As mulheres vivem às voltas com suas questões com os homens, com a própria barriga, com o ponto G. Os homens, por sua vez, se preocupam com suas mulheres, com a própria barriga, e com o “tamanho” da sua ereção. É, algumas questões são mesmo universais.
Ao tocar em angústias tão recorrentes ao comportamento humano, como tesão – ou a falta dele –, traição, casamento e a incessante busca pelo par ideal, o jornalista Ivan Martins acaba falando com muita gente em sua coluna semanal na revista Época, da qual também é editor-executivo. Recentemente, alguns dos textos acabaram reunidos no livro Alguém Especial, lançado pela editora Benvirá.
O sexo arrebatador vendido pelas novelas, filmes e pela mídia em geral é apenas um dos assuntos que convidam seus leitores à reflexão. “Com a revolução sexual, fomos estimulados a achar que temos direito a um prazer perfeito. Sexo maravilhoso é uma coisa que você vai ter algumas vezes na vida”, afirma.
Não raro, a carapuça acaba servindo. “As questões de relacionamento ficam se repetindo o tempo todo”, observa, acrescentando que já recebeu diversas ligações de leitores indignados, acreditando ser o protagonista da coluna da semana.
Embora reconheça que, conscientemente, atrai leitoras femininas por fazer uma “coluna feminista”, porque já existem outros tantos autores “falando sobre os interesses mesquinhos dos homens”, ele observa também um crescente interesse deles por suas linhas. “Já fui parado no metrô por homem hétero, bigodudo, que veio falar que leu a coluna e gostou”.
Em entrevista exclusiva ao Terra, ele comentou algumas de suas crônicas, que vão desde o ideal do “homem cafajeste” até a paranoia feminina por depilação. Confira.
Terra: Como é o processo de criação de uma nova coluna? Você se baseia nas coisas que vivenciou na semana?
Ivan Martins:
Eu tenho um jeito de produzir que é o seguinte: os temas vão chegando e eu vou deixando na ‘nuvem’ [referindo-se a um espaço virtual onde registra as ideias]. Em um dado momento, essas ideias vão ficando mais maduras e eu as puxo de lá. Elas surgem de conversas, das leituras, das coisas que escuto de amigos e amigas. Hoje mesmo fui almoçar e estavam falando sobre a forma como as mulheres competem. Olha que tema legal!
Terra: Você faz muito sucesso entre o público feminino. A que você atribui isso?
I.M.:
Fico muito orgulhoso do meu público feminino, mas é importante dizer que o número de homens que lê a coluna vem crescendo também. Já fui parado no metrô por homem hétero, bigodudo, que veio falar que leu a coluna e gostou.
Terra: E a que se deve essa transformação?
I.M.:
Acho que no começo fez muito sucesso entre as mulheres mesmo. Depois chegaram os homens machistas, fazendo alguns comentários. Como eles foram ignorados, foram embora da coluna. E gradualmente foi aumentando a proporção de leitores homens. No lançamento do livro tinha muitos homens, até os amigos dos meus filhos. O que eu percebo, que é o que as mulheres dizem, é que é como se eu estivesse escrevendo para elas, rola uma identificação. Não sei dizer como, mas consigo escrever de forma que elas se interessam. Não saberia dizer como isso acontece, mas o que sei, conscientemente, é que procuro fazer uma coluna feminista, porque já está cheio de gente falando sobre os interesses mesquinhos dos homens. Existe uma cultura machista muito forte ainda e ela está em toda parte, e algumas mulheres são até mais machistas do que os homens.
Terra: Você sempre fala sobre as reclamações femininas a respeito dos homens, inclusive na crônica O Mito do Cafajeste, presente no livro. O que você acha que falta neles para serem homens mais completos e para satisfazê-las física e emocionalmente?
I.M.:
Olha, fisicamente não sei. Estou procurando há anos (risos)! Mas acho que nós, homens, somos muito incompletos e ansiosos. Temos uma dificuldade de sossegar, de estar contente dentro de uma relação boa. Muita gente acha que isso é biológico, mas eu acho que é cultural. Fomos criados para sempre olhar para o lado, procurar uma alternativa.
E eu acho natural trocar de parceira, mas não acho natural os homens ficarem o tempo todo inquietos. Eu falo por experiência própria, acho que essa é uma questão muito mal resolvida dentro dos homens. Hoje em dia, as mulheres estão trabalhando fora, temos que aprender a ser homem dentro de casa e não na cama necessariamente. Cuidar das coisas, partilhar mais. Eu sou péssimo nisso, mas meus filhos vão ser melhores do que eu e os filhos deles com certeza vão ser melhores ainda, porque já não é mais opcional. É uma nova masculinidade a ser aprendida. O feminismo é libertador para os homens, uma chance de se encontrem com eles mesmos de outra maneira.
Terra: E o que falta nas mulheres para atraírem este tipo de homem, mais disposto a um relacionamento mais maduro?
