A história de Geovane Carneiro, 38 anos, se assemelha a de milhares de pessoas que escolheram São Paulo para viver: aos 18 anos, o baiano de Conceição do Coité deixou o município de pouco mais de 60 mil habitantes para "tentar a sorte na cidade grande". E a ela chegou, depois de muito esforço. Há 13 anos, ele é o subchef do D.O.M., o segundo na hierarquia de chefia dos fogões do restaurante mais conceituado do Brasil, que há sete anos figura na lista dos 50 melhores do mundo. Mas antes de conquistar o cobiçado posto de "braço direito" do chef Alex Atala, Carneiro teve de servir muito café, pinga e coxinha em uma lanchonete da capital paulista até conquistar seu espaço.
O talento para a culinária foi descoberto por acaso. Chamado para substituir o cozinheiro da lanchonete quando ele faltou, viu as coxinhas que fez esgotarem em poucas horas, enquanto as do titular esfriavam na vitrine. "Naquele tempo eu tinha preconceito, achava que cozinha era coisa de mulher. Não era o meu sonho. Mas tudo o que eu fazia saía demais. Só depois de um tempo fui perceber que já estava escrito. O meu caminho já estava traçado", disse o chef, em entrevista concedida ao Terra no D.O.M., na zona oeste de São Paulo.
Após três anos como copeiro da lanchonete, percebeu que era hora de mudar e, decidido a encontrar um emprego como garçom, comentou com alguns clientes que procurava uma nova oportunidade. Por coincidência, um dos clientes era cunhado do respeitado chef francês Michel Darqué, que se impressionou com a determinação do jovem e o chamou para trabalhar em seu restaurante, mas dessa vez, para lavar louças e panelas. "Eu falei: tá bom, eu encaro. Mas perguntei se tinha chances de crescer e ele disse que sim. Me falou: ‘se quiser, você fica do meu lado que eu te ensino tudo’. Terminava as minhas coisas na pia e corria pra aprender.", contou.
O empenho deu resultado e, apenas quatro meses depois, ele deixou a pia e conquistou o posto de ajudante de grelha. Até que um dia, um cozinheiro do restaurante 72 faltou, em pleno Dia dos Namorados, e Carneiro assumiu o batente. "Eu pensei: 'é a hora. Ou eu melhoro ou eu caio de vez’. E deu uma pauleira lá, mas eu dei conta do recado."
Foi ali que ele conheceu Atala, que trabalhava no local. Após manejar a "crise" do Dia dos Namorados, foi promovido ao fogão e continuou a observar o que os chefs faziam. "Aprendi na marra mesmo. Foi tudo olhando, errando, aprendendo, fazendo. Você vai tentando até pegar a mão", disse. Dois anos depois, foi convidado por Atala a trabalhar no recém inaugurado restaurante Namesa e, em 2000, foi novamente chamado por Atala para seu novo restaurante, o D.O.M., já como subchef.
"Precisa ter talento, mas precisa ter mais dedicação. Cada um tem a sua oportunidade na vida. Você tem que pegar e agarrar com as duas mãos, segurar e correr atrás até conquistar o seu espaço. Eu fiz isso. A oportunidade surgiu e fui atrás. Graças a Deus, estou conseguindo crescer", afirmou.
Melhores do mundo
De lá pra cá, a carreira de Carneiro e de Atala só cresceram. O cardápio inspirado na culinária brasileira sob um olhar contemporâneo fez com que o D.O.M. entrasse pela primeira vez em 2006 no ranking da conceituada revista britânica Restaurant, que elege os 50 melhores restaurantes do mundo, com o 50º lugar. No ano seguinte, saltou para o 38º posto (2007), oscilou para o 40º lugar em 2008, mas subiu novamente para o 24º (2009), depois 18º (2010), 7° lugar (2011), 4° (em 2012) - e hoje é cotadíssimo para chegar ao topo da lista. O segredo? A constante busca por perfeição.
"Acho que não tem um segredo ou um só fator. É trabalhar com ingredientes de qualidade e fazer bem feito, buscar sempre a perfeição. O segredo é a perfeição. O cuidado com o sabor, a apresentação. Fazer cada prato como se fosse o primeiro", revelou o subchef, que é quem comanda a cozinha quando Atala está fora em viagens de negócios - o que acontece com frequência.
