Brasileiro tem doença degenerativa rara, e família faz vaquinha para adaptar casa: ‘Vontade de viver’

Miguel convive há 6 anos com a 'atrofia muscular progressiva' e perdeu parte dos movimentos do corpo; família quer dar visibilidade à doença

17 set 2024 - 05h01
Miguel fica a maior parte do seu dia em uma cadeira de rodas que recebeu de doação. Seu sonho é ter uma cadeira elétrica, para conseguir se locomover com autonomia, já que perdeu a força dos movimentos dos braços.
Miguel fica a maior parte do seu dia em uma cadeira de rodas que recebeu de doação. Seu sonho é ter uma cadeira elétrica, para conseguir se locomover com autonomia, já que perdeu a força dos movimentos dos braços.
Foto: Arquivo pessoal/Beatriz Araujo

Tudo começou com um desconforto no dedão do pé, há seis anos. Depois, o dedo parou de responder. Tentaram um tratamento com ortopedista, mas não deu certo. Na busca por uma resposta médica, após ter ‘esgotado’ as possibilidades de diagnósticos, Miguel Neto da Silva descobriu ser uma das poucas pessoas com Atrofia Muscular Progressiva, um diagnóstico raro que corresponde a 5% dos casos da Doença do Neurônio Motor, uma variante clínica da Esclerose Lateral Amiotrófica, conhecida como E.L.A. Agora, com 59 anos, ele perdeu os movimentos das pernas, e a doença começou a afetar os membros superiores – inclusive, enfraquecendo sua respiração.

A doença não tem cura e causa paralisias motoras irreversíveis. “O corpo vai se degenerar, e isso faz com que os próprios pacientes se entreguem. O que não é o caso do Miguel porque ele tem vontade de viver”, desabafa Sandra Domingues, esposa de Miguel. Com Matheus, filho do casal, eles vivem em uma casa humilde em Itanhaém, no litoral de São Paulo. Juntos, eles criaram uma vaquinha on-line para adaptar a moradia às necessidades de Miguel, por não terem condições financeiras de arcar com os custos necessários para prolongar a longevidade do pai da família.

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A prioridade da família é a aquisição de um BiPAP, um aparelho que funciona como um respirador mecânico. Eles tentaram o aparelho via convênio médico, mas não tiveram sucesso. Também estão entrando com uma ação jurídica emergencial junto ao governo, mas, devido ao processo burocrático, continuam no aguardo. E como os espasmos pelo pescoço e garganta estão começando a bloquear a respiração de Miguel, resolveram tentar pedir ajuda na internet, pois precisam do aparelho “para ontem”.

“Nós estamos correndo contra a doença? Sim, corremos contra a doença e sabemos que ela, na maior parte do caso, vai nos vencer. Mas ela não nos vence no sentido de vida. Enquanto nós tivermos vida, nós vamos lutar”, complementou Sandra.

Ex-supervisor de plataforma de petróleo e apaixonado por dança e futebol, após ter sua vida transformada pelo diagnóstico, Miguel passou a compartilhar sua rotina nas redes sociais (@ miguel_e.l.a), na busca por conscientizar as pessoas sobre a existência desse quadro. 

Foto: Arquivo pessoal/Beatriz Araujo

Caso raro

Ao Terra, a neurologista e neurofisiologista Ana Marina Dutra, que acompanha o caso de Miguel há cerca de três anos, explicou as doenças do neurônio motor – ‘guarda-chuva’ que engloba diversas variantes clínicas como a Atrofia Muscular Progressiva e a E.L.A. –, que são caracterizadas pela degeneração progressiva dos neurônios motores superiores e inferiores.

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“Em termos epidemiológicos, a Doença do Neurônio Motor tem uma incidência de 1 a 10 casos a cada 100 mil pessoas por ano. E, por isso, é considerada uma doença rara. A forma de atrofia muscular progressiva, caso de Miguel, responde por cerca de 5% dos casos de doença do neurônio motor”, explicou a especialista, que confirmou que ainda há muito o que conhecer sobre doenças do tipo.

“Hoje só conseguimos diagnosticá-la quando todo o processo de morte neuronal já se instalou há algum tempo. Estima-se que a degeneração dos neurônios comece em torno de um a dois anos antes do surgimento dos primeiros sintomas. Por isso, descobrir a origem desse processo é uma tarefa tão desafiadora para a comunidade científica em todo o mundo”, complementou. 

Nessa busca por mais conhecimento sobre essa doença rara, outra doutora que também atendeu Miguel está em um centro de estudos em Liège, na Bélgica. Por lá, ela se aprofunda na variante clínica da Doença do Neurônio Motor chamada de atrofia muscular espinhal (AME), que ocorre em crianças. 

Sobre o caso de Miguel, a médica Ana Marina ressaltou o fato dele sempre adotar uma atitude positiva e de esperança frente ao quadro clínico. “E, por isso, acredito que ele possui uma evolução mais lenta que a observada em outros pacientes. Como médica, nunca posso dizer que não há nada para ser feito. Sempre podemos melhorar alguma coisa na vida e na assistência desses pacientes”, pontuou.

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A doença, apesar de ainda ser pouco falada, ganhou visibilidade devido ao caso do físico inglês Stephen Hawking, que teve sua história retratada no filme A Teoria de Tudo, lançado em 2014. Segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), em casos da Esclerose Lateral Amiotrófica, o óbito ocorre entre três e cinco anos após o diagnóstico, e cerca de 25% dos pacientes sobrevivem por mais cinco anos após o diagnóstico. No caso de Miguel, com quadro ainda mais raro em meio ao grupo de variantes clínicas, já são seis anos com a doença.

Miguel nasceu em Caicó, no Rio Grande do Norte, e veio com a família para a Baixada Santista em busca de melhores condições de vida; sua mãe, Maria, está com 95 anos, e teve 14 filhos
Foto: Arquivo pessoal/Beatriz Araujo

Em busca de ajuda

A vaquinha online E.L.A. do Miguel: nos ajude foi aberta na última segunda-feira, 9, e tem como objetivo juntar R$ 30 mil. Até a publicação desta matéria, já foram arrecadados mais de R$ 13 mil em meio à divulgação de sua história na internet. 

Com o valor, além do BiPAP, a família conta que precisa estruturar ‘um quarto hospitalar’ para Miguel. “Precisamos de reforma para as conexões elétricas para o uso dos aparelhos e de uma cama automatizada, com elevação, pois ele tem que ser virado bilateralmente de 2 a 3 horas para evitar feridas no corpo e ventilar as costas para evitar doenças pulmonares. Também temos que adequar o banheiro com espaço para cadeira de banho, vaso sanitário, chuