Evelyn Miller, de 31 anos, percebeu que algo era diferente com seu corpo quando, estranhamente, não conseguiu utilizar um absorvente interno, aos 13 anos de idade. " Eu tentava colocá-lo onde, normalmente, fica a vagina, mas era impossível", contou recentemente a australiana em entrevista ao Daily Mail.
Aos 17 anos, mais sintomas apareceram, quando a jovem tentou ter a primeira relação sexual. "O pênis ficava batendo em alguma parede", disse ao portal. Foi só em 2011, aos 19 anos, que finalmente descobriu o motivo por trás de tantas dores durante o sexo e na hora de utilizar absorventes internos: Evelyn tinha duas vaginas, dois úteros e dois conjuntos de ovários completamente desenvolvidos, uma versão extrema da condição conhecida como útero didelfo.
O que é útero didelfo?
A condição é um tipo de malformação do órgão feminino, que ocorre ainda na vida embrionária. " A mulher desenvolve dois hemiúteros (ou seja, dois pequenos úteros)", explica Alexandre Rossi, ginecologista e obstetra pelo Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros e médico colaborador de Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP.
No útero didelfo, eles são acompanhados por dois colos de útero, mas é possível ter outras apresentações e graus mais leves de divisão: desde um útero arqueado (em forma de coração), um útero bicorno (com uma pequena repartição no fundo) até a sua separação completa, que é o caso de Evelyn.
" Nem sempre a mulher que tem o útero didelfo vai apresentar duas vaginas. O mais comum é ter um início de um septo, uma divisão pequena, na parte de cima do órgão. Todavia, é possível, de fato, apresentar dois úteros e dois canais vaginais", pontua Ana Paula Beck, ginecologista e obstetra do Departamento Materno Infantil do Hospital Albert Einstein.
O que causa o útero didelfo?
A anomalia congênita é rara e ocorre já nas primeiras semanas de vida intrauterina do bebê. "Há uma falha na junção dos dois cordões de células embrionárias, que deveriam se fundir para formar o órgão. Eles permanecem divididos ao meio, mantendo dois colos de útero", explica Alexandre. Embora não haja uma causa definida, sabe-se que há um componente genético na condição, visto que o útero didelfo pode ocorrer em mulheres de uma mesma família.
Sintomas do útero didelfo
As pacientes podem apresentar algum tipo de sintoma, mas eles são facilmente confundidos. "Não há um sinal específico para essa situação. Os mais comuns são cólicas ou dores pélvicas", diz Ana Paula. Algumas pacientes também manifestam infecções de repetição do trato urinário. " É comum as malformações uterinas estarem associadas a anomalias renais. Então, quando fazemos um diagnóstico no útero, precisamos procurar sinais no trato urinário, e vice-versa", acrescenta.
Este também foi o caso de Evelyn, que, ao descobrir a malformação do útero e a presença de duas vaginas, recebeu a informação de que sua uretra era posicionada de forma mais baixa que o normal.
O diagnóstico da malformação do útero
Como os sintomas são quase nulos, a alteração é, muitas vezes, detectada só na fase adulta pelo ginecologista durante exames de rotina, e o diagnóstico confirmado em exames de imagem. "Nos casos em que há duas aberturas vaginais, além de dois úteros e dois colos, a identificação ocorre mais cedo", diz Alexandre.
Os exames podem ser um ultrassom ou uma ressonância magnética. "A paciente faz o primeiro exame de imagem, nós desconfiamos da malformação congênita e confirmamos o diagnóstico com um segundo procedimento", diz a ginecologista do Hospital Albert Einstein.
Quem tem útero didelfo pode engravidar?
Uma das preocupações de Evelyn ao receber o diagnóstico era a infertilidade. No entanto, a australiana deu à luz dois bebês através do mesmo útero - Andrew, de 1 ano e 8 meses, e Georgia, de 8 meses. "Sempre houve o risco de eu estar grávida de dois bebês ao mesmo tempo. Durante a gestação, ainda teríamos que usar camisinha, se quiséssemos fazer sexo na outra vagina", contou.
A mulher com útero didelfo pode sim ter uma vida normal, inclusive engravidar naturalmente. No entanto, pelo espaço dos úteros serem reduzidos e terem tendência a dilatar mais fácil, o risco de ocorrer um aborto ou nascimento prematuro é maior. "Por este motivo, é importante um acompanhamento bastante rigoroso, preferencialmente desde antes da concepção e ao longo do pré-natal", indica Alexandre.
"É preciso fazer uma avaliação do colo do útero, para ver se há risco de prematuridade. Eventualmente, podemos indicar uma cirurgia, a fim de manter a gestação até o tempo normal. Uma vez que a gestante está com o parto em termo adequado, é possível realizá-lo de forma natural, dependendo do grau de malformação", explica Ana Paula.
Além da cerclagem do colo do útero (uma sutura no local) para evitar que ele dilate de forma precoce, o repouso da gestante com útero didelfo é importante para evitar o parto prematuro.
Existe tratamento para útero didelfo?
Como a maior parte das pacientes é assintomática, ou seja, o diagnóstico ocorre em um achado de exame e não há dor ou incômodo, o acompanhamento da mulher é de rotina. Não há tratamento medicamentoso e, na maioria das vezes, não há indicação cirúrgica.
"A cirurgia, em geral, só é feita quando não há expulsão da menstruação de metade de um dos úteros, e não com o intuito de corrigir o órgão. O procedimento de reconstrução só é realizado em casos bastante específicos, pois tem alta morbidade e tende a enfraquecer a musculatura", pontua Alexandre. É possível também remover uma parte de um septo na região, para melhorar a amplitude da vagina e evitar dores na relação sexual.