“Feliz Dia das Mães, pai”. É esta a mensagem escrita no cartão que todos os anos o cantor e apresentador Ronnie Von recebe no segundo domingo de maio, desde a década de 1970. Ronnie assumiu a guarda dos filhos Alessandra e Ronaldo, na época com cinco e seis anos, após a separação: “fiquei mãe. Tudo o que uma mãe faz, um homem pode fazer, só não gero um filho porque a fisiologia não permite. Mas até amamentar eu posso, faço uma mamadeira irresistível”.
Músico, ele pôs o pé no freio para as viagens, colocou a “barriga no fogão”, aprendeu a lavar, passar, arrumar e virou especialista em rendas e bordados. Apelidado de “Mãe de Gravata” pela amiga de infância e atual mulher, Ronnie faz parte do grupo de pais maternos, uma realidade que mais que duplicou no Brasil nos últimos cinco anos. “Os homens que ficam com a guarda dos filhos estão chegando a 6%. Há cinco anos, em 95% dos casos a guarda ficava com a mãe, 2,5% com os pais, e 2,5% com tios, avós ou em abrigos”, estimou o presidente nacional da Associação de Pais e Mães Separados (APASE), Analdino Rodrigues Paulino Neto.
O marco para a “mudança social”, segundo Neto, foi a “queimada do sutiã”, na década de 1960. “Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, como ficam os filhos, a família e a casa?”, questionou. A solução foi o surgimento de um homem moderno, que participasse dos cuidados domésticos e dos filhos: “tivemos um retorno do homem ao lar”. É também a observação da psicóloga Anna Mehoudar, de que à medida que a mulher dá espaço, o homem fica cada vez mais presente.
Pai do casal de gêmeos Gianmarco e Francesca, o advogado Eugênio Palazzi teve a oportunidade. “Sempre estive junto, levantava de madrugada para dar mamadeira, porque às vezes a mãe não dava conta dos dois. Dava banho, comida, sempre fui participativo”, contou. O desejo pelo divórcio veio quando os filhos estavam com sete anos e ele não quis ser aquele pai de finais de semana e férias: pediu e ganhou a guarda dos gêmeos. “O homem, de uns 20 anos para cá, não se conforma em estar apartado da educação dos filhos, querem participar”, avaliou Anna, também fundadora do Grupo de Apoio à Maternidade e Paternidade.
Paizões profissionais
As histórias de Ronnie e Palazzi trilharam caminhos parecidos: os dois se depararam com um casal para criar e precisaram se transformar em um pacote paterno e materno. “Tive que me adequar e ter cuidados especiais com Francesca, entender coisas de mulher, conhecer roupas de menina, de ballet”, citou Palazzi sobre as mudanças que fez, além de ser mais sensível, delicado e compreensivo, preocupado em dar o amparo emocional aos filhos.
Se a menstruarão exigia a presença e apoio da mãe, as coisas mudaram e os pais tiraram de letra. “Não existe coisa mais simplista. Alessandra ganhou uma aula de ovulação aos nove anos”, contou Ronnie. Uma enciclopédia com folhas de celofane que compunham o corpo humano, desde a epiderme até o esqueleto, serviu como base para o cantor. Ele explicou o que é útero, ovário, “como faz neném” e “que a mulher nasce com quantidade de ovinhos que são eliminados todo mês”.
O primeiro ciclo menstrual de Alessandra aconteceu no ano seguinte, no meio da noite. “Fomos à farmácia, abri um espumante e disse que era um momento para comemorar. A relação que minha filha tem comigo até hoje é de mãe”, contou. Era Ronnie quem comprava lingerie para ela, ele fez curso de paramédicos para fisiologia feminina e passou a integrar o grupo da Luluzinha nos jantares que promovia em sua casa. “Tenho uma visão feminina da vida”, disse. No segundo casamento, já sabia tudo sobre maternidade: “Quem ensinou minha mulher a trocar fralda fui eu”, contou sobre o terceiro filho.
Dois homens, duas mães
“Agora vou ter dois pais”. “Quem?”. “Você e outro que está na cozinha”. O diálogo com a filha adotiva Teodora, no primeiro dia em que ele era pai formalmente, ainda está vivo na memória do cabeleireiro Vasco Pedro da Gama, casado com Dorival Pereira de Carvalho Junior há 21 anos. Na época com 4 anos, ela foi a primeira menina brasileira a ser adotada legalmente por dois homens.
