Lançado em 2013, Ela é um dos filmes mais tocantes e visionários dos últimos tempos. Nele, Joaquin Phoenix dá vida a um escritor solitário que se apaixona por Samantha, a inteligência artificial e voz do seu sistema operacional, interpretada por Scarlett Johansson. O filme antecipa questões urgentes sobre tecnologia, solidão e o impacto da inteligência artificial nos relacionamentos humanos.
Sem entregar spoilers, fica o convite à reflexão: a tecnologia pode reduzir a solidão e criar vínculos reais? Poderia, por exemplo, ser aliada no cuidado a pessoas idosas?
No Japão, essa pergunta já virou política pública. O País, que tem a segunda população mais envelhecida do mundo — quase 28% das pessoas têm mais de 65 anos — aposta na robótica para suprir a carência de cuidadores. Ali, robôs em formato de cães ou de focas são usados para oferecer companhia e conforto, enquanto modelos mais avançados auxiliam na prevenção de quedas e na realização de tarefas domésticas.
A iniciativa faz sentido. O número de pessoas jovens no Japão vem decrescendo, e as poucas que se interessam pelo trabalho de cuidador enfrentam baixos salários e alta exigência física. A robótica surge como uma resposta possível, mas não suficiente: afeto, comunicação e pertencimento ainda dependem do contato humano, tanto que a revisão da política migratória japonesa também tem sido discutida.
Nosso País está no grupo de nações com os piores índices de desigualdade, segundo o índice Gini. Envelhecemos rápido, mas sem a estrutura necessária para oferecer segurança, renda e saúde. E isso impacta não só as pessoas idosas, mas todas as gerações.
Por isso, e para garantir mais anos com qualidade são necessárias ações para todas as idades, como acesso à escolaridade, controle de doenças crônicas como pressão alta e diabetes, estímulo à prática de atividades físicas regulares e o cuidado com o planeta e o controle da poluição.
Outro ponto que merece destaque se refere ao mercado de trabalho. Seja por escassez de mão de obra, ou por reformas nas regras da aposentadoria, muitos japoneses mantêm sua atividade laboral mesmo após os 60 anos.
Inegavelmente, não são todas as profissões nem todas as pessoas que em nosso País deveriam (e poderiam) continuar trabalhando após a aposentadoria, que garante segurança e direitos para uma parcela grande da população.
Mas legislações que estimulem uma redução gradual na jornada de trabalho, preparações para a aposentadoria e alterações laborais que permitam com que a pessoa idosa continue trabalhando de maneira digna e não precarizada podem auxiliar a economia, a geração de renda, o financiamento da previdência, o sentimento de pertencimento à sociedade e a garantia de melhores soluções para a economia do envelhecimento, que só tem crescido nos últimos anos.
Além disso, tais ações para que todos possam ter um envelhecimento com direitos passam por várias frentes e são urgentes, incluindo o investimento em gerontecnologia — a ciência voltada à criação de tecnologias para melhorar a vida das pessoas idosas, cuja demanda é exponencial e o Brasil tem potencial para ser um polo global de inovação nessa área, com geração de renda e empregos.
O filme Ela segue atual porque reflete dilemas reais: amor, solidão e o impacto da tecnologia em nossos relacionamentos. Para algumas pessoas, as máquinas aumentam o isolamento; para outras, criam novas conexões. Ainda não sabemos se é possível amar uma inteligência artificial, mas já sabemos que a tecnologia pode ser uma aliada — desde que venha acompanhada de políticas públicas e um olhar humano para o envelhecimento.
O Japão já escreveu seu roteiro. Cabe a nós decidir se queremos apenas assistir ou concorrer ao prêmio de melhor País para envelhecer.