Ansiedade e angústia estão espalhadas por aí e dominando cada vez mais, não é mesmo? É uma coisa sem limite, nervosa, mutante, deixando uma impressão de que estamos sempre atrasados, sem tempo.
No meio de tanto movimento e mudança, a espiritualização acena como possibilidade para construção de uma vivência subjetiva mais densa, pessoal, legítima: um porto abrigado em meio aos tufões e maremotos.
Ela ensina, sem deixar de encarar o que vem adiante, a respeitar o que passou, olhar para trás. Ai é questão de relembrar o que realmente acrescentou algo de felicidade na vida. São situações de conforto e bem-estar que, ao serem revividas na memória, permitem uma pausa, descansam e fortalecem para as persistentes batalhas de todos nós.
Dia desses aconteceu comigo. Quando a manhã ainda seguia fresquinha, resolvi exercitar-me. Tirei dez minutos para tranquilizar a mente. Aquietei os pensamentos, acalmei a respiração, e, de olhos fechados, fui surpreendida pela memória de um simples prato de macarrão com alcachofra (talvez por ser outubro, época delas) – danado de bom!
Difícil avaliar o valor exato duma coisa assim. Só sei que é bom ser acariciada de novo pelas coisas vividas: mostra que valeu a pena o que passou e, mais ainda, que o que vem adiante também poderá (e merecerá) valer igualmente a pena.
Na tridimensionalidade do viver (ontem, hoje e amanhã), costumamos afastar, se assim posso dizer, o primeiro termo, descartar o que passou. É equívoco. A espiritualização ensina peneirar a memória para ver o que se mantém, ganha duração e desafia a contingência efêmera dos eventos. As coisas assim fixadas, mais além do aqui e do agora, do ali e do então, eternizam-se como exemplo e podem nos abrigar nos dias frios dos invernos de solidão e desesperança.
Andamos ansiosos em busca de novidades. A vida, contudo, não é um borbulhante presente infinito de fluxo contínuo, é feita também de memórias, de lembranças. Através delas você pode encontrar (e será agradável) aquele eu silencioso dentro de si, coisas que um dia se perderam sem que você se desse conta, pedaços afortunados da jornada, gostosos como o meu macarrão ou qualquer outra coisa que revele a densidade profunda da condição humana.
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