Tirar feijão da dieta pode aumentar risco de obesidade; entenda

Estudo de pesquisadora da UFMG aponta que reduzir consumo do grão eleva em 20% risco de obesidade

2 mar 2023 - 15h45
(atualizado em 3/3/2023 às 11h36)
Foto: Shutterstock

O feijão é item fundamental na mesa do brasileiro, desde as refeições mais cotidianas à feijoada de domingo. A tendência, porém, é de que o alimento seja cada vez menos consumido no Brasil, conforme um estudo de pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que também reforça os benefícios desses grãos à saúde. Segundo o trabalho, quem deixa de comer a leguminosa com regularidade tem 10% mais risco de desenvolver excesso de peso e 20% de ficar obeso.

Já aqueles que consomem feijão regularmente (de cinco a sete dias da semana) têm 14% menos chance de lidarem com sobrepeso e 15% menos risco de ficarem obesos. A tendência, aponta o trabalho, é de que até 2025 a grande maioria dos adultos vai consumir o alimento de forma irregular (de um a quatro dias por semana), mudança ante a tendência histórica. Na análise por gênero, constata-se que as mulheres já comiam feijão menos de cinco vezes por semana em 2022. Para os homens, a previsão é que isso mude a partir de 2029.

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O estudo analisou dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), conduzido pelo Ministério da Saúde. Foram levadas em conta entrevistas com mais de 500 mil adultos, feitas de 2009 a 2019. O trabalho consiste na tese da nutricionista Fernanda Serra Granado, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG.

"O feijão é um marcador da qualidade da dieta, porque apresenta excelente perfil nutricional, contribuindo para o bom funcionamento do organismo e para a saúde da população. Além disso, representa elemento essencial, muitas vezes, para a segurança alimentar", diz ela. O trabalho também compreende outros fatores que podem levar a sobrepeso e obesidade, como aqueles ligados ao estilo de vida – tabagismo, falta de atividade física e consumo abusivo de álcool.

A associação observada, dizem os especialistas, pode decorrer de más escolhas alimentares feitas pelos que abandonaram ou reduziram o consumo. "Quando consome feijão, o indivíduo põe na mesa outros alimentos saudáveis, como arroz, vegetais, salada e mesmo carne, compondo um prato nutricionalmente equilibrado. Quando deixa de comer feijão, muitas vezes faz escolhas alimentares mais inadequadas, que apresentam elevada quantidade de calorias, por exemplo, o que pode levar ao ganho de peso da população adulta", diz Fernanda.

Assim como demais leguminosas, o feijão é rico em proteínas vegetais, fibras, vitamina B, ferro, cálcio, potássio, fósforo e zinco. Além disso, a maioria dos feijões têm baixos teores de gordura. São semelhantes à carne em nutrientes, mas com níveis de ferro mais baixos e gorduras não saturadas. Esses alimentos contêm antioxidantes que ajudam a prevenir células danosas e combater doenças, com importância para a regeneração de tecidos e a formação de músculos. As fibras do feijão oferecem ainda benefícios para o sistema digestivo.

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O analista contábil Roberto Reis, de 23 anos, diz ser um fã da "duplinha brasileira", brincadeira em referência ao dueto do feijão com o arroz. "Quando não como em casa, geralmente pego pratos com arroz e feijão nos restaurantes. Ele está sempre presente", conta.

"Quando como arroz e feijão sempre incluo no prato outras coisas. Variedades de saladas e carnes, por exemplo. Não sou uma pessoa que foca tanto na questão de ter ótimos hábitos alimentares, mas busco comer bem no almoço, principalmente, para atender o máximo possível a essa questão. O feijão, com certeza, contribui para isso", relata ele.

Trabalho publicado no Journal of the American College of Nutrition, de 2008, indicou que aqueles que comem feijão tendem a ter menos peso e menor circunferência da cintura, em comparação com os que não consomem. O levantamento, feitos nos Estados Unidos, apontava que consumir feijão diminui em 23% o risco de aumento da região abdominal e em 22%, o de obesidade.

