Almas gêmeas, esse era o caso. Uma atração forte, de outras esferas do espiritual, marcada, em geral, por ciclos de idas e vindas, separações e retornos. Percebi que se tratava disso assim que ela começou a contar.
“A gente se cruzou por puro acaso”, ela me disse. Continuou sorrindo: “ao olhar para ele, por mais estranho que possa parecer, foi como se os meus olhos entrassem nos olhos dele. O que eu vi? Eu mesma, justamente, bem ali, na frente dele, olhando para ele. Foi um segundo que passou devagar, tudo ficou congelado, como se o tempo, demorando, não quisesse fluir”.
Ela, como se tivesse abandonado seu corpo, enxergou-se a si mesma nos e através dos olhos dele, olhando justamente para ela que, agora, apaixonada, contemplava-o embevecida. Ou seria mais apropriado – e espero não embananar mais o leitor! – dizer olhando para si mesma. Magicamente admirando o que dela havia nele. Que momento intenso, instante de eternidade em que reencontrando com ele, ela, reencontrava mais verdadeiramente consigo.
Com algum trabalho desfiz no raciocínio o nó de sentido dessa cena inspirada, jogo de espelho para espelho que minha cliente apresentava quase sem fôlego. Perguntei: “e então? O que aconteceu? Como foi a reação dele?” Tinha medo da resposta, as ordenações do carma poderiam impedir como algumas vezes ocorre.
“Ele ficou um pouco mais do que eu fora do ar, no mundo da lua. O barulhinho do elevador soou, indicando que chegava o andar. O sininho me trouxe para o chão, minha ficha caiu. Ele permaneceu atônito, olhando paralisado para mim. Estendi o braço para bloquear a porta e perguntei se ele também não descia naquele andar”. Ao ouvi-la, meus dons de vidência foram inundados pela imagem de metros de tecido branco: ela coberta por panos macios, cetins e sedas.
Aliviada disse, quase suspirando: “Já sei”. Ela me interrompeu: “não precisa dizer nada. Sei que você sabe. Eu também sei. Quando ouviu minha voz perguntando se não descia ali também, ele deixou cair a chave que trazia nas mãos. Foi esse outro som, parecido com aquele primeiro do elevador, que o despertou. Abaixou, pegou a chave, levantou-se e me perguntou se eu trabalhava naquele andar”.
Sim, trabalhavam os dois ali, vizinhos um do outro, já há mais de dois anos. Corpos e almas convivendo em relativa proximidade, porém ainda separados por misteriosas tramas do destino. Não tinham se visto nunca antes desse momento. Felizes agora, não se largam. É assim quando as forças e energias conspiram a favor: pode ser no elevador ou na escada, no ônibus ou no metrô, no portão ou na porta, na esquina ou simplesmente atravessando uma rua qualquer.