Nos pareceres e votos que embasaram a aprovação do uso emergencial das vacinas Coronavac e de Oxford neste domingo, 17, servidores e diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em contraponto ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro Eduardo Pazuello, defenderam a ciência e a segurança das vacinas e refutaram a existência de tratamento precoce contra a covid - defendida pelo Ministério da Saúde e por Bolsonaro com base em medicamentos comprovadamente ineficazes, como a hidroxicloroquina.
Antes mesmo do início dos votos dos cinco diretores da agência, a gerência-geral de medicamentos argumentou, em seu parecer, que a recomendação pela aprovação dos imunizantes se justificava pelo atual cenário da pandemia, aumento do número de casos e ausência de alternativas terapêuticas.
A diretora relatora dos processos que pediam a aprovação das vacinas, Merluze Freitas, também ressaltou esse ponto em seu voto. "Até o momento, não contamos com alternativa terapêutica aprovada e disponível para prevenir ou tratar a doença causada pelo novo coronavírus. Assim, compete a cada um de nós, instituições públicas e privadas, sociedade civil e organizada, cidadãos, cada um na sua esfera de atuação, tomarmos todas as medidas ao nosso alcance para, no menor tempo possível, diminuir os impactos da covid-19 no nosso País", declarou ela, demonstrando, durante sua fala, a preocupação com o uso constante de álcool gel e colocação da máscara quando algum funcionário da agência se aproximava.
Bolsonaro e muitos integrantes do governo federal desrespeitam, com frequência, tais medidas, participando de eventos sem máscara e causando aglomerações em visitas a comércios de rua. O presidente também se mostra contrário à quarentena, alegando que ela é desnecessária e prejudica a economia do País.
Outra postura de Merluze que chamou a atenção foi citar os números de casos e óbitos por covid no País com base nas estatísticas coletadas pelo consórcio de veículos de imprensa, força-tarefa criada justamente quando o Ministério da Saúde tentou fazer uma divulgação seletiva dos dados epidemiológicos, em junho, para dificultar a análise do cenário real da pandemia no País.
Além de destacarem a ausência de tratamento contra a doença, os servidores ressaltaram a importância da vacina para frear a pandemia e alertaram para a necessidade da manutenção das medidas de proteção individual.
"(Considerando) Que as vacinas são a forma mais eficaz de prevenir doenças infecciosas, salvando milhões de vidas em todo o mundo; o grave cenário de pandemia que vivemos, com o crescente número de infectados e óbitos, e o indicativo de colapso do sistema de saúde tanto público privado, acompanho a relatora e voto por autorizar o uso emergencial em caráter experimental das vacinas de covid-19", disse, em seu voto, o diretor Romison Rodrigues Mota.
Até o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, aliado de Bolsonaro e que criou polêmica em março de 2020 ao participar de atos sem máscara com o presidente, defendeu as medidas de proteção individual e recomendou que a população se vacine.
"A imunidade com a vacinação leva um tempo para se estabelecer. Mesmo vacinado, use máscara, mantenha o distanciamento social e higienize suas mãos. Essas vacinas estão certificadas pela nossa Anvisa. Foram analisadas por nós, brasileiros, no menor e melhor tempo, estabelecido por nossos especialistas. Confie na Anvisa, confie nas vacinas que a Anvisa certifica e, quando elas estiverem ao seu alcance, vá e se vacine", declarou.
Os diretores também defenderam decisões baseadas na ciência e negaram qualquer tipo de interferência na agência. "A aprovação da vacina é um desejo de todos, uma questão humanitária e de saúde pública. O momento é histórico, de enfrentamento real à pandemia, capaz de reverter esse cenário devastador, um divisor de águas na história. Daí a importância de uma análise acertada, sempre pautada no equilíbrio e na cientificidade, sem qualquer intervenção claudicante", disse a diretora Cristiane Rose Jourdan Gomes.
No voto mais duro contra os negacionistas e a negligência, o diretor Alex Campos, que foi chefe de gabinete do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, defendeu o caráter técnico da agência e criticou a ação do Estado no combate à pandemia.
"No nosso vocabulário, não há espaço para negação da ciência, tão pouco para politização. [...] A tragédia de Manaus é a expressão mais triste e revoltante da falha objetiva do Estado, em todos os níveis. A tragédia da morte por falta da terapia mais simples, o oxigênio, é um atestado ainda da nossa ineficiência, infelizmente. As imagens nos últimos dias nos faz prestar homenagem sincera a esses brasileiros do Amazonas, mas a todos os brasileiros que foram vítimas da covid e da incúria do Estado", disse.