Bolso x cardápio

O feijão é um grande símbolo da cultura alimentar no Brasil, especialmente quando combinado ao arroz, prato já incorporado aos hábitos alimentares dos brasileiros. Isso é reforçado pelo Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014, publicação do Ministério da Saúde. O documento destaca, entre outros fatores, a importância do consumo de alimentos in natura ou minimamente processados, como leguminosas, como base para uma alimentação saudável.

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Por trás dessa mudança de cardápio, há uma questão socioeconômica, segundo Cris Maymone, nutricionista e mestre em Nutrição em Saúde Pública pela USP. "O feijão tem perdido espaço também pela questão financeira, enquanto ultraprocessados (como macarrão, bolos e biscoitos) ganham mais destaque. Esses alimentos dão maior sensação de saciedade a preços baixos, o que faz com que pessoas em situações mais vulneráveis optem por eles. O valor financeiro é o que mais pesa", ressalta.

Outra questão apontada pela profissional são as dietas restritivas que aconselham reduzir ou cortar o consumo de carboidratos, conhecidas como low carb. Para Cris, quando não aplicadas corretamente, essas dietas podem ser prejudiciais à saúde. "Muitas vezes as pessoas eliminam alimentos ricos em fibra, por exemplo, como arroz e feijão, importantes para nossa alimentação", diz.

No caso de Carmen Silvia Pagotto, de 69 anos, foi necessário reduzir o consumo de alimentos como arroz, macarrão e pães de farinha branca, além de frituras e açúcar em excesso. A dieta foi motivada por recomendação de sua médica endocrinologista, após ela sofrer com uma inflamação grave no joelho, que prejudicava seu bem-estar. "Emagrecer era uma condição para melhorar. Eu mal conseguia caminhar, por conta da dor", relata. Mas ela não deixou de comer o feijão, presente quase todos os dias em seu cotidiano.

"Percebi que o feijão e outras leguminosas, como lentilha e grão-de-bico, garantem mais saciedade do que o arroz, além de serem mais saudáveis. Antes, meu jantar era um lanche: pão com frios e requeijão, por exemplo. Agora passei a comer legumes e carnes com feijão à noite", conta. Segundo a socióloga aposentada, foi a combinação perfeita para ela: o regime alimentar tem funcionado e promoveu melhor qualidade de vida. Carmen já havia passado por outras dietas, algumas delas mais restritivas, sem consumo de feijão nem carboidratos de nenhum tipo, mas nenhuma deu tão certo.

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Inflação é outra culpada pelo desaparecimento do feijão do cardápio dos brasileiros
Foto: Tadeu Brunelli/Estadão / Estadão

Quem são os vilões da dieta?

Além de saber quem são os mocinhos da nossa dieta, é importante reconhecer quem são os vilões no cardápio, alerta Catherine M. Champagne, professora de Epidemiologia Nutricional do Pennington Biomedical Research Center (PBRC) em Luisiana (EUA). "Muitas vezes, o principal é eliminar escolhas alimentares pouco saudáveis, ou pelo menos limitá-las. Isso já ajuda o indivíduo a alcançar peso saudável e prevenir a obesidade. Bebidas adoçadas com açúcar, álcool, carne e laticínios em excesso são exemplos de hábitos que devem ser evitados", disse ao Estadão.

Estudos conduzidos pelo PBRC demonstraram que dietas contendo feijão são baixas em densidade calórica e eficazes na redução da resistência à insulina e no emagrecimento, diz Catherine, que é da Sociedade Americana de Diabete e da Sociedade Americana de Nutrição. Conforme a Pesquisa Nacional de Saúde de 2020, 60,3% dos adultos no Brasil têm excesso de peso, sendo que a obesidade atinge 25,9% da população. Desde 1975, os índices globais de obesidade triplicaram, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

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