BRASÍLIA - Ao lançar o programa Médicos pelo Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) usou parte do seu discurso desta quinta-feira, 1º, para criticar o PT e o Mais Médicos, que, segundo ele, tinha o objetivo de formar "núcleos de guerrilha" no Brasil. Ele não poupou nem mesmo os profissionais de saúde cubanos que atuam ou atuaram no Brasil.
"Se os cubanos fossem tão bons assim, teriam salvado a vida de (Hugo) Chávez, não deu certo", discursou Bolsonaro. O ex-presidente da Venezuela morreu, em 2013, em decorrência de um câncer na região pélvica. "Se fossem tão bons assim, (os ex-presidentes) Dilma (Rousseff) e (Luiz Inácio) Lula (da Silva) teriam médicos cubanos no Palácio do Planalto, e não brasileiros."
Na cerimônia, Bolsonaro disse que tentou "interferir" na aprovação do Mais Médicos, ainda como deputado federal. Ele contou que, na época, se aproximou dos "verdadeiros profissionais" da área da saúde, em uma referência a representantes de conselhos de medicina brasileiros que estavam presentes.
"Não tivemos sucesso (em rejeitar o Mais Médicos), o Parlamento era conduzido de outra forma. Hoje é completamente diferente", afirmou Bolsonaro.
O presidente declarou que o PT usava o povo "para espoliá-lo, na base do terror, por um projeto de poder". "A ideia (do Mais Médicos) era formar núcleos de guerrilha no Brasil", continuou.
Ele também voltou a fazer críticas sobre a suposta proibição de médicos cubanos trazerem suas famílias para o Brasil. Não existe, entretanto, qualquer proibição no programa para que os profissionais tragam seus parentes.
Em 2013, o deputado Jair Bolsonaro defendia a proibição da entrada de familiares dos médicos cubanos no Brasil
Em agosto de 2013, como deputado federal, Bolsonaro defendeu justamente a proibição da entrada no Brasil de familiares de médicos cubanos que ingressaram no programa Mais Médicos.
"A verdade, aos poucos, vem vindo à tona: eles querem trazer 6 mil médicos cubanos. Prestem atenção. Está na medida provisória: cada médico cubano pode trazer todos os seus dependentes. E a gente sabe um pouquinho como funciona a ditadura castrista. Então, cada médico vai trazer 10, 20, 30 agentes para cá", disse na época o parlamentar filiado ao PP.
Assista ao discurso de Bolsonaro na Câmara sobre o Mais Médicos, em 2013
No entanto, o discurso foi outro nesta quinta. Ele afirmou que a suposta proibição de familiares dos cubanos era "uma questão humanitária que foi estuprada pelo PT".
"Por anos, mães e pais ficaram afastados dos seus maridos, esposas e dos seus filhos. Uma questão humanitária que foi estuprada pelo PT. Falo isso porque sou pai de cinco filhos", disse o presidente. "O Brasil se prestou a alimentar uma ditadura (em Cuba), aproximadamente R$ 1,2 bilhão era destinado a Cuba, tirando dos profissionais que estavam aqui."
Os profissionais cubanos não estão incluídos no programa lançado nesta quinta. Quando integravam o Mais Médicos, eles poderiam trabalhar mesmo sem ter o diploma reconhecido. Com o fim da parceria entre os países, isso deixou de acontecer. Entre as novidades, o Médicos pelo Brasil estabelece que a contratação de médicos deve ser feita pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com inscrição nos conselhos de medicina brasileiros.
'Mais Médicos tinha virado commodities, agora são outros critérios', diz Mandetta
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o programa Médicos pelo Brasil escolherá as áreas de atuação dos participantes por "meritocracia". Ele destacou que haverá gratificações para os médicos que escolherem ir para regiões "mais difíceis", como distritos indígenas.
"A porta de entrada desse programa é a especialização e a gratificação para áreas mais complexas", declarou. "Não é fácil, não vai ser fácil, os críticos apontarão falhas, pode acontecer, mas partiremos do princípio de que faremos o papel do governo, mas respeitaremos a liberdade. Respeitaremos o mérito, será por meritocracia que se escolherá a unidade para onde (cada um) vai. Daremos perspectivas para aqueles que optarem pelos locais mais difíceis, distritos indígenas, ganharão mais e terão mais incentivo."
Assim como fez o presidente Jair Bolsonaro, Mandetta também criticou o programa anterior, o Mais Médicos, criado pelo governo de Dilma. Para o ministro da Saúde, a contratação de profissionais cubanos tinha virado "uma espécie de commodities". Agora, por outro lado, ele defende que há critérios mais claros para determinar onde é necessária a "presença do governo", ou seja, de médicos brasileiros.
