O período da introdução alimentar costuma ser um desafio para muitos pais e responsáveis. Enquanto a família tenta introduzir diferentes alimentos na rotina da criança, eles podem se deparar com obstáculos como a seletividade e a dificuldade alimentar. Mas você sabe a diferença entre cada um desses?
Seletividade ou dificuldade alimentar?
Segundo a fonoaudióloga Carla Deliberato, especializada em pacientes com dificuldades alimentares, o quadro de seletividade alimentar é quando a criança, na hora de comer, fica relutante em aceitar alguns tipos de alimentos, seja por sabor, textura, odor ou aparência.
No geral, as crianças com seletividade alimentar toleram todos os grupos alimentares, que incluem carboidratos, frutas, verduras, legumes e proteínas, tanto de origem animal como vegetal. Por exemplo: ela não come todos os tipos de proteína animal (carne,frango e peixe) mas aceita um tipo, como pelo menos o frango.
Já a criança com dificuldade alimentar tem menos facilidade em aceitar alimentos de todos os grupos e pode chegar a desprezar um ou mais grupos alimentares inteiros. Por exemplo: ela nunca come nenhum tipo de proteína animal, independente do tipo de preparo e da situação.
"Eu recebo em meu consultório muitos pacientes com seletividade alimentar extrema, e essa dificuldade é classificada como um distúrbio alimentar pediátrico, conforme consta na Resolução No 659 do Conselho Federal de Fonoaudiologia publicada em 30/03/2022. No caso da dificuldade alimentar, a criança nem quer saber ou tem interesse em um alimento novo e muitas vezes ao chegar perto dessa comida diferente da sua rotina, pode apresentar também náuseas e vômitos. Fica muito incomodada com a textura e o cheiro do alimento", afirma a especialista.
Isso muitas vezes torna a família "refém" dessa situação, sem conseguir ter uma rotina diferenciada, como fazer uma viagem ou ir a um restaurante. "Tudo se torna muito difícil no caso da criança com dificuldade alimentar. Pois ela fica acostumada ao ambiente da casa, a comer a comida que a mãe, a avó ou a babá prepara e muitas vezes, a família não consegue sair daquela rotina do dia a dia e fazer um passeio", explica a fonoaudióloga.
O problema da carne
Outro caso comum que Carla atende em seu consultório são os de pais que acham que seus filhos são vegetarianos por não conseguirem comer proteína. No entanto, ela chama atenção para o fato de que muitas vezes esse quadro – que nem sempre é percebido pelo pediatra – também está associado a uma dificuldade para mastigar, o que exigirá da criança mais esforço. Isso quer dizer que a criança rejeita a proteína da carne porque ela é mais fibrosa e difícil de mastigar, e não necessariamente porque tem uma tendência a ser vegetariana.
"Algumas crianças, desde a introdução alimentar, começam o processo de alimentação com alimentos muito pastosos e moles e acabam não desenvolvendo tanto a habilidade mastigação. Por isso que, em alguns casos, a aceitação de carnes pode ser difícil, porque talvez exista uma inabilidade de mastigação", explica.
Quando procurar ajuda profissional?
A fonoaudióloga explica que a dificuldade alimentar se divide em diferentes graus que precisam ser analisados. Quando a criança despreza grupos alimentares inteiros, os pais precisam procurar ajuda profissional a fim de evitar que a criança tenha risco de deficiência de nutrientes, o que pode aumentar o risco de doenças no futuro.
O profissional mais indicado nesses casos é o fonoaudiólogo especialista em motricidade oral. Isso porque ele tem a formação específica para avaliar o sistema sensorial motor oral frente à queixa de dificuldade de alimentação apresentada.
"É fundamental que o especialista investigue, pois se está associada à dificuldade alimentar, a criança tem questões emocionais ou quadros orgânicos relacionados que possam interferir nessa não aceitação dos alimentos. É o caso, por exemplo, de doenças respiratórias (sinusite, hipertrofia de adenóide, amígdala aumentada), doenças neurológicas de base no geral, alterações gastroenterológicas (refluxo gastroesofágico, alergias alimentares, constipação intestinal), dentre outros fatores", alerta.
No caso de fatores emocionais, Carla esclarece que essa dificuldade de alimentação também pode se relacionar com a dinâmica familiar. "Nessa situação, talvez seja necessário a intervenção de um psicólogo, pois muitas vezes a criança come o alimento na escola ou na terapia comigo. E, quando está em casa, na presença da mãe ou dos parentes, não come para chamar a atenção. O importante é analisar cada caso de forma única e, dependendo, se faz muito importante o acompanhamento terapêutico emocional dessa criança", analisa.
Tratamento
O tratamento só será feito após uma avaliação detalhada, com exames complementares. E, se houver indicação, o fonoaudiólogo irá realizar a Terapia de Alimentação. O processo inclui exercícios que fazem a criança se aproximar dos alimentos que são mais difíceis de aceitar.
"A criança vai se relacionando de forma diferente com os alimentos e criando novas conexões positivas. Por exemplo, uma das estratégias que eu adoto é: se a criança não come arroz, mas gosta de bolinho, vamos fazer bolinhos de arroz? E aí a criança vai lidando não apenas com o conceito do arroz, mas ressignificando e construindo uma nova relação com o alimento, até chegar na forma in natura", finaliza. Ela lembra que a família sempre participa de todo esse processo terapêutico.