Com os preços do cacau nas alturas, a páscoa pode ficar mais indigesta. Não só pela questão econômica, mas pelo caminho que alguns fabricantes encontraram para oferecer barras de chocolate com... menos chocolate. Seja por meio da substituição, com adição de gorduras vegetais ou açúcares, ou com “enxertos” de recheios, os chocolates disponíveis nas prateleiras precisam ter sua lista de ingredientes observadas com atenção, segundo a médica nutróloga Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).
“Para ser considerado chocolate no Brasil, o produto precisa ter 25% (g/100 g) de sólidos totais de cacau (massa, pasta, licor, pó ou manteiga de cacau). Isso por que o cacau contém uma quantidade significativa de gorduras boas (40-50% em manteiga de cacau, com aproximadamente 33% de ácido oleico, 25% de ácido palmítico e 33% de ácido esteárico). Ele também contém polifenóis, que constituem cerca de 10% do peso seco de um feijão inteiro. O cacau é uma das principais fontes de polifenóis na dieta ocidental, contendo mais compostos fenólicos do que a maioria dos alimentos. Portanto, entender a lista de ingredientes é o ideal para não se afastar dos benefícios desse alimento”, explica a médica nutróloga.
Grãos de cacau
A médica explica que há três grupos de flavonoides nos grãos de cacau: catequinas (37%), antocianidinas (4%) e proantocianidinas (58%).
“Essas substâncias são os fitonutrientes mais abundantes no cacau e responsáveis por seus benefícios relacionados às ações anti-inflamatória, antioxidante e vasculotônica”, afirma a Dra. Marcella Garcez.
O problema é que esse ingrediente nobre está com o preço nas alturas. “Há alguns anos, o preço do cacau estava na casa dos US$ 3,5 mil a tonelada. Na virada do ano, passou para US$ 4 mil/tonelada e, recentemente, alcançou a marca de US$ 6 mil. O que explica esse fenômeno é que as plantações de grãos de cacau são suscetíveis a condições climáticas adversas, como o fenômeno El Niño. Esses ambientes exigem chuvas consistentes e temperaturas quentes. Na África estão os maiores produtores de cacau do mundo, principalmente a Costa do Marfim, e a produção tem sido menor do que as expectativas”, destaca Marcella.
Mudança de fórmula
Com isso, as indústrias alimentícias mudam fórmulas ou lançam novos produtos com mais doces e menos chocolate na fórmula. Recheio de doce de leite, brigadeiro, mousse de frutas, caramelo e café já estão presentes até mesmo nas barras de chocolate – e não só nos ovos de páscoa recheados. Em muitos casos, a nomenclatura que designa o que é o produto não fica clara para o consumidor.
Alguns bombons, há alguns anos, deixaram de ser chocolate e passaram a ser wafer sabor chocolate. A mudança sutil empobreceu o conteúdo nutricional do doce.
“Um doce sabor chocolate não atende às exigências para ser chamado de chocolate e, portanto, não tem nem mesmo 25% de sólidos de cacau. É muito provável que esse alimento tenha uma lista de ingredientes gigante, com nomes pouco familiares e adição de químicos, conservantes, corantes artificiais ou realçadores de sabor, que não tem nutrientes para o corpo, mas que algumas pesquisas os associam ao aumento de doenças metabólicas. Dependendo de sua composição, se for mais rica em açúcares e gorduras, esses alimentos podem ser alimentos hiperpalatáveis e estar envolvidos na ativação do nosso circuito de recompensa, criando uma experiência altamente gratificante. Assim, fica difícil parar de comê-los, mesmo quando já estamos saciados”, diz a médica nutróloga.
Enquanto o açúcar está ligado ao aumento de doenças metabólicas como diabetes e obesidade, a gordura vegetal hidrogenada, também conhecida como gordura trans, aumenta os riscos de desenvolvimento de doenças cardiovasculares (infarto e derrame).
Como escolher um bom chocolate?
Para alegrar os paladares mais amargos e oferecer uma opção mais nutritiva, os chocolates acima de 70% são as melhores opções.
“Eles contêm mais cacau. Seria ótimo se o nosso paladar fosse educado ao cacau 100%. No entanto, a amargura causada pelos polifenóis torna os grãos de cacau não processados bastante desagradáveis. Os fabricantes, portanto, desenvolveram técnicas de processamento para eliminar o amargor, criando chocolates com menor teor de cacau (ao leite, com oleaginosas, meio amargo e o branco). Tais processos reduzem o conteúdo de polifenóis em até 10 vezes: para os consumidores, o produto é marcadamente diferente, principalmente devido ao baixo teor de polifenóis e às outras substâncias adicionadas durante a fase de processamento (por exemplo, açúcar e emulsificantes como lecitina de soja)”, diz a médica.
Na lista de ingredientes do chocolate amargo, o cacau pode vir acompanhado do açúcar ou adoçante – e no máximo o emulsificante.
“É bom lembrar que essa não é necessariamente uma opção menos calórica, pelo teor de gorduras naturalmente presente no cacau, portanto deve ser ingerido com moderação por pacientes em sobrepeso”, diz a médica.
As opções ao leite e com oleaginosas, podem aumentar um pouco mais a lista de ingredientes, com adição do leite e da oleaginosa, como avelã, noz e amendoim.
“Apesar de serem calóricas, as oleaginosas adicionam nutrientes ao produto, como o ômega-3, que ajuda no controle do colesterol, possui propriedades anti-inflamatórias, melhora a circulação e o desempenho cognitivo”, afirma a nutróloga.
E como fica o chocolate branco?
No caso do chocolate branco, o consumo dele deve ser eventual. “O chocolate branco é fabricado a partir da manteiga de cacau, sendo composto basicamente de gordura, açúcar, leite e aromatizantes. Ele não é feito com a massa de cacau, mas sim com a gordura da fruta. Mas quem não abre mão do chocolate branco pode optar pelas versões sem açúcar para minimizar seus malefícios à saúde, sem esquecer que a guloseima é rica em gorduras, portanto as opções que trazem mais gordura adicionada devem ser evitadas. Chocolates recheados e que trazem ingredientes que agregam ainda mais açúcar ao produto, como doce de leite e brigadeiro, também devem ser evitados”, recomenda Marcella.
Apesar de nenhum chocolate ser proibido e ser possível encaixar quase todos na dieta, principalmente com consumo esporádico, no final das contas, é importante controlar o consumo diário. O ideal é consumir de 25g a 50g de chocolate por dia, dando preferência às opções com maior concentração de cacau, como o chocolate amargo.
“Ou seja, um ovo de 200g de chocolate deve ser consumido, em média, em uma semana. Seguindo essas dicas, não há necessidade de estratégias para inibir o apetite antes do consumo ou para diminuir o índice glicêmico do alimento. Isso porque, no geral, o chocolate possui baixo índice glicêmico e, se composto por mais de 65% de cacau, também é um alimento funcional, possuindo índice glicêmico ainda mais baixo”, finaliza Marcella Garcez.
(*) HOMEWORK inspira transformação no mundo do trabalho, nos negócios, na sociedade. É criação da Compasso, agência de conteúdo e conexão.