Os antigos gregos e romanos, sempre lúcidos e certos, estavam cobertos de razão quando diziam “vinho é vida”. A bebida fortificou nossa trajetória humana: alimento para o corpo, inspiração para a mente, romance para o coração, gotas divinas para o espírito. Ela ampara, diverte, aquece, transcende.
Bebida eucarística, da celebração, do encontro, da comunicação, da comunhão, ela é um fio líquido que amarra Deus e a Humanidade. Produto natural, quase sagrado, resultado direto da bondade da natureza, não deixa de ser, ao mesmo tempo, artificial. Depende em grande medida das virtudes da capacidade e competência do trabalho terreno (literalmente inclusive), intervenção criativa no destino traçado pelas forças cósmicas.
Os melhores vinhos são assim, metáfora perfeita da nossa condição e desafio: nascem como resultado direto da harmonia e graça, complementadas pela atividade intelectual do viticultor, trabalho caprichoso como tutor do fruto da videira. Filho do sublime com o criativo, depende de dezenas de grandes e pequenas decisões, escolhas, intervenções.
Convém lembrar que sem o acompanhamento do homem o resultado instintivo da maceração das uvas não seria o vinho, mas sim o vinagre. Para não azedar, existir com suas qualidades, como em tudo na aventura das nossas vidas, a boa bebida requer amparo e proteção.
Essa troca entre nós e o mundo começa na base. O processo todo se inicia longe das nossas taças, perto da terra. A videira – planta bravia que domesticamos, afinamos, apuramos para nosso bel prazer – precisa ser conduzida: compasso, poda, desfolha, muitas eloquentes tarefas.
A sequência toda será longo processo revelador de cultura e conhecimento: data de colheita, controle de temperatura e fermentação, envelhecimento em barris. Vamos, passo a passo, fazendo riqueza a partir da pobreza, do mal arrancamos a bondade.
Dessa forma, sem intervenção, sem regra e sem valor, à solta e entregue a si próprio, o vinho não vai se fazer sozinho. Assim também nós mesmos, ao longo da nossa jornada. É preciso um processo que leve ao coroamento daquilo que há de melhor nas duas esferas que ocupamos, a das coisas físicas e a das coisas espirituais.
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