Nos cinco primeiros dias de campanha nacional de vacinação contra a covid-19, o Brasil aplicou doses em 404,2 mil pessoas, aponta balanço feito pelo consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias estaduais de saúde. Após atraso, o País começou na segunda-feira, quando mais de 50 nações já haviam vacinado. Agora tem começo mais veloz do que vizinhos como Argentina e Chile e até alguns europeus, a exemplo da Itália, mas fica atrás de Israel, Estados Unidos e Reino Unido, se considerados os tamanhos das populações.
O balanço de vacinação brasileiro é parcial, uma vez que há dados apenas de 11 Estados e do Distrito Federal, mas inclui as regiões mais populosas, como São Paulo, Rio, Bahia e Paraná. No último domingo, houve um grupo de vacinados no Hospital das Clínicas de São Paulo, logo após a autorização de uso emergencial dada à Coronavac pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas a campanha, de fato, só teve início na segunda-feira.
Cientistas da USP e da Unesp compararam a velocidade da vacinação no Brasil com a de outros países, a pedido do Estadão. A análise se concentra nos cinco primeiros dias de vacinação em cada país. "Embora o Brasil seja referência mundial em produção de vacinas e imunização em massa, a vacinação contra a covid-19 começou com uma temperatura morna no País", avalia Wallace Casaca, matemático da Unesp e responsável pelo levantamento.
Casaca está à frente da plataforma SP Covid-19 Info Tracker, que projeta infecções, óbitos e recuperados em São Paulo. "O Brasil supera as campanhas da França, Itália e Espanha, países que sofreram muito com a pandemia", diz. "Por outro lado, o Brasil é superado pela Turquia, que possui uma população muito menor que a brasileira", completa.
Para comparar diferentes tamanhos de populações, os pesquisadores calcularam o número de doses aplicadas para grupos de 100 pessoas. De cada centena, o Brasil vacinou 0.19. Isso significa que foram vacinados 0,19% da população nacional. Israel já apresentava 2,3 vacinados por cem, já nos cinco primeiros dias de campanha. Alguns países optaram por iniciar a vacinação mais cedo, ainda que com uma quantidade bastante limitada de doses. O Chile, por exemplo, começou na véspera do Natal, quando aterrissaram as primeiras 10 mil de doses da Pfizer. Nos primeiros quatro dias, imunizaram cerca de 8,6 mil.
O recrudescimento da pandemia pressiona o poder público a apressar a vacinação, mas o número limitado de doses é um gargalo. Nesta primeira semana, foi distribuído pelo País um lote de 6 milhões de unidades da Coronavac. A Anvisa aprovou o uso emergencial de outro lote, de 4,1 milhões, e chegaram 2 milhões de doses da vacina de Oxford, importadas da Índia. O Brasil chegou a anunciar negociação de 70 milhões de doses com a farmacêutica Pfizer, mas ainda não fechou o contrato. Para produzir mais, o Brasil depende da liberação de matéria-prima pela China. "Enfrentamos situação grave de indisponibilidade de vacinas", avalia o virologista Flávio Guimarães, do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Na segunda-feira, quando o Ministério da Saúde liberou a campanha nacional, houve problemas de logística para que as doses chegassem a todos os Estados - 11 só aplicaram as primeiras doses no dia seguinte.
Em cada região, a vacinação também foi iniciada ao mesmo tempo em que os lotes ainda eram divididos entre os grupos prioritários - profissionais de saúde, idosos em asilos e indígenas - e enviados para cidades do interior. Além disso, em oito Estados e no Distrito Federal foram abertas investigações sobre supostos desvios de doses e fura-filas, o que envolveu secretários de Saúde, filho de deputado e até os próprios prefeitos.
Ao receber a remessa indiana, o ministro, general Eduardo Pazuello, disse que "rapidamente" o Brasil deve conseguir vacinar oito milhões e passará a ser o 2.º país do Ocidente com mais imunizados, atrás apenas dos Estados Unidos.
Para especialistas, a experiência em campanhas de larga escala - por meio do Programa Nacional de Imunização, que já oferece anualmente 300 milhões de doses de vacinas contra outras doenças - pode ajudar o Brasil a ganhar rapidez na vacinação. Mas a epidemiologista Ethel Maciel, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), se preocupa com a garantia de novas remessas. "Se começar uma campanha e as doses acabam, não chegando novas, é ruim. É o que está acontecendo neste momento nas cidades do interior que já terminaram de vacinar com as primeiras doses, pois foram poucas. Às vezes, não se conseguiu vacinar nem toda a sua equipe de saúde."/COLABOROU LUIZ CARLOS PAVÃO