Uma pesquisa feita pelo site Olga, parte da campanha Chega de Fiu Fiu, deu luz a um tema polêmico, que logo ganhou as redes sociais: o assédio sexual enfrentado pelas mulheres dia após dia nas ruas. Foram entrevistadas 7.762 mulheres, a maioria (40%) com idades entre 20 e 24 anos, e 98% do total responderam que “sim” à pergunta de se já haviam sido assediadas nas ruas. Quando incluídos outros locais, como shoppings, baladas, transporte público e trabalho, o número chegou a 99,6%. O que mais choca, porém, são os depoimentos em que as entrevistadas relataram histórias vividas, na maior parte das vezes com idades entre 11 e 16 anos, sobre homens que fizeram convites sexuais na rua, passaram as mãos no bumbum e seios delas, as agarraram à força e se masturbaram olhando para elas.
Juliana de Faria, responsável pelo site, contou em entrevista ao Terra que já esperava a repercussão por conta da presença do tema na vida de quase todas as mulheres. Ela mesma se recorda até hoje de um assédio sofrido aos 11 anos. “Estava voltando da padaria, um carro passou perto de mim e o motorista gritou palavras de tão baixo calão que não ouso repetir. Na hora comecei a chorar, constrangida. Agressões verbais também traumatizam”, relatou. Mesmo assim, algo surpreendeu a jornalista: a culpa que as mulheres têm por serem assediadas. Segundo ela, as vítimas que tentam contar sobre o assédio a alguém são criticadas por exagerarem ou vistas como culpadas pelo ocorrido.
Uma das participantes do estudo, não identificada, contou uma experiência que ilustra exatamente a constatação de Juliana. “Ouvi um cara começar a me chamar de gostosa na rua e ignorei. De repente, o cara veio para o meu lado no ponto de ônibus, com o pênis para fora, se masturbando para mim e me chamando de gostosa. Entrei no primeiro ônibus que encostou, nem vi para onde ia, só pra fugir do safado. Quando cheguei em casa chorando, minha mãe perguntou o que tinha acontecido. Depois que contei, ela perguntou: 'e o que você fez para provocar o homem? Ele não colocou o pau pra fora à toa'”.
A atitude da mãe da participante e de outras mulheres que deram depoimento sobre serem culpadas pelo assédio também impressionaram a internauta identificada como Paula P. “Se uma garota está de vestido justo e foi abusada, a roupa não é o motivo”, comentou sobre a pesquisa. Deixar claro que o “assédio não é culpa delas” e evidenciar para os “homens que elogios ou contatos feitos por estranhos provavelmente serão percebidos como violência” estão entre os objetivos da iniciativa, segundo Juliana. O estudo encorajou não só as mulheres a desabafarem sobre as violências sofridas nas ruas, como também homens que tiveram mães, filhas, irmãs e namoradas na situação, o que gerou dezenas de comentários na página da pesquisa.
Identificado como Clayton, o internauta contou que buzinou para a mulher um dia, ela não o reconheceu e começou a correr assustada. “Precisei sair correndo para explicar que estava tudo bem. Lamento que tantas mulheres sejam obrigadas a conviver com esse medo”, comentou. Cristiano escreveu que sente vergonha pelas atitudes dos homens e C. Pelizzon postou que “todo homem sabe que mulher não gosta disso (assédio nas ruas)”. “Homem faz isso porque acha que pode. E para colocar as mulheres no lugar delas por meio da agressão. Sou homem e peço desculpas por isso. As mulheres devem lutar para que isso mude”, acrescentou.
A internauta Lívia Azevedo passou por uma experiência que soma ao grupo de homens respeitadores do sexo oposto. Ela descobriu que, por dois anos, um homem que trabalhava na oficina perto de onde morava se masturbava observando-a. Um dia começou a gritar com ele, quando chegou o motorista da van que a levava até a faculdade, soube do ocorrido e exigiu a demissão do sujeito. “O cara nunca mais voltou à oficina”, relatou ela. Vinis Ta confessou em depoimento que já chamou mulheres de “linda” nas ruas, já as segurou pelo braço quando era adolescente e xingou quando foi rejeitado, mas atualmente recrimina as atitudes. “A sua liberdade acaba quando começa a do outro”, escreveu. Mas, os comentários não foram todo a favor do respeito à mulher e, mesmo recebidos com chuvas de críticas, alguns homens se manifestaram a favor das cantadas.
O internauta Diego Silva está entre os que criticaram o posicionamento das mulheres em relação às cantadas. Em comentário, ele disse que “sem assédio sexual, não há sexo, e sem sexo acabou-se a humanidade”. “Não sou de assoviar para ninguém, mas tampouco acho adequado limitar a comunicação dessa maneira. Se um sujeito quer chamar atenção assoviando, me parece que ele tem esse direito, e se alguém se ofender com isso, também me parece um direito. Transformar uma atitude inofensiva numa ofensa grave por decreto, isto já me parece um equívoco”, escreveu.
Já Eduardo concordou que alguns assédios mencionados pelas depoentes eram abusivos, mas que “achar que um simples 'linda' é uma cantada já é doença”. Identificado como Lancemaker, um dos internautas se disse surpreso pela reação das mulheres aos “elogios” dos homens. “Fica difícil quebrar o gelo (sem cantadas) para ter interação com uma pessoa que você não conhece. Mas se nem disso vocês gostam, existem sempre o site de relacionamentos onde podemos pular essa etapa”, postou. O internauta André questionou a relevância da pesquisa em relação à situação em que vivem mulheres nas favelas e nas ruas.
O assédio em números
A pesquisa apurou ainda que 80% das mulheres já sofreram assédio em parques, shoppings e cinemas; 77% em baladas; 64% no transporte público; e 33% no ambiente de trabalho. Do total, 83% desaprovaram as cantadas. Por medo de assédio, 81% delas já deixaram de ir a algum lugar, passar em frente a obras e sair a pé; e 90% pensaram na roupa para vestir antes de sair de casa. Apenas 27% das mulheres já responderam aos assédios nas ruas e quando o fizeram foi com xingamentos. O restante sentiu medo de se manifestar.
“Linda” (84%), “gostosa” (83%), “delícia” (78%), “fiu fiu” (73%) e “princesa” (71%) são as cantadas mais comuns, segundo as entrevistadas. Além dos assédios verbais, 82% delas já foram agarradas em baladas, 85% delas já sofreram com passadas de mão e 68% receberam xingamentos quando recusaram a investida dos homens.