Como é estranha e comum essa condição de querer ser o que não se é. Deixar visível nosso gosto desesperado pela imperfeição, pela incompletude, pela falha. Nossa fragilidade, ansiedade, apoquentamento.
Quem está numa banda olha invejoso os que estão noutra: “ah, aqueles são os sortudos!”. Os de lá, inversão em espelho perfeito, invejam justamente os de cá: “ah, aqueles felizardos”.
Dura ironia, nosso descontentamento de quem dorme num beliche. Quem ocupa a cama de baixo, atormentado, acredita convictamente que a de cima é melhor. Na de cima, a certeza é oposta, a certeza de que a de baixo é imbatível.
Pobre de nós, espíritos inquietos por tão pouco: o pequeno, o detalhe, o fragmento, o desimportante. Custa-nos compreender e acatar nossa real condição de igualdade, ultrapassar a mesquinharia das aparências.
Em matéria e mérito de transcendência, “a parte mais importante” (como ensinou Cristo na visita à casa de Marta e Maria), os valores decisivos, as referências fundamentais, não são o carro ou a camisa, o celular ou o sofá; nada de grife, marca, importado, customizado, assinado, personalizado, primado, vipado, coisas assim.
Na medida em que amadurecemos e nos tornamos mais lúcidos (atenção, amadurecer é diferente de envelhecer), compreendemos com crescente transparência o peso e o sentido real de cada ilusão, cada necessidade, cada sedução. A grandeza está, justamente, em ser capaz de avaliar a força fundamental da Inteligência Universal.
Dessa maneira, além de deixar de lado brilhos enganosos, é importante cultivar o próprio jardim e livrar-se da inveja que as flores alheias despertam. Nossa natureza incorre frequentemente nesse equívoco, fonte de medo, angústia e tormenta.
Que importa se um assoalhou a casa com ouro, se outro sorve baldes de champanhe, se esse veste um manto cravejado de diamantes, se aquele banqueteia a rara carne de araras azuis.
Como os sábios de verdade, desprendidos das ilusões, fundamental é um teto sereno sobre a cabeça, um cristalino copo d’água, um despojado linho sobre o corpo e o honesto pão do amor sobre a mesa. Entre os ouropéis e a humildade, a última jamais nos engana.
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