Nesses dias de inverno eu tinha um compromisso logo cedo. O despertador tocou. Caí da cama desesperada por um fumegante expresso com um pingo de leite e o pãozinho amanteigado de cada dia. Corri até a padaria da esquina – clássico! As pessoas estavam com um terrível humor: amassadas, emburradas, já cansadas ainda que não fosse sequer sete horas da manhã.
Após passar no caixa, saindo ao lado de outras pessoas apressadas para mais um dia de longa labuta, encontro na calçada, acordando tranquilamente, ainda aconchegado em uns papelões e cobertores, o mendigo que por ali habita há muitos e muitos anos.
Um rapaz indagou: “dormiu bem?” Ele, sério, desconcertando a jocosidade da pergunta: “sim. Mesmo com esse frio, sono dos anjos, tranquilo e cheio de sonhos. Montei minha barraquinha por volta das oito da noite de ontem e embarquei”. Puxa, pensei, que beleza. Calculei que poucos ali tinham dormido mais do que cinco ou seis horas. Ele era o mais bonificado de todos.
A cena me lembrou de uma matéria jornalística que li há pouco tempo. Tratava dos planos de um consórcio espacial para colocar em órbita satélites que refletiriam a luz do Sol para a Terra. De uma altitude de 1700 quilômetros, uma série de refletores de 70 metros de diâmetro iluminaria, cada um, uma área de 25 quilômetros quadrados aqui em baixo, reduzindo o consumo de energia elétrica.
Fiquei preocupada. Além de perdermos a beleza profunda e enigmática do céu noturno, também haveria, suponho, sérias consequências fisiológicas, uma vez que a ausência de alternância regular entre noite e dia altera padrões metabólicos, inclusive o sono.
Mas, pensando bem, de qualquer modo, este problema já se estabeleceu em nossas grandes cidades, permanentemente envoltas na intensa iluminação, acordadas 24/7, uma engrenagem contínua de trabalho e consumo – superabundante, sem pausas, sem limites.
Complicado aceitar essa eliminação do sono (e talvez do sonho). As estatísticas sobre o aumento do uso de soníferos mostram que todas as noites milhões de pessoas usam drogas indutoras do sono.
Naquela manhã preguiçosa e gelada, o mendigo da porta da padaria ensinou que uma melhora nas condições espirituais permitiria às pessoas dormir profundamente e acordar refeitas. Para ele, o sono, afirmação de forças esotéricas fundamentais, não é um problema – não deve ser adiado ou diminuído. Ele sabe que os seres humanos precisam desligar, não são máquinas que operam 30 horas seguidas. Claro que ele também conta com a sorte de não precisar acordar uma ou mais vezes durante a noite para verificar as mensagens da internet.
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