A volta às aulas no Estado de São Paulo foi adiada para 7 de outubro, mas o governo vai permitir que escolas em regiões que estão na fase amarela há mais de 28 dias possam reabrir. O modelo vai favorecer instituições particulares, que já se declaram prontas para funcionar, e têm feito pressão para a abertura. O retorno opcional, segundo o governador, deve ser feito em consulta a pais e estudantes e vai depender da decisão também de cada cidade.
A questão vem sendo debatida por pais, educadores e especialistas em saúde. Afinal, é mesmo hora de permitir que as escolas reabram neste momento em que a pandemia ainda é motivo de preocupação? O Estadão convidou dois médicos para opinar sobre a retomada das aulas. Com visões antagônicas, eles justificam suas opiniões com argumentos embasados.
Evaldo Stanislau de Araújo, médico infectologista do Hospital das Clínicas da USP e membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia
Sim. Em condições epidemiológicas favoráveis e com protocolos de segurança rigorosos! E não entendo que reabrir escolas possa ter um impacto significativo na evolução da COVID no Brasil. Se o número de casos em uma cidade ou região específica está em queda de maneira sustentada, o que podemos inferir é que há menos circulação viral. Enfatizando que estamos falando de quatro semanas na fase amarela em São Paulo, um período maior de segurança do que os 14 dias habituais.
Como no Brasil, não fizemos lockdown, mas também não ficou todo mundo na rua, criamos um inédito limbo. Parece claro que a exposição continuada ao vírus ocorreu. Então, agora, ou a circulação viral diminuiu de fato ou algum grau de imunidade se desenvolveu. Ou ambos. Mas é essencial destacar que se de fato chegamos a uma possível imunidade de rebanho isso foi pagando um preço inaceitável do ponto de vista ético e moral: são quase 100 mil brasileiros mortos. E outros tantos infectados. E entendo que, já que perdemos o momento de fazer o lockdown, estando lojas, bares e shoppings abertos, devemos considerar abrir as escolas também. Não podemos ser insensíveis à necessidade da educação e do papel social que a escola cumpre. Com controle e protocolos rigorosos, factíveis e efetivos.
Não será uma volta para como a escola era antes. É preciso ver quais as atividades pedagógicas presenciais são essenciais e quais podem ser feitas remotamente. Deve haver distanciamento das crianças, salas mais vazias, janelas abertas. E é crítico que todas as crianças, professores e funcionários estejam usando corretamente as máscaras. Infelizmente não há risco zero de contágio. Mas podemos minimizá-los ao extremo ao adotar protocolos rigorosos e estratégias já em prática em outros países. Com o conhecimento que temos hoje de como o vírus se transmite e adotando medidas de segurança, acho possível voltar às aulas, sobretudo para as crianças mais velhas e adolescentes, e entendo que a educação e o papel social da escola sejam essenciais.
Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista
Não. Eu como médico acho injustificável enfrentarmos mais mortes. Reconheço a importância da educação e da presença de nossas crianças e jovens na escola como medida também de socialização. Mas não acho justificável neste momento da pandemia o retorno às aulas e me refiro ao Brasil.
Não vejo por que fazê-lo nem com as medidas que promovam a divisão dos alunos em grupos menores. Estamos na maior parte do Brasil em um platô elevado de casos e de mortes. Pelas pesquisas de soroprevalência temos não mais do que 10% da população afetada pela doença.
Os alunos serão eficientes carreadores de vírus entre suas casas, famílias e as escolas e poderemos ter um grande número de casos e de mortes. A epidemia se alimenta de encontros e será isto que a volta às aulas propiciará! Noto sobretudo o sucesso que foi a suspensão das aulas - os pronto socorros estão vazios - as doenças típicas do inverno não estão ocorrendo graças a esse afastamento.
Não acho aceitável o número de mortes que já temos e que poderia ser muito menor, não aceito mais mortes para não perder um ano já perdido!