Foi um tanto quanto mágica a experiência de comer no restaurante Don Sebastião, na pequena e turística cidade de Lagos. Não só a comida e o atendimento foram muito acima da média, como o proprietário da casa proporcionou ao grupo que lá estava algo especial: tomar um vinho do Porto, da coleção do dono do restaurante, de 1960. Uma iguaria.
Como já explicamos em Paladar, existem diferentes vinhos do Porto. São, basicamente, dois tipos: o Ruby e o Tawny. O segundo tipo é o que envelhece no barril -- fica ali até mesmo por décadas. Com isso, puxa muito mais o aroma da madeira e se aproxima de um uísque, ainda que tenha todas as particularidades que um vinho do Porto deve ter.
Já o primeiro tipo, o Ruby, é armazenado em grandes barricas, com capacidade de milhares e milhares de litros, para que o vinho tenha o mínimo de contato possível com a madeira. Depois, ele é envelhecido na garrafa -- por isso, é um vinho que deve ser tomado rapidamente depois que é aberto, já que começa a perder logo as suas características.
E foi o Ruby que o Seu João serviu pra gente. Não chegava a ser um Vintage, o melhor dos melhores, mas continua sendo um vinho de 64 anos -- e, com isso, ganha características únicas. Ao ser envelhecido no "casco", como os portugueses chamam a garrafa, ele envelhece sozinho, trabalhando o sabor daquele vinho dentro de seu próprio ecossistema. Nada daquele sabor puxado de madeira, algo que algumas pessoas realmente não gostam.
Como era o vinho do Porto de 1960?
Conforme apresentado pelo seu João, o vinho do Porto é um Krohn -- marca conceituada e bem antiga de vinhos do Porto. Estava lacrado, como manda o figurino. O dono da casa veio até mostrar a garrafa antes para fazer uma foto. Não é sempre que abre um desse.
Ao servir a bebida, com todo o cuidado do mundo, já ficou evidente que não se tratava de um vinho convencional. A bebida, em sua cor, puxa muito mais o caramelo -- há quem diga até que se parece com o chocolate. Era difícil conseguir uma boa foto ali da taça. Essa abaixo foi a única possível. Mas já dá para notar como há bem menos cor de vinho aqui.
O fato é que, mesmo na garrafa, o vinho trabalhou muito nesses mais de 60 anos em que ficou engarrafado. Seria estranho, na verdade, se a cor estivesse com outra tonalidade.
O Instituto explica que, nos primeiros cinco anos, o vinho do Porto mantem uma intensidade profunda, aromas exuberantes a frutos vermelhos e silvestres, tudo equilibrado por uma grande estrutura de taninos. Após dez a vinte anos - para além de se formar depósito - a cor perde alguma intensidade e atinge uma complexidade de aromas e sabores a frutos maduros. À medida que o vinho se aproxima da maturidade, o vinho torna-se tinto-alourado e a sua fruta adquire ainda maior subtileza e complexidade, com aromas de compotas, especiarias e caixa de charutos, enquanto o depósito começa a ficar mais representativo.
E foi isso que senti. Ao colocar o vinho na boca, percebe-se que há menos álcool em comparação com um Porto de 20 anos -- que tomei à beça na viagem. Há uma explosão de sabores na boca. Como explica o Instituto, há uma intensidade de aromas de compotas, principalmente. Achei que a história da caixa de charutos era bobagem, mas não é: também vem algo de tabaco no aroma. Tudo isso por conta dessa bebida armazenada há 64 anos.
Foi o melhor vinho do Porto que já tomei na vida. A complexidade é como um soco no estômago. Você percebe, naquele momento, como a régua de comparação era baixa. O vinho desce com suavidade, sem nunca brigar com o paladar. Ele amadureceu e percebe-se isso com facilidade -- até mesmo quem não entendia fez cara de espanto.
Queria uma garrafa dessa para mim, mas não é fácil. Encontrei uma garrafa em um leilão de vinhos e que foi vendida a 120 libras -- o que dá 763 reais. Não é tão caro para os padrões de vinho do Porto desta qualidade, já que um vintage de 1960 ultrapassa os R$ 6 mil. Mas é complicado demais achar um vinho dessa época e tão bem armazenado.
É realmente um vinho para ocasiões especiais e que mostra a complexidade da bebida. Como disse seu João, depois que alguém experimenta um, é uma perdição. Não tem volta.