Mais da metade da população adulta mundial viverá com sobrepeso e obesidade até 2035, se não agirmos, alerta a World Obesity Federation (WOF), organização sem fins lucrativos que busca impulsionar esforços globais para reduzir, prevenir e tratar essa doença.
A preocupação não é infundada, afinal, a obesidade está associada a maior risco de desfechos negativos em saúde, inclusive vários tipos de câncer, e a reduções na expectativa de vida.
Neste Dia Nacional de Prevenção da Obesidade, veja 6 tópicos essenciais para compreender a doença, que também será tema de discussões no Summit Saúde e Bem-Estar - O futuro da saúde já chegou, promovido pelo Estadão nos dias 13 e 14 de outubro.
1 - Mais de metade dos adultos do mundo viverá com sobrepeso e obesidade até 2035 (se nada mudar)
Especialistas consideram que o mundo enfrenta uma epidemia de sobrepeso e obesidade. "Nenhuma área do mundo está imune às consequências da obesidade e os mais pobres são os que mais sofrem, em idades cada vez mais jovens", diz a WOF, no World Obesity Atlas 2024.
Um estudo conduzido pela NCD Risk Factor Collaboration, em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mostrou que mais de 1 bilhão de pessoas convivem com obesidade ao redor do planeta. Na população adulta, a taxa de obesidade mais do que dobrou entre mulheres e quase triplicou entre os homens entre 1990 e 2022.
De acordo com a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2021, a prevalência de excesso de peso (sobrepeso) na população brasileira é de 57,2% e a de obesidade, 22,4%.
Com base nas tendências dos dados de 2000 a 2016, e assumindo que nada mude em termos de intervenção, a WOF considera que a taxa de adultos com sobrepeso e obesidade passará de 42% em 2020 para 54% em 2035. Quase 8 em cada 10 (79%) deles viverão em países de baixa e média renda.
2 - Obesidade não é 'falta de vontade', é doença
Nos últimos anos, a comunicação em saúde tem reforçado junto à população que a obesidade é uma doença crônica, progressiva e multifatorial. Em outras palavras, é uma condição que não tem necessariamente uma cura (mas pode e deve ser tratada, o que garante qualidade de vida ao paciente), que progride ao longo do tempo, o que significa que o tratamento precisa começar cedo para evitar o avanço de sintomas e complicações, e pode ter múltiplas causas que interagem entre si.
O endocrinologista Bruno Geloneze, pesquisador principal do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Unicamp e um dos palestrantes do Summit, destaca que a obesidade também tem aspectos neuroquímicos. "Centros reguladores de fome, saciedade e gasto energético no cérebro, mais precisamente no hipotálamo, estão alterados. Isso não tem nada a ver com a vontade da pessoa. Não é falta de caráter ou desleixo."
A nutricionista Desire Coelho, colunista do Estadão e uma das palestrantes do Summit, frisa que não se trata apenas de fatores comportamentais, como comer menos. "A obesidade envolve fatores ambientais, psicológicos, emocionais e, sobretudo, questões genéticas e fisiológicas. O corpo é uma máquina dinâmica. A todo momento está se regulando e contrarregulando, para tentar inclusive evitar o processo de emagrecimento."
O estigma, que transfere culpa e responsabilidade ao paciente, além de incorreto e injusto, prejudica a busca e sucesso do tratamento, segundo os especialistas.
3 - Para diagnosticar, talvez o IMC não seja suficiente
Tradicionalmente, o diagnóstico de sobrepeso e obesidade é feito calculando o índice de massa corporal (IMC), a razão entre peso e altura. A fórmula é: IMC = peso (kg)/altura² (m²). Para adultos, os pontos de corte são:
- sobrepeso - IMC maior ou igual a 25
- obesidade - IMC maior ou igual a 30
Em crianças e adolescentes, a idade precisa ser considerada.
Embora o IMC seja de baixo custo e, portanto, uma medida acessível de triagem de pacientes, cada vez mais os especialistas percebem que ele talvez não seja suficiente diante da complexidade de uma doença como a obesidade.
No novo consenso sobre obesidade da Associação Europeia para o Estudo da Obesidade (Easo, em inglês), o IMC deixa de ser considerado isoladamente no diagnóstico e estadiamento da doença em adultos europeus e passa a dividir o protagonismo com aspectos como circunferência abdominal e impacto funcional e psicológico do peso.
Não há expectativa de que o consenso europeu gere qualquer mudança instantânea na forma como os profissionais brasileiros diagnosticam e tratam a obesidade. Há, contudo, a esperança de que ele possa inspirar condutas futuras e, principalmente, que ajude a reforçar o movimento já abraçado por especialistas brasileiros de minimizar a importância do IMC e individualizar as metas de tratamento para a doença.
Desire destaca que olhar apenas para a relação entre estatura e peso corporal pode deixar escapar aspectos tão ou mais importantes, como onde a gordura está localizada e a quantidade de massa muscular.
