa situação. Há, ainda, um grande medo de retaliação pelo abusador. Isso também dificulta o pedido de ajuda.
Observe os sinais de um relacionamento abusivo
- Comportamentos ciumentos, que invadem a privacidade e se mantém sempre em desconfiança, possessividade e controle de tudo o que você faz, com quem fala e aonde vai. Veja aqui como diferenciar ciúmes e posse.
- Isolamento dos círculos de amizade, família e atividades que você gosta e te faz bem.
Manipulação e superioridade: Você sente que está certa, mas ele te convence de que você está errada. Ele sempre coloca a culpa em você. Mesmo que você esteja chateada com ele por algo que ele fez, você sempre termina se sentindo errada e pedindo desculpas.
Como identificar um abusador
Você pode se perguntar como se sente quando está com aquela pessoa. Não existe um perfil padrão de abusador.
Existem perfis clássicos como um homem muito machista, mas também existem aquelas pessoas com personalidade muito doce e desconstruída, e que podem ser abusadoras.
Observe como você é tratada e respeitada. É a partir do diálogo, do comportamento que essa pessoa tem em relação a você e de como se sente com ela, que será possível responder à questão.
Pergunte a si mesma:
- Essa relação faz eu sentir humilhação?
- Eu me sinto limitada, diminuída ou com medo?
- Alguma relação, seja com família ou amigos teve de ser cortada?
- Eu sinto obrigação de prestar satisfação sobre com quem falo e onde estou?
- Eu já precisei provar minhas respostas por desconfiança da outra pessoa?
- Eu já tive de dar minhas senhas?
- Essa relação me faz duvidar da minha sanidade mental e/ou capacidade de fazer alguma coisa?
- Eu sinto medo de me expressar e/ou me sinto silenciada quando tento falar algo?
- Eu sempre me sinto culpada, errada e acabo pedindo desculpas mesmo por aquilo que não fiz?
- Eu sinto que nunca recebo elogios, mas recebo críticas e comentários sutis sobre algum suposto defeito ou indiferença?
Como sair de um relacionamento abusivo
O primeiro passo é escolher uma pessoa para falar sobre isso. Pode ser uma pessoa amiga, uma terapeuta, ou até mesmo um desconhecido que te passe segurança. No momento em que você falar sobre o assunto, poderá se escutar e começar a compreender melhor o que você está vivenciando e, então, criar coragem e apoio para sair dessa situação.
Outro passo é o empoderamento da vítima. Isso pode ser feito na terapia ou na rede de apoio, mas é importante lembrar que, enquanto sofre abuso, a pessoa vai se isolando dos amigos e da rede apoio, das atividades de prazer e de seus projetos de vida.
Quanto menos ela faz coisas que te geram prazer fora do relacionamento, mais poder o abusador tem sobre ela. A pessoa fica totalmente imersa na bolha desse relacionamento.
A terapia é muito importante para sair de um relacionamento abusivo e também ajudar a lidar com o medo posterior de construir uma nova relação.
Você pode trabalhar crenças que podem ter sido desenvolvidas antes, durante e depois da relação. Por exemplo:
- "Eu tenho o dedo podre"
- "Relacionamento saudável não é pra mim"
- "Eu sou o problema"
Trabalhar a culpa e a vergonha de ter estado naquela situação é outro ponto da terapia, que vai incentivar e apoiar a vítima a retomar e criar projetos, ter contato com os amigos, e encontrar caminhos para suas capacidades e potencialidades.
Depois do término, como lidar com o abusador?
Depois que você sai de um relacionamento abusivo é importante manter contato zero. Isso porque a pessoa que agrediu (seja psicologicamente, financeiramente, fisicamente e/ou sexualmente) pode tentar puxar a vítima de volta para a relação.
Se existem situações burocráticas que ainda precisam ser resolvidas entre o agressor e a vítima é importante contar com ajuda, manter a objetividade no contato e não se prolongar na conversa, caso ela seja necessária.
Se você já saiu do relacionamento abusivo e a pessoa continua te procurando, perseguindo ou ameaçando, solicite uma medida protetiva e mantenha o documento com você.