E mesmo com os olhos do mundo os observando, ele garante que um eventual 1º lugar na lista, embora muito bem vindo, não mudará o modo como eles encaram a tarefa. "A responsabilidade é a mesma, seja no 1º ou no 50º lugar. Não muda", ressaltou, com a fala tranquila.
Para Carneiro, a transformação constante é outro ingrediente que contribuiu para o progresso do restaurante. Em 13 anos, o D.O.M. mudou completamente o cardápio e, segundo o subchef, apenas um dos pratos - o confit de pato - é servido desde o início, mas ainda assim, sofreu alterações no processo. Segundo ele, é Atala quem cria todos os pratos, embora ele dê alguns pitacos. "A criação é dele e eu executo. Tudo o que eu aprendi foi com ele. Venho seguindo os passos dele há 16 anos, praticamente", disse.
Arroz com feijão
Mas o chef do restaurante que tem opções de até R$ 495 surpreende pela simplicidade. Fiel às suas raízes, não abre mão do arroz com feijão no dia a dia, embora já tenha experimentado pratos e sabores do mundo todo. Famoso nos bastidores, é tímido e avesso a entrevistas: prefere a linha de produção aos holofotes. É também bem chegado à família: todos os anos, leva o filho de 9 anos e a esposa para a Bahia, visitar os pais e irmãos - dois deles, são também chefs em restaurantes de Salvador.
É dele, entretanto, uma das criações mais famosas do Dalva e Dito, o outro restaurante de Atala: a galinhada caipira, um sucesso que também surgiu por acaso. Todos os sábados, após o encerramento das atividades no D.O.M., os cozinheiros do restaurante se reúnem e fazem um prato para a equipe encerrar o expediente de "barriga cheia". Um certo dia, um confeiteiro levou duas galinhas caipiras para Carneiro cozinhar, e ele foi buscar na memória os ingredientes que sua mãe usava para elaborar a receita, brasileiríssima. O prato agradou e, no mês seguinte, ao invés de duas, foram oito galinhas, dividas também com a equipe do bar e os garçons. Daí, a quantidade só cresceu, assim como a fama da galinhada nas cozinhas.
"Todo mundo pedia. Quando o D.O.M. entrou na lista dos 50 melhores, a gente falou: 'vamos comemorar com a galinhada!'. Sei que o salão estava cheio aquele dia, eu fiquei na linha de produção e todo mundo comendo galinhada no final da noite. Não sobrou nada! Aí as pessoas começaram a ouvir a falar, e o Alex resolveu colocar no cardápio do Dalva e Dito, todo o sábado, da meia noite às 3 da manhã", revelou.
E é nos bastidores onde Geovane pretende continuar a trabalhar. Apesar do reconhecido sucesso na carreira, ele nem pensa em abrir seu próprio negócio, mas quer continuar a crescer como chef.
"Para crescer, tem que se ter humildade e força de vontade. Não adianta querer passar por cima dos outros. Arrogância não funciona no nosso ramo. Um dia você está por cima e no outro você tropeça e cai. Então tem que ter humildade sempre e disposição pra trabalhar. Uma hora dá certo. Eu já conquistei muita coisa. Da onde eu vim e onde eu estou, acho que já é um bom começo. Mas não vou parar aqui. Na gastronomia você nunca para de aprender, você sempre aprende coisa nova. Você nunca sabe tudo."
Anúncio dos 50 melhores
O Terra, a maior empresa latino-americana de mídia digital, transmitirá ao vivo o anúncio dos 50 melhores restaurantes do mundo na próxima segunda-feira (29), a partir das 16h, direto do Guildhall, em Londres, na Inglaterra. A transmissão estará disponível inclusive para tablets, smartphones e TVs conectadas.
No ranking de 2012, o restaurante D.O.M., de Alex Atala, ficou com o 4º. lugar no ranking mundial. Mais dois brasileiros foram mencionados não entre os 50, mas entre os 100 melhores restaurantes do mundo. O restaurante Maní, da chef Helena Rizzo, em São Paulo, ficou com a 51ª posição, e o Roberta Sudbrack, da chef de mesmo nome, no Rio de Janeiro, pegou a 71ª posição.
O ranking 'The World's 50 Best Restaurants', organizado pela revista Restaurant, elege os 50 melhores restaurantes do mundo, escolhidos por 936 jurados especializados. A transmissão do 'The World's 50 Best Restaurants' é um oferecimento da FineDiningLovers.com, com patrocínio de S. Pellegino e Acqua Panna.