Jairo Bouer: Selfies e filtros podem colocar saúde mental em risco

O uso maciço de filtros pode estar colocando em xeque a autoestima das pessoas e aumentando a busca por procedimentos estéticos

10 ago 2023 - 15h16
(atualizado às 16h26)
58% dos brasileiros disseram que o nível de cobrança estética se tornou irreal devido ao uso exagerado desses filtros
58% dos brasileiros disseram que o nível de cobrança estética se tornou irreal devido ao uso exagerado desses filtros
Foto: Imagem: kevin laminto/Unsplash

Cada vez mais gente usa filtros para editar suas fotos e publicar as imagens nas redes sociais. A onda que vem crescendo nos últimos anos pode estar impactando a saúde mental de boa parte da população, principalmente mulheres jovens. Mas será que há formas de alertar sobre os riscos envolvidos nessa prática?

Uma pesquisa de 2022 encomendada pela Allergan Aesthetics, empresa de tratamentos estéticos médicos, que entrevistou 650 brasileiros entre 18 e 50 anos, mostrou que 94% concordam que o uso exagerado de filtros prejudica a autoestima. 58% disseram que o nível de cobrança estética se tornou irreal devido ao uso exagerado desses filtros. Apesar dessa clareza, 40% usam filtros com frequência, e outros 37% usam ocasionalmente. 

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Os filtros, que antes eram mais estáticos e tinham possibilidades bastante limitadas, ganharam contornos muito mais dinâmicos e interativos com a evolução da inteligência artificial. Hoje, com grau de precisão bastante elevado, eles podem “prever”, por exemplo, como a pessoa vai ficar ao envelhecer e propor mudanças nessa trajetória, que podem ser desde mais discretas até bastante radicais, a depender dos objetivos desejados.

Padrão idealizado de beleza

A questão é que ao trabalhar com conceitos estéticos padronizados, uniformes e rígidos, esses filtros podem minar a autoestima de muita gente, já que os objetivos tidos como ideais pelos algoritmos podem não ser alcançáveis para a maior parte da população.

Quanto mais jovem é a pessoa, maiores podem ser os impactos do uso de filtros em sua saúde mental. Inexperiência, influência pelos pares, maior uso de redes sociais e mais tempo de tela estão entre as explicações possíveis desse fenômeno. Para a mulher jovem, então, esses riscos são ainda mais elevados, pela maior pressão social que pesa sobre elas em relação a padrões estéticos, de beleza e de comportamento.

Um dos possíveis efeitos colaterais dessa pressão do uso de filtros é o aumento da procura por procedimentos estéticos nos consultórios de plásticos e dermatologistas de todo o país. A harmonização facial é a bola da vez quando o assunto é a a aparência do rosto. Profissionais têm relatado que os pacientes chegam em busca de imagens parecidas ou similares àquelas prometidas pelos tais filtros.

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Melhorar x exagerar

É claro que nas últimas décadas aconteceram evoluções tecnológicas importantes no ramo da medicina estética, com o desenvolvimento de uma série de produtos e de técnicas capazes de entregar resultados mais rápidos, menos invasivos e com menos riscos de complicações, o que pode explicar parte dessa explosão de procedimentos. 

Afinal, muita gente pode querer modificar pequenas imperfeições ou melhorar a aparência. Até aí, tudo bem! Aliás, essa é uma questão cultural importante no Brasil, país que junto com os EUA, se tornou o campeão em número de procedimento estéticos no mundo. 

Os problemas começam quando as pessoas passam a recorrer aos novos procedimentos disponíveis, com objetivos irreais, muitas vezes baseando-se um uma percepção distorcida do seu corpo ou da sua aparência, que pode ter sido influenciada pelo uso maciço dos filtros. 

Esse tipo de paciente tem uma grande chance de se frustrar com os resultados (já que existem limites técnicos e éticos para a aplicação dos métodos), de fazer sucessivos procedimentos em busca de um objetivo distante da realidade, inclusive empregando meios que podem colocar sua saúde em risco. 

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Reversão de resultado

Médicos mais experientes que recebem pacientes que já passaram por vários colegas e procedimentos, sempre com alto grau de insatisfação com os resultados, podem desconfiar de um transtorno conhecido como dismorfia corporal, em que a pessoa apresenta uma percepção distorcida da sua aparência, encontrando o tempo todo defeitos em seu corpo. 

Na mesma proporção em que há aumento da busca por técnicas de harmonização facial, começam a crescer também o número de pacientes que procuram especialistas para tentar reverter o resultado, corrigir falhas, cicatrizes e erros desses processos ou, ainda, buscam o médico para lidar com questões ainda mais graves como deformidades e infecções. 

Educação digital para diversidade

O grande desafio hoje é mostrar para as pessoas o peso que o uso de filtros pode ter em sua autoestima, autoimagem e saúde mental. Para isso, campanhas tanto das redes sociais como dos grandes players da indústria da estética reconhecendo essa influência e propondo mudanças de rumo são muito bem-vindas. 

Iniciativas interessantes têm surgido. Algumas novas plataformas investem na publicação de fotos originais, sem filtros, e alguns países tentam, por exemplo, regulamentar o uso de filtros, tornando obrigatório o aviso que as imagens para conteúdos publicitários foram editadas.

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Mas talvez o mais importante seja investir na educação digital dos mais jovens, criando alertas que sinalizem riscos. Criadores de conteúdo e celebridades auxiliam na medida em que podem mostrar que os padrões estéticos não são um conceito único. Cada um tem suas particularidades, e é justamente nessa diversidade que pode estar a beleza mais autêntica. Nada contra querer melhorar a aparência, mas sem exageros e padronizações que só limitam as experiências e fazem mal à vida das pessoas. Vamos mudar essa rota?

* Jairo Bouer é médico psiquiatra, comunicador e publica suas colunas no Terra Você às quintas-feiras. 

Fonte: Jairo Bouer
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