Dada a dinâmica das redes sociais, é comum ver pessoas discutindo se gostaram do look de uma cantora, se uma atriz engordou ou emagreceu demais, se apoiam ou condenam a decisão daquela apresentadora de abrir seu relacionamento amoroso. Na maior parte das vezes, isso ocorre sem que a personalidade em questão tenha sequer solicitado qualquer opinião.
Essa intromissão pode ser ainda pior quando envolve crianças e assuntos pessoais como saúde e família, por exemplo. Foi o que aconteceu nos últimos dias com a atriz e humorista Tatá Werneck e o surfista Pedro Scooby.
No caso da artista, uma mulher usou os comentários de um post no Instagram para dizer que Rafa Vitti, ator e marido de Tatá, fazia o papel de "mãe" da filha dos dois, a pequena Clara Maria. A postagem em questão mostrava pai e filha em viagem. A mãe, como se sabe, tem gravado a atual novela das nove, "Terra e Paixão", o que em nada invalida sua maternidade.
“Menina, você é idiota? Como uma mulher pronuncia algo desse tipo em 2023? Quer lutar contra você mesma? Eu estou trabalhando. Isso não me faz menos mãe”, rebateu Tatá.
Já Scooby reagiu a comentários sobre a aparência de sua filha caçula, Aurora, de seis meses. Usuários da mesma rede social insinuaram que ela teria alguma deficiência.
O pai negou, mas deixou claro que daria o mesmo amor se esse fosse o caso. “A internet virou uma arma na mão de algumas pessoas que escrevem mensagens maldosas até pra crianças que são tão puras, que não têm nada a ver com isso. (...) Adulto é mais fácil de aguentar. Eu aguento, pode mandar. Mas as crianças não. Vamos deixar elas fora disso”, pediu.
Comportamento humano preocupante
O que aconteceu com Tatá e Scooby não é novidade e acomete famosos e anônimos que têm suas vidas de alguma forma exposta nas redes sociais. Para a psiquiatra Julia Trindade, isso é reflexo de ao menos três fatores: desinibição, sensação de anonimato e superexposição.
"As redes sociais abriram um novo mundo de conexões e comunicações. No entanto, elas também revelaram um lado preocupante do comportamento humano", destaca a psiquiatra, ao se referir aos comentários ofensivos sobre a vida alheia.
"Por que isso acontece? Um dos motivos é o efeito da desinibição online. Basicamente, quando as pessoas estão atrás de uma tela, elas se sentem mais livres para dizer coisas que não diriam pessoalmente. Afinal, o contato direto e as consequências imediatas de um comentário inapropriado são minimizados", acrescenta a médica, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria.
A sensação de anonimato é parte disso e, nesse ponto, a médica não se refere apenas aos chamados "perfis fakes", escondidos por um avatar. Para ela, a falta de contato direto com o alvo dos comentários pode diminuir a empatia. É a noção de que as pessoas perdem o senso de que estão interagindo com pessoas reais, e não com máquinas.
Onda de ódio
Isso é observado também quando há disseminação de ódio. Mais expostos ao julgamento do público, artistas e influenciadores experimentam a fúria dos seguidores quando dizem ou fazem coisas que os desagradam. Nesse ponto, o machismo se sobressai com maiores cobranças sobre o comportamento das mulheres, vide a reação ao verem Rafa Vitti em passeio com a filha enquanto Tatá trabalhava.
Luísa Sonza é outro exemplo. A cantora foi xingada quando acharam que ela traiu o então marido, o humorista Whindersson Nunes - fato negado por eles, e já recebeu até ameaças desde então. Seus críticos detonam suas roupas, músicas e performances a despeito do sucesso que a artista faz.
Maior exposição
O terceiro ponto trazido pela psiquiatra é a exposição da própria vida feita pelos indivíduos. Claro, se expor não dá a terceiros o direito de ofender, mas a especialista aponta que isso cria uma sensação de familiaridade para alguns usuários das redes sociais. "É como se a barreira entre a vida privada e a vida pública fosse quebrada", pontua.
"A desinibição online, o anonimato percebido e a exposição da vida pessoal contribuem para um ambiente que pode ser tóxico. Como sociedade, precisamos promover a empatia e o respeito nas redes sociais para que seja reflexo da vida real".
Quem tem perfil ativo nas redes deve concordar: o comportamento social pode (e costuma) ser tóxico. A má notícia é que, embora vez ou outra haja ações e campanhas nas próprias redes pedindo empatia, não há sinais de que isso vá melhorar.