Abre a boca e feche os ouvidos. Sem escutar o sotaque de Mario Panezo, o paladar do comensal é levado a acreditar que o Feriae é um restaurante de cozinha brasileira. Hipsterizado, sem receitas-clichê, mas brasileiro.
Diferentemente do engajamento com a sustentabilidade, classificar a comida não parece ser um esforço feito pelo cientista político colombiano, que se identifica mais com o cargo de diretor criativo do que com o de chef do lugar.
Contudo, ao renovar a maior parte dos menus, Mario propõe sabores, trilha sonora, cores e técnicas familiares não só aos paulistanos do Baixo Pinheiros. O plural refere-se à carta de drinks e de vinhos, ao menu executivo e ao cardápio propriamente dito.
De trás para frente, este aboliu a divisão "abre bocas", "petiscos", "meio da mesa", "principais" e "menu doce". Ficou menos prolixo, nem sempre menos redundante - e isso não é necessariamente uma crítica.
Um exemplo é o bolo de mandioca e coco, que acompanha sorbet de coco queimado, assim como tuille e caramelo de dendê (R$ 42). Coco com coco, dendê com dendê e bastante açúcar com açúcar.
Ainda mais ilustrativo é coelho a passarinho (R$ 59): quatro pedaços carnudos da carne dormem em marinada de cachaça intensamente perfumada por alho. Depois de prontos, recebem uma tempestade de mais alho.
Para ficarem prontos e bem douradinhos, como não poderia deixar de ser, eles são fritos em imersão. O que não impedem de virem irresistivelmente escoltados por outra gordice, uma maionese de pimenta.
Há redundância também na porção de bolinhos de peixe (R$ 56). A mandioca dá vida a uma farinha crocante caseira que empana a rillette (espécie de patê confitado de peixe) e ao tucupi que aromatiza o aioli. E, sim, mais uma vez, a fritura pede para ser chuchada em mais gordura...
Em defesa das gordices, elas sempre acompanham um limãozinho (queimado na brasa ou não) e uma porçãozinha de picles, que exercem aquela psicologia infantil, como a do abacaxi que ameniza uma refeição substanciosa.
Falando nisso, Mario gosta mesmo é de receitas substanciais: nas saladas troca folhas por vegetais na brasa, leguminosas, queijos e castanhas na salada do dia (R$ 52) e, na do executivo (R$ 89, com um principal e um docinho do dia), abusa de batata e maionese.
A inspiração para ela foi a nipônica "poteto sarada", porém, depois de pronta lhe lembrou as causas peruanas. De alguma forma remete também a um cuscuz paulista, uma maçaroca fria, temperadíssima e cheia de cores.
A sugestão para segui-la é o peixe (como o cambucu) com humus e vinagrete de feijões, com destaque ao feijão-de-porco, que lembra uma fava e é produzido organicamente em São Roque.
Aliás, é de lá que vem o novo vinho laranja da casa - que não, não é de garrafão. Como o branco da uva riba, é um natureba da vinícola Bellaquinta e estará disponível no e-commerce do Feriae, previsto para ser inaugurado no final deste mês.
Não custa frisar que os novos coquetéis não poderão ser pedidos pelo site, mas merecem embalar uma saideira abrasileirada, seja com o Salty Manga (com a fruta fermentada, laranja e cachaça, R$ 42), seja como o Julieta Sem Romeu (com cordial de goiaba, limão cravo, cachaça e grana padano nacional, R$ 42).
Feriae
R. Padre Carvalho, 171, Pinheiros. Ter. a sex., das 12h às 15h e das 19h às 23h; sáb., das 12h às 23h; dom., das 12h às 17h. Tel.: (11) 96381-0171