Não é só um docinho: restaurantes investem em alta confeitaria para não decepcionar clientes

Sobremesas atingem outro patamar no Brasil e ganham até restaurante exclusivo para elas

19 jun 2024 - 08h14
(atualizado às 17h27)
Jardim zen, sobremesa do Aizomê, com bombons de uísque que imitam pedras
Jardim zen, sobremesa do Aizomê, com bombons de uísque que imitam pedras
Foto: Rafael Salvador/Divulgação

"A vida é muito curta, coma a sobremesa primeiro." Eu não sei quem é o autor dessa frase, que já foi replicada um sem-fim de vezes. Mas acho que o dito cujo (ou a dita cuja) ficaria feliz em saber que tem gente (séria, competente), não só dando a devida atenção à sobremesa, mas indo além, criando menus inteiros com doces de cabo a rabo. Veja bem, não é a festa do açúcar. A confeitaria foi (finalmente) alçada a outro patamar.

O que antes se resolvia com um gelato mequetrefe (mas servido em quenelle, poxa, e com uma tuile com gosto de nada em cima) parece não colar mais. Quem gosta de comer bem - e paga por isso - quer degustar uma ou várias sobremesas de alto nível no final da refeição. Não adianta pensar um menu em seus mínimos detalhes e negligenciar a última etapa do serviço, delegando-a ao cozinheiro menos ocupado. "É frustrante demais", define Bianca Mirabili, chef de confeitaria do Evvai, "é por isso que em restaurantes à la carte, a maior parte das pessoas nem pede sobremesa", comenta.

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Só o bolo de mel de mandaçaia, que é só um dos componentes da sobremesa, eu fiz e refiz umas trocentas vezes. O mel acabava e eu ligava pro Eugenio [Basile, da MBee] e falava "manda mais mandaçaia pelo amor de Deus". No fim das contas, o pão de mel 2.0, ficou mais gostoso e muito mais conceitual.

"Tem sobremesas no Evvai que marcam a clientela e essa é uma delas. Não importa quantas vezes o menu já tenha mudado. Tem cliente que vem e sempre pergunta: vai ter o pão de mel?", conta Bianca.

No menu atual, a equipe de Bianca solta durante o serviço uma pré-sobremesa, uma sobremesa, um picolé e os petit fours. Aqui vale um pequeno desvio para contar sobre a cena criada para o serviço desse picolé (o da vez é o de croissant; o mais famoso, talvez tenha sido o de foie gras com goiabada), que chega à mesa num carrinho equipado com uma buzina tal e qual a dos vendedores ambulantes.

De volta às receitas, a maçã verde carbonatada com iogurte de ovelha e carpaccio de pepino, entra no curso para limpar o paladar. Depois, é servida a cocoliflor (pegou o trocadilho?!), uma sobremesa monocromática, que brinca com as texturas do coco e da couve-flor e ainda vem um creme de milho tostado para arrematar.

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Comer (primeiro) com os olhos

Se em boa parte dos restaurantes à la carte os clientes, muitas vezes, acabam pulando a sobremesa, no Manga, em Salvador, há quem vá até a casa só por causa dela. "Eu fico tão feliz, faço questão de ir até a mesa", conta Kafe Bassi, que divide a batuta da cozinha com seu marido Dante Bassi - enquanto ele cuida da cozinha salgada e charcutaria, ela fica responsável pelos doces e pela panificação.

"Desenvolvemos os pratos doces com o mesmo empenho com que desenvolvemos os salgados", garante Kafe. E a concepção de uma sobremesa, segundo ela, pode levar meses. "A ideia geralmente vem do produto, eu gosto muito das frutas que encontro por aqui, elas são incríveis e muito pouco exploradas."

Maracujá do mato e cogumelos, pré-sobremesa do Manga, em Salvador
Foto: Leonardo Freire/Divulgação / Estadão

Kafe nasceu na Alemanha e, apesar de morar na Bahia desde 2017 (antes, também passou uma temporada em São Paulo, quando trabalhou no D.O.M.), segue se encantando com as frutas nativas. "Tem coisa que nunca vi na vida. Provo uma vez, duas, três, tento comparar com algo parecido que eu já tenha comido e daí começo a testar os preparos."

Não à toa, muitas das sobremesas que ela cria assumem o formato do próprio ingrediente. "Na confeitaria, se você se organizar, consegue entregar pratos muito elaborados. Não tem tanto aquela coisa da cozinha salgada de fazer tudo na hora. Então eu gosto muito de trabalhar o visual dos pratos", comenta.

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É o caso da pré-sobremesa que está em cartaz no menu-degustação. Ela combina maracujá do mato e cogumelos e chegue à mesa camuflada: você não sabe o que é maracujá in natura e o que é a sobremesa de fato.

A mesma brincadeira, Kafe fez com a sua versão helicônia. "Dante trouxe a flor da feira orgânica, pra gente decorar o restaurante, mas ela era tão linda, que eu tinha que fazer algo mais." Então o mousse de iogurte e samburá com mel de abelha uruçu e flores assumiu o formato da folha multicolorida da planta.

Como diz a legenda de um post no Instagram do restaurante: "No Manga, é crucial guardar espaço para a sobremesa". E é mesmo.

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