Este mês foi comemorado o Dia Mundial de Prevenção à Síndrome Alcoólica Fetal (SAF, em 09/09). A doença é grave, mas facilmente evitável: basta não consumir bebida alcoólica durante a gestação. Há quem acredite que beber um pouco na gravidez não faz mal ao feto, mas, na verdade, é preciso diminuir a ingestão de bebida alcóolica para zero.
Para a médica obstetra Dra. Bruna Pitaluga, a importância de falar-se sobre a SAF é ainda maior quando estudos mostram que quase 50% das gestações não são planejadas. "Boa parte das gestações são diagnosticadas após três meses de gestação em curso. Além disso, dados epidemiológicos recentes mostram o aumento do consumo de álcool pelas mulheres nas últimas décadas", destaca.
O que é a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF)
A Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) é um conjunto de condições físicas, comportamentais e cognitivas que podem afetar um indivíduo quando a mãe consome ou consumiu álcool durante a gravidez. O álcool atravessa a placenta e pode prejudicar o desenvolvimento geral do feto, levando a uma série de problemas graves e por vezes irreversíveis à saúde da criança, afirma o Dr. Mauro Macedo, membro da Academia Brasileira de Odontologia (ABO).
O consumo de álcool pelas gestantes, principalmente no primeiro trimestre da gravidez, que é o período mais crítico do desenvolvimento gestacional, interfere no desenvolvimento dos órgãos e até mesmo do cérebro do feto levando a deficiências cognitivas, comportamentais e físicas no futuro bebê.
De acordo com a ginecologista e obstetra Dra. Carla Iaconelli, especialista em reprodução humana, o bebê com SAF poderá apresentar dificuldades de coordenação motora e cognitiva, além de transtornos emocionais e psíquicos a longo prazo, dificultando seu convívio social. "Poderá também ter compulsões para o uso de álcool e drogas, depressão e comportamento suicida", alerta a médica.
Os especialistas salientam que não existe quantidade segura de álcool que possa ser ingerida durante a gravidez. Isso porque mesmo o consumo leve ou moderado pode desencadear a Síndrome do Alcoolismo Fetal (SAF). "O consumo de álcool pode levar ao aborto e a nascimentos prematuros, além de provocar anomalias no feto", destaca a obstetra.
Diagnóstico
O diagnóstico de SAF é bem complexo, afirma a médica. "Requer uma avaliação criteriosa dos sintomas e características físicas. Assim, como o histórico da mãe e sua relação com o álcool. Além disso, são feitos exames específicos para identificar outras patologias associadas", explica.
Embora a SAF seja tão comum quanto o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a doença permanece subdiagnosticada, analisa a Dra. Bruna Pitaluga. "Provavelmente devido ao estigma social, complexidade do diagnóstico, dependência de características faciais e sobreposição com diagnósticos alternativos, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)", diz a profissional.
Conforme Bruna, não existe um exame laboratorial para o diagnóstico da SAF. O diagnóstico depende da avaliação e investigação das manifestações clínicas e conta como conhecimento dos médicos sobre o assunto.
"Lamentavelmente, temos uma sociedade permissiva com o uso de álcool na gestação e médicos que, em pleno século 21, não orientam de forma adequada às gestantes durante o pré-natal, permitindo o consumo dessa droga lícita e prejudicando o futuro desses bebês", pontua a médica.
Consequências da síndrome
Conforme a Dra. Carla, o álcool afeta diretamente o sistema nervoso central, causando disfunções vitais e deficiências na formação do feto. Os especialistas apontam as principais deficiências sistêmicas de formação do feto causadas pela SAF. São elas:
- Deficiência cognitiva e atraso no desenvolvimento mental;
- Hiperatividade e atraso no aprendizado;
- Problemas cardíacos, como comunicação interatrial (CIA) e comunicação interventricular (CIV);
- Hipertensão arterial;
- Arritmias cardíacas;
- Disfunção ventricular;
- Rins hipodesenvolvidos;
- Disfunção renal;
- Infecções urinárias recorrentes;
- Dificuldade de crescimento esquelético;
- Baixo peso ao nascer.
Além disso, há ainda as deficiências faciais. São elas:
- Lábio superior fino (pouco pronunciado);
- Nariz pequeno e com base plana;
- Ruga naso-labial bem forte;
- Fenda nos olhos;
- Fendas das pálpebras mais curtas (olhos menores);
- Aumento da distância entre os olhos.
"E não para por aí… ainda podemos ter severos comprometimentos intraorais", adverte o dentista. Entre eles, o Dr. Mauro cita:
- Fenda palatina (no céu da boca) - afetando a alimentação e a sucção;
- Atrasos na erupção dos dentes;
- Deficiências na formação e na estrutura dos dentes;
- Anodontias - ausência de alguns dentes permanentes;
- Dentes desalinhados e mal posicionados;
- Mordidas cruzadas - dentes inferiores por fora dos superiores;
- Mordidas abertas - desencontro dos dentes anteriores;
- Mordidas profundas - quando os dentes anteriores inferiores se escondem demasiadamente por trás dos dentes superiores;
- Cáries e má higiene oral - quando o problema cognitivo afeta a motricidade;
- Maxila e/ou mandíbula atrésica e pouco desenvolvida.
Gestação saudável
Mauro lembra que a SAF é uma condição evitável e aconselha as mães que desejam proteger seus filhos tê-los em boas condições de saúde física e mental que as mesmas tenham a abstinência total do álcool durante a gravidez. "Tolerância zero é a regra!", ressalta o profissional.
Carla lembra que o consumo de álcool entre as mulheres jovens está cada vez mais comum, independente da classe social. Além disso, a gravidez precoce também é um fato em nossa sociedade. Para a obstetra, este cenário leva a crer que é grande o risco de mulheres engravidarem e continuarem com o hábito de ingerir bebidas alcoólicas, abrindo possibilidades de maiores índices de bebês com Síndrome Alcoólica Fetal.
"É relevante destacar a importância do pré-natal, para que o médico possa acompanhar de perto o processo gestacional e orientar a grávida adequadamente quanto aos riscos e cuidados para uma gestação saudável", enfatiza a médica.