Embora a culinária italiana tenha uma infinidade de receitas de pasta, é possível ultrapassar as fronteiras do clássico e apostar em novas versões para a massa fresca. Por conta de sua versatilidade, diversos chefs têm encarado a massa fresca como uma tela em branco. "Além de ser uma das formas mais universais de entregar sabor, a massa ajuda a transmitir uma mensagem", acredita o chef Luiz Filipe Souza, que comanda o restaurante duas estrelas Michelin Evvai.
Uma das etapas de seu menu-degustação atual (R$ 799, 13 etapas) é o raviolo de galinha d'angola com cogumelos e tucupi. Ele, que apresenta uma cozinha autoral com influências dos imigrantes italianos, se inspirou no pato no tucupi - receita clássica da região norte do País. "A ideia é sempre propor um diálogo entre as cozinhas italiana e os produtos brasileiros", explica o chef.
De uma forma ou de outra, as massas sempre marcam presença no menu-degustação, do Evvai. Na temporada passada, por exemplo, a pasta foi servida na forma de pré-sobremesa: linguine frio com molho de açafrão e sorbet de cupuaçu. "A massa é um excelente meio para criar coisas novas. É interessante criar algo disruptivo a partir de uma receita popular e afetiva", explica Souza.
Quanto ao quadrucci, massa em formato retangular em que os raviolini vêm todos grudados, é uma brincadeira do chef italiano com a clientela. "Aqui, as pessoas cortam o espaguete, cortam o fettuccine. Por que não deixar elas cortarem o ravioli também?", diverte-se ele. Na primeira versão, Loi a recheava com vitela, mas, na versão atual, a massa abriga um recheio de brasato de fraldinha e é servida com demi-glace, creme de Grana Padano e trufas negras.
Segundo Loi, o seu objetivo sempre foi apresentar a cozinha italiana sob uma nova perspectiva, mas ele faz questão de ressaltar que a criatividade tem limites. "Vale mudar a apresentação, pensar em novas combinações de sabores, mas sem deixar de lado as raízes da cozinha italiana", acredita ele. O chef Pier Paolo Picchi concorda. "Por ser neutra, a massa aceita tudo. Mas é preciso ter coerência", diz o chef do restaurante Picchi.
Menos é mais
Segundo Picchi, um dos segredos para se preparar uma boa massa, seja ela clássica ou autoral, é a qualidade da matéria-prima. "De uns anos para cá, o mercado de pasta fresca evoluiu muito no Brasil. Além de uma nova geração de cozinheiros talentosos, é possível encontrar farinhas importadas e a melhora na qualidade dos ovos disponíveis no mercado", explica o chef.
Entre as massas do menu do Picchi, restaurante em que o chef apresenta uma cozinha italiana de alto nível, destaque para o espaguete ao vôngole, pancetta e ouriço (R$ 182), "um carbonara do mar", define ele. Outra sugestão é o tortelli de bacalhau, com molho de limão-siciliano, lulinhas grelhadas e ovas de arenque (R$ 174). E o chef apresenta um menu-degustação chamado de tutto pasta, somente com massas artesanais (R$ 487, 4 etapas). "A gente procura fazer massa recheada, longa, um pouco de tudo", e Picchi.
Poucos ingredientes e a melhor qualidade possível. Eis o lema do restaurateur e pastaio Marcio Shihomatsu, do restaurante Shihoma Pasta Fresca e do Shihoma Deli. "Fazer massa tem uma similaridade com a cozinha japonesa, porque envolve poucos ingredientes e sabores simples", diz ele. A influência asiática marca presença no espaguete (R$ 64), que é elaborado com a técnica japonesa temomi, em que os fios são amassados até formar ondulações, que absorvem a manteiga com aliche - a massa é finalizada com pistache.
Ao lado da dupla de chefs Bia Freitas e Joey Lim, Shihomatsu desenvolve, constantemente, receitas de massas que combinam delicadeza, criatividade e produtos locais. Uma das criações mais recentes de Shihomatsu é o capunti, pasta típica do sul da Itália que ele serve com alho serpente (caule verde do próprio alho, de sabor mais suave), quejo grego Capril do Bosque e vagem roxa - em breve estará no menu do Shihoma Deli.
Revolução das massas
A chef Ana Soares, que comanda o pastifício artesanal Mesa III, vê com entusiasmo essa nova revolução das massas. "O mais fascinante é que eu posso entregar uma massa para o Bassoleil (chef francês Emmanuel Bassoleil, do restaurante Skye) e outra para o Rodrigo Oliveira (chef do restaurante de cozinha sertaneja, Mocotó) e vão render receitas incríveis. Mas cada um com seu estilo", diz Ana.
Ao longo de 28 anos de pastifício, ela acompanhou de perto uma verdadeira revolução no mercado de pasta artesanal. "Os molhos pesados foram saindo de cena para dar lugar a combinações mais leves. E muitos passaram a investir em novos recheios, que vão além da carne e do queijo", conta ela.
Uma de suas criações repletas de delicadeza é o cappellacci de alcachofra (R$ 58, 400 g), em que quadradinhos de massa verde e branca são sobrepostas, abrigam um recheio de alcachofra, e tem um formato que lembra a flor comestível. "As duas camadas de massa são para proteger a umidade do recheio. Já a cor verde é um indicativo do que há dentro da massa. Nada é aleatório", explica Ana.
Arquiteta de formação, ela gosta de dizer que as suas massas são como folhas de papel com as quais ela desenha. "Adoro passear pelo mercado e ver os ingredientes que estão mais bonitos. O tempo inteiro eu estou pensando em novas combinações", diz a chef do Mesa III.
Evvai
Rua Joaquim Antunes, 108, Pinheiros. 3062-1160. Instagram: @evvai_sp
Mesa III
Rua Doutor Paulo Vieira, 21, Sumaré. 3868-5500. Instagram: @mesa3_pastificio
Modern Mamma Osteria
Rua Oscar Freire, 497, Jardins. Instagram: @modernmammaosteria
Picchi
Rua Oscar Freire, 533, Jardins. 3065-5560. Instagram: @restaurantepicchi
Shihoma Pasta Fresca
Rua Medeiros de Albuquerque, 431, Vila Madalena. 93819-2333. Instagram: @pastashihoma