Como ajudar uma pessoa que está em um relacionamento abusivo
Em primeiro lugar, acolha sem julgamentos. Essa pessoa não está ali porque quer e a culpa não é dela. Não é fácil passar por isso e tomar uma decisão de término. Ao se sentir pressionada ou julgada, isso reforçará a sensação de culpa, vergonha e fraqueza para sair dessa relação.
Ser rede de apoio é estar presente mesmo quando a pessoa não reconhece ainda sua presença ali. Não desista ou abandone a pessoa que está em um relacionamento abusivo. Não confronte e julgue sua dificuldade de fazer algo com aquilo. Esteja ali com ela para que, quando conseguir dar esse passo, ela possa sentir que tem apoio pra isso.
Se a pessoa está em processo de negação, pode não haver escuta e abertura para o assunto. Ela pode recuar e entrar em estado de defesa.
É difícil para a vítima assumir que está em um relacionamento abusivo. Neste caso, se mostre presente, incentive sua autonomia e capacidade de fazer as coisas, buscando atividades e relações para além do relacionamento.
Quanto mais ela se sentir apoiada e com outras áreas da vida em atividade, mais fácil será perceber que sua vida não se resume e restringe a essa relação. Assim, se sentirá com mais confiança e mais suporte para romper com a relação abusiva.
Caso já exista uma possibilidade de abertura para o assunto, é possível, com muito cuidado e acolhimento, mostrar que esse relacionamento não é saudável e que a culpa não é dela.
Seja apoio, mostre recursos e suportes que ela pode buscar, ofereça a ajuda que puder para contribuir com essa saída e para a organização de como sair.
Onde buscar ajuda no Rio de Janeiro
Esses são telefones que podem ajudar às vítimas de relacionamento abusivo. Busque e mantenha com você os telefones e contatos da sua cidade:
- 190 - Polícia Militar para denúncia e intervenção no local
- 180 - Central de Atendimento à mulher para denúncia, orientação e encaminhamento para outros serviços. Você pode acessar também pelo aplicativo Proteja Brasil e pelo site.
- (21) 2332-8249, (21) 2332-7200 e (21) 99401-4950 - Centro Integrado de Atendimento à Mulher: Orienta e conduz para um abrigo se necessário.
- (21) 2332-6371 e (21) 97226-8267 e
nudem@dpge.rj.gov.br ou nudem.defensoriarj@gmail.com - Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher
Cartilha de orientação da Emerj para violência doméstica:
Plano de proteção: Se você está em situação de violência doméstica, crie um plano de proteção para seguir em caso de emergência.
- Conte o que está acontecendo para pessoas de confiança
- Deixe documentos, remédios e chaves (ou cópias de chaves) guardados em um local específico
- Planeje a saída de casa e o transporte para um lugar seguro
- Inclua na sua lista de contatos os telefones de serviços de proteção à mulher
No momento da violência:
- Evite locais onde haja objetos perigosos
- Se a violência for inevitável, defina uma meta de ação: corra para um canto de agache-se com o rosto protegido e os braços em volta de cada lado da cabeça, com os dedos entrelaçados
- Não corra para o local onde as crianças estejam. Elas podem acabar sendo agredidas também
- Evite fugir sem as crianças. Elas poderão ser usadas como objeto de chantagem
- Ensine as crianças a pedir ajuda e a se afastar do local, quando houver violência.
Depois da violência:
- Se você tem um telefone, procure mantê-lo ao alcance da mão. Se não tem, localize o telefone público mais próximo.
- Procure uma delegacia da mulher, um centro de atendimento ou alguma pessoa ou instituição em que confie
- Verifique se há locais seguros perto da sua casa, onde você pode ficar até conseguir ajuda: igreja, comércio, escola, etc.
- Se você estiver ferida, procure um hospital ou um posto de atendimento e revele o que aconteceu
- Tente guardar por escrito, com as datas e horários, todos os episódios de violência física, psicológica ou sexual que você esteja sofrendo
- Se você tiver carro, mantenha cópias das chaves do carro em um local seguro e acessível. Habitue-se a deixá-lo abastecido e na posição de saída, de forma a evitar manobras.
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Luisa Restelli (luisarestelli.psi@gmail.com)
- Psicóloga, Psicoterapeuta Corporal e Consteladora Familiar Sistêmica. Realiza atendimentos individuais e de casal no RJ e online e ministra grupos terapêuticos e palestras.