I.M.: Acho difícil de dizer, mas o fato é que as pessoas têm que ser espontâneas, têm que ser elas mesmas. Nada é mais fascinante do que uma pessoa inteira, emocionalmente e intelectualmente segura. Mas nem isso é 100% verdadeiro, porque tem gente que mesmo na sua insegurança é cômica e engraçada. No fundo, todos nós estamos tentando nos encontrar. Quanto mais perto você tiver da sua verdade, mais sedutora se torna. Existem pessoas muito sedutoras porque a personalidade delas é interessante, e isso está ligado a ser mais íntegro, mais você mesmo. E não estou dizendo que isso é uma licença para ser ‘escroto’, do tipo, ‘sou assim mesmo’, mas sim de encontrar seu próprio jeito e se relacionar sem máscaras sociais.
Terra: Na sociedade atual, mais liberal, você acha que o conceito de casamento mudou muito?
I.M.: O casamento está em transformação assim como a maternidade, o trabalho e todas as nossas formas de organização. Nossa vida é muito curta quando comparada com o curso da história, e hoje o casamento é completamente diferente do que há 50 anos. Eu acho que os casamentos vão ficar cada vez mais cooperativos, mais igualitários e mais flexíveis. Na América Latina, somos obcecados com essa coisa do chifre, mas eu acho que com o passar do tempo seremos menos. As pessoas mudam, ao longo da vida, muito rapidamente. E para um casamento ser duradouro ele precisa incorporar essas mudanças. Acho que no futuro vão existir critérios de fidelidade diferentes dos que existem hoje.
Terra: Você descreve isso bem no texto Quando Trair Faz Bem [fala sobre o caso de uma mulher que, ao ter uma noite extraconjungal, acabou melhorando a relação com o marido], na qual você diz que "o amor e traição convivem há milênios". Você acha que, apesar de toda a revolução sexual, as pessoas ainda têm uma visão equivocada sobre a traição?
I.M.: “Traição” é uma palavra horrivelmente pesada, é usada para descrever, por exemplo, o sujeito que cria uma armadilha para o melhor amigo. Tem uma carga emocional pesada. O que a gente chama de traição hoje, que é você estar com alguém e ficar com outra pessoa, ou se encantar por alguém, isso vai continuar acontecendo, mas com um pouco menos de rigor moral. Tem que ser tratado de outro jeito, porque a gente não pode lidar com nossa intimidade como se fosse um julgamento público, a intimidade é algo muito complexo. E os nossos valores são muito simplistas, preto no branco. Existem muitas outras sociedades que se comportam diante disso de uma maneira muito mais suave.
Terra: No texto Pelofobia você fala um pouco sobre as paranoias femininas com relação à estética. Você acha que hoje em dia elas levam isso mais para a cama? Os homens de fato se preocupam com isso?
I.M.: As mulheres certamente são obcecadas com a perfeição corporal. Tem uma coisa nossa, brasileira, que a gente valoriza demais a beleza. É uma hipertrofia esse lance da estética, a qualidade do traseiro, de uma barriga perfeita. A relação que a gente tem é fetichista, está todo mundo fazendo implante. A beleza é sim estimulante, mas se você se preocupar tanto, não consegue relaxar para transar.
A doença é sobretudo feminina, mas tem homem que também se preocupa com isso. Tenho um amigo que disse que não gosta de transar onde tem espelho porque quando ele olha para a barriga dele, ele brocha [risos]. Mas eu acho que os homens se preocupam menos com isso, e os mais velhos menos ainda.
Terra: Nas suas colunas, é frequente o uso de "uma moça que eu conheço...". Já teve problema com isso? Você pede autorização antes de contar as história?
I.M.: Às vezes isso é só uma licença poética. Mas sim, já tive muitas discussões por conta disso, mas não cheguei a perder amigas. O que acontece com muita frequência é que as pessoas se enxergam nos textos e me ligam, já tive que dar essa explicação mais de uma vez. As questões de relacionamento ficam se repetindo o tempo todo, e muitas coisas que escrevo são resultados das minhas próprias experiências e reflexões.
Terra: No texto Sexo não é Simples você fala sobre essa onda atual da vida sexual perfeita. De onde vem essa necessidade e urgência em manter, na cama, um dia a dia regado à libido e paixão?
I.M.: Vivemos em um mundo de expectativas muito elevadas. Com a revolução sexual, fomos estimulados a achar que temos direito a um prazer perfeito. É uma autoexigência de ter muito prazer, muito idealizada. Sexo maravilhoso é uma coisa que você vai ter algumas vezes na vida, em circunstâncias muito especiais. A gente ficou com a ideia, depois de discussões nos últimos anos sobre direitos humanos e o aumento de liberdade, de expectativas grandiosas que são irrealistas. Não dá para ter tudo.
Terra: Depois de tantas colunas, de tantas amizades femininas e três casamentos, você acha que conhece suficientemente as mulheres?
I.M.: Não. O que sei é que gosto, admiro e sou interessado pelas mulheres.
Terra: Quais qualidades femininas você inveja e gostaria de ter?
I.M.: Organização, delicadeza, dedicação... e os orgasmos múltiplos.