Moro num apartamento em um andar bem alto. Espiando pela janela, lá embaixo, as pessoas parecem formiguinhas. Para maior nitidez, preciso descer à rua, cruzar a esquina, caminhar na praça, ver os passantes.
Funciona como um laboratório para que eu possa entender melhor e analisar, ao sabor das sincronicidades, a temperatura e força espiritual do nosso tempo, indagação sempre desafiadora.
Nesses dias de friozinho, outono derivando para inverno, a natureza vibrando, descubro-me numa manhã plena, admirável: sol limpo iluminando as folhas, vento cristalino acariciando o rosto.
Contrasta com esse cenário geladinho a pressa das gentes. Muita perambulação. Seres humanos para lá e para cá, pessoas ensimesmadas; muito movimento e pouca receptividade, pressa e preocupação.
Minha atenção é capturada pela garota com o cãozinho, um poodle todo peludinho e pequeno. Eles não estão tranquilos. O passeio não é afável. Visivelmente apressada, a dona puxa pela coleira, obstinada, abreviando o passeio ao ar-livre. Cruza por mim ligeira, impaciente. Língua de fora, o bicho tenta acompanhar, tropeçando, as patinhas vibrando como num desenho animado.
Passam voando. A cena me marca. Assim estão as coisas: acidentadas, descentradas, afobadas! Cozinhar, conversar, fazer exercícios, conviver, contemplar, tarefas que tornam a vida mais genuína e que precisam ser sorvidas aos pouquinhos.
Ninguém bebe acelerado, aos goles, uma taça de vinho. Para apreciar uma música precisamos ouvir as notas, sem atropelo. É preciso correr menos, afrontar essa perda de parâmetros, encontrar verdadeiras razões. Encaixar adequadamente nas propostas, sentir o contorno, andamento, o ritmo.
Um pouco aturdida com a intensidade dos meus pensamentos, olhei para o outro lado e vi uma cena complementar. Um morador de rua esticado ao sol, rodeado por seus dois cães, vira-latas espertos, que brincavam felizes.
Percebi assim, uma lição canina, como ainda persiste uma necessidade grande de coisas que signifiquem ligação com o mundo, coisas que alimentem a alma e permitam apreciar a vida. Os cães podem fazer essa ligação, mas, quando a batida natural não é respeitada, infelizmente, a alma segue faminta. Faminta e aflita.
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