Ele também enfatizou que todos os médicos que entrarem nesse programa, nos primeiros dois anos, terão que fazer uma especialização em saúde da família e comunidade por dois anos.
"Somente se ele conquistar título de médico da família e comunidade é que ele vai ser efetivado. Se ele não tiver a análise, a gente começa de novo até a gente ter o melhor time de médicos de atenção primária do mundo. E nós vamos ter", afirmou.
Segundo o ministro, serão priorizadas as pequenas e médias cidades. Além disso, afirmou que "quase 60% dos médicos estarão na Região Norte e Nordeste". "Enquanto escrevem factoides, a gente responde com políticas", discursou.
18 mil vagas para Médicos pelo Brasil
Os médicos serão selecionados por meio de processo seletivo eliminatório e classificatório que contemplará duas funções diferentes: médicos de família e comunidade e tutor médico. Para a função de Médico de Família e Comunidade, serão selecionados médicos com registro no Conselho Federal de Medicina (CRM). Se aprovados na prova escrita, serão alocados em Unidade de Saúde Familiar (USF) pré-definidas pelo Ministério da Saúde para realização do curso de especialização em Medicina de Família e Comunidade. Ao todo, serão 18 mil vagas previstas, sendo cerca de 13 mil em municípios de difícil provimento.
Para a função de Tutor Médico serão selecionados especialistas em Medicina de Família e Comunidade ou de Clínica Médica com CRM. Nessa modalidade, os profissionais aprovados na prova escrita já ingressam, por meio de contratação via CLT, e ficam responsáveis pelo atendimento à população nas USF a que foram designados e pela supervisão dos demais médicos ingressantes no Programa Médicos pelo Brasil, durante o período do curso de especialização.
Remuneração
Ao longo dos dois primeiros anos, os profissionais realizarão o curso de especialização, recebendo bolsa-formação no valor de R$ 12 mil mensais líquidos, com gratificação de R$ 3 mil adicionais para locais remotos (rurais e intermediários) e de R$ 6 mil adicionais para Distritos Sanitários Especiais Indígenas, além de localidades ribeirinhas e fluviais. Se aprovados no curso, os médicos realizarão uma prova para adquirirem titulação de especialista em Medicina de Família e Comunidade e poderão ser contratados via CLT, permanecendo nas USF em que realizaram a formação.
A contratação via CLT apresenta quatro níveis salariais, com progressão a cada três anos de participação no programa, além de gratificação por desempenho vinculada ao alcance de indicadores de qualidade de atendimento e satisfação das pessoas atendidas. Este adicional por desempenho pode variar entre 11% e 30% em relação ao salário. O primeiro nível salarial pode chegar até R$ 21 mil e, gradativamente, até R$ 31 mil, considerando o acréscimo máximo da gratificação por desempenho e local de difícil provimento. Esses valores também incluem gratificação de R$ 1 mil mensais para os médicos que acumularem o cargo de tutor.
Durante a participação no programa, os médicos serão avaliados através de métodos científicos e indicadores de saúde da população, a partir da valorização da opinião das pessoas e de critérios de desempenho clínico. O médico também avaliará a estrutura de USF e da rede de serviços do município em que trabalha. Essa avaliação ajudará no fortalecimento da qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil.
Especialização
O curso de especialização em Medicina de Família e Comunidade será obrigatório para a contratação federal via CLT. O médico cumprirá jornada semanal de 60 horas, sendo 40 horas voltadas à integração ensino-serviço, desenvolvendo atividades de atendimento direto à população, e 20 horas de atividades teóricas.
Os médicos serão supervisionados por seus respectivos tutores e passarão uma semana, a cada dois meses, na Unidade de Saúde da Família do tutor, realizando atendimentos em conjunto. Além disso, o tutor deverá estar disponível para supervisão de casos à distância a qualquer momento. Os médicos também contarão com a possibilidade de discussão de casos via telessaúde, de médico para médico, utilizando os recursos já ofertados pelo Ministério da Saúde.
O componente teórico será realizado por instituição de ensino superior parceira, com a participação da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), na modalidade de ensino à distância. As avaliações serão semestrais, com aprovação obrigatória para continuidade no Programa. Ao final do curso, o médico deverá realizar um trabalho de conclusão que consistirá na identificação e priorização de um problema existente na população vinculada a sua USF, acompanhado da intervenção para a melhoria desse problema.