Teodora entendeu a estrutura familiar como “dois pais”, mas, na verdade, Vasco e Júnior são verdadeiras mães para ela. Eles se revezavam entre dar comida, banho, trocar fralda e levar à escola. A receita deu certo e o casal adotou Helena, dois anos, no ano passado, irmã biológica de Teodora. A princípio eles não sabiam da ligação, foram descobrir após notarem semelhanças entre as duas e investigarem a mãe da caçula.
“Como somos autônomos, temos nossos próprios horários. A Teodora estuda de manhã, um de nós acorda às 6h, leva para escola e volta para casa. A bebê dorme até 10h. Quando ela acorda, a gente troca ela e dá banhinho. Helena entra às 13h na escolinha, aí a gente deixa uma e pega a outra. A Teodora vem para casa, faz a lição de casa e vai praticar esportes no clube”, descreveu Vasco sobre a rotina que tem as tarefas compartilhadas entre ele e o companheiro. Aos finais de semana, o lazer é cinema, passeio no shopping, parquinho ou zoológico.
Se alguns paizões solteiros sofrem preconceito por criarem filhos sem uma mãe, como relatou Ronnie sobre as dificuldades que passou, a situação com a família de Vasco e Junior foi esclarecida desde o início. Os pais de Teodora explicaram que eram homossexuais e a importância do respeito às pessoas e à diversidade. “Hoje, com 11 anos, ela entende, fala do assunto abertamente para os amigos e defende”, disse Vasco.
A função materna é acolher, alimentar, escutar, enquanto a paterna é do “estrangeiro”, do que interfirá e se coloca entre a mãe e o bebê, diferenciou a psicóloga Anna. “Os pais estão querendo desempenhar a função materna e a rigor ela não depende do sexo”, explicou.
Separação, guarda e alienação parental
Segundo Palazzi, a legislação que permite ao pai ter a guarda das crianças “chega para acabar com o estigma de que ninguém mais tira os filhos da mãe e que se o pai for mais adequado os filhos ficam sob os cuidados dele”. Ronnie viveu um processo amigável para conseguir a guarda, Palazzi passou por litígio na Justiça, conseguiu a guarda e hoje tem bom relacionamento com a mãe dos filhos. No País, “80% das separações são litigiosas”, disse Neto, presidente da APASE.
Segundo dados da associação, um terço dos casais brasileiros se separou uma vez, portanto, um terço de crianças e adolescentes entre 0 e 17 anos (20 milhões) são filhos de pais separados. Deste um terço, 80% (16 milhões) passam por alienação parental. Dependendo do grau do problema, a criança jamais volta ao equilíbrio antes do litígio, disse Neto.
O funcionário público Cosme Corrêa se encaixa na situação. “Quando a mãe surtou é que a coisa ficou ruim. A pequena surtou junto”, lembrou os momentos após a separação, quando Sofia, hoje com seis anos, estava apenas com dois. Cosme, que já gostava de dar banho, trocar fralda, alimentar e cuidar da filha não queria perder o contato, mas a guarda foi dada à mãe e a briga na Justiça começou. “De contato diário passamos a conviver apenas quinzenalmente”, contou. Somente há um ano ele conseguiu a guarda compartilhada e o litígio teve fim.
Sofia passa 50% do tempo na casa do pai. Para cuidar da filha, ele consultou desde “pedagoga à varredora de rua”. “Aprendi sobre higiene, punição, motivação e manifestação de carinho”, contou. Às segundas, quartas e finais de semana alternados, a pequena fica com o pai. Sofia costuma chegar em casa, fazer o dever, tomar banho, jantar, assistir TV e jogar videogame.
“Toda quarta-feira ela me dá aula de piano, do que ela aprendeu de manhã”, acrescentou. Todos os momentos marcantes, Corrêa compartilha no blog Princesa com Pai Plebeu. “Fui um filho abandonado pelo pai. Não suportaria fazer o mesmo. Aquela coisinha pequena que corria na minha direção e me chamava de pai. Não podia abandoná-la”, concluiu.
No mundo
Países europeus enfrentam problemas similares aos dos brasileiros em relação a divórcio e guarda dos filhos. A exceção, segundo Neto, é a Alemanha em que a guarda compartilhada é cedida ao genitor que possibilitar mais acesso ou convivência entre o outro parceiro e a criança. O advogado Palazzi está à frente do tempo no Brasil. Apesar de ter a guarda dos filhos, permite que a convivência seja como a compartilhada. “Ela participa da educação, decisões e de tudo em relação à vida das crianças”, contou.