"As circunferências abdominais, do quadril e do pescoço indicam se a gordura está mais centrípeta, no centro do corpo, mais visceral, que é o grande problema", explica Geloneze.
"Às vezes, pessoas com peso 'normal' e visualmente não gordas têm uma saúde muito pior do que pessoas que têm obesidade, mas estão metabolicamente saudáveis", comenta Desire. Trata-se de uma nova categoria: metabolicamente obeso com peso normal (leia mais aqui).
Uma revisão publicada na Endocrine Reviews aponta que até 30% das pessoas com obesidade não apresentam anormalidades metabólicas evidentes - como colesterol ou glicemia elevados. É o que os médicos chamam de obesidade metabolicamente saudável.
"Obesidade metabolicamente saudável não quer dizer que seja uma obesidade saudável. Essa é a grande confusão, porque a pessoa pode ter problemas psicológicos, ortopédicos ou mesmo o risco de desenvolver alguns problemas cardiovasculares no longo prazo, mesmo sem as alterações metabólicas. Essa situação metabolicamente saudável, ou seja, com os exames normais, tende a ser transitória, o próprio envelhecimento faz com que isso acabe", frisa Geloneze.
4 - Obesidade é fator de risco para várias doenças
A obesidade tem um impacto profundo na qualidade de vida do paciente, de acordo com a OMS. "Pode levar ao aumento do risco de diabetes tipo 2 e doenças cardíacas, pode afetar a saúde óssea e a reprodução, aumenta o risco de certos tipos de câncer", alerta.
Ela também ajuda a explicar a estagnação nos avanços mundiais contra o acidente vascular cerebral (AVC) no mundo e pode ser fator de risco para centenas de doenças, de acordo com a OMS e o National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases, dos EUA. Entre elas estão:
- Exacerbação de casos de enxaqueca
- Glaucoma
- Apneia obstrutiva do sono
- Arritmia (principalmente a fibrilação atrial)
- Hipertensão
- Insuficiência cardíaca
- Infarto
- Refluxo gastroesofágico
- Esteatose hepática
- Incontinência urinária
- Risco de uma evolução não positiva da gravidez (maior chance de aborto e de malformação no bebê)
- Trombose venosa
- Problemas de saúde mental
- Osteoartrite
- Cânceres: meningioma; tireoide; esôfago; mama; mieloma múltiplo; fígado; rim; vesícula biliar; parte superior do estômago; endométrio; pâncreas; cólon e reto; e ovário
5 - Obesidade grave em crianças pode reduzir expectativa de vida para 39 anos
De acordo com a OMS, mais de 390 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 19 anos estavam acima do peso em 2022. "Crianças com obesidade têm grande probabilidade de se tornarem adultos com obesidade e também correm maior risco de desenvolver doenças crônicas na idade adulta", alerta a entidade.
Crianças com obesidade grave aos 4 anos de idade, que não controlam a condição, podem ter uma expectativa de vida de apenas 39 anos, de acordo com pesquisa apresentada no Congresso Europeu de Obesidade deste ano.
6 - Vivemos uma nova era em relação às medicações
Nos últimos anos, as medicações para tratar a obesidade deram uma guinada surpreendente. A revolução começou com a chegada dos agonistas do receptor do GLP-1 — um dos hormônios liberados para ajudar o cérebro a entender que já comemos o suficiente —, em especial uma molécula chamada semaglutida, o princípio ativo de um medicamento que ficou bastante famoso, o Ozempic (que na verdade é indicado para pessoas com diabetes tipo 2), e do Wegovy (versão para pacientes com obesidade), ambos da farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk.
Geloneze lembra que os primeiros medicamentos contra obesidade eram derivados de anfetaminas, os catecolaminérgicos, que tinham como efeito colateral aumento do risco cardiovascular e de problemas psiquiátricos. "Não podiam ser usados a longo prazo, porque podiam promover drogadição, ou seja, exatamente o oposto da necessidade de alguém que tem uma doença crônica."
Isso mudou com a nova geração de medicamentos. Além da segurança, há benefícios cardiovasculares e renais, comenta Geloneze. Ele lembra, porém, que obviamente as novas medicações também apresentam efeitos colaterais, como náuseas, e que ainda muito caras.
Desire destaca que ainda existem questões a serem respondidas, como a perda de massa magra em pacientes que usam essas medicações. "Tem estudo mostrando que quase 40% do peso perdido é massa magra. Como minimizar isso? O foco não pode ser só essa perda de peso absurda, mas pensar qual a qualidade do que se está perdendo. É a diferença entre emagrecer e perder peso."
Os especialistas concordam que as medicações não são uma bala de prata. Tratar a obesidade requer um esforço multidisciplinar, incluindo profissionais da saúde mental e da educação física, e mudanças de estilo da vida, como alimentação saudável e mais exercício físico, que serão importantes para a continuidade do tratamento.
O "Summit Saúde e Bem-Estar - O futuro da saúde já chegou? será realizado nos dias 13 e 14 de outubro, das 8h às 18h30, no Espaço de Eventos do Shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Para se inscrever, acesse este link.