Há alguns anos, durante um curto período, o médico me proibiu de comer sal. Os três primeiros dias foram de desespero. Tudo interditado. Atenta ao que levava à boca, eu enlouquecia com o cheiro macio do salaminho ou das batatinhas crepitando com aqueles gostosos cristais de cloreto de sódio brilhando sobre a casca.
Na verdade, o que eu ingeria de sal por dia, como a maioria das pessoas, era um bocadinho de nada, tiquinho. Mas, foi tirar essas duas gramas e tudo se desencaixou. Minha língua se agitava, minha cabeça se agitava, eu inteira me agitava. Onde haveria contentamento sem aqueles poderosos grãos?
Felizmente, serenando aos poucos, lá pelo quarto ou quinto dia, as coisas sossegaram. A procura pelo sabor salgado amainou, deixou de ser obsessão, fui me acostumando a passar com quase nada dele, aguçando outros prazeres, outras gratidões para o paladar.
Essa experiência de privação me ensinou muito sobre sensorialidade, gula, vontade, desejo, abundância, escassez e aguçamento. Como tudo isso se organizou para mim? Senti na pele para entender que o mundo não deve ser devorado e sim degustado. A saciedade é bem-vinda, o empanturramento não. A vida, leve e divertida, deve ser uma brincadeira e não uma farra que nos esgota. Compreender essa sutil questão requer, muitas vezes, um duplo movimento de amadurecimento.
Duas aprendizagens interligadas que nos elevam para patamares superiores de espiritualidade. Primeiro movimento: reconhecer a preciosidade de uma paixão justamente porque ela nos foi tirada. Quando estava ali, ao alcance da mão, abundante, não recebia o reconhecimento merecido. É experiência dura, mas importante para abrir nossa consciência em relação à finitude.
Segundo movimento: adaptar-se às alterações, construir soluções com o que se tem em mãos, recriar a felicidade com aquilo que restou. É experiência igualmente dura, mas importante para abrir nossa consciência em relação ao futuro.
Vencer essa etapa na vida é bastante produtivo para o carma. Aceitar a imperfeição que pode se manifestar em tudo, e, apesar disso, não esmorecer. Levantar defesas possíveis e seguir adiante, secando com risos as lágrimas, é abrir os braços para as grandes verdades do esoterismo: poder viver melhor nesse ponto em que nos encontramos, misterioso, equidistante entre futuro e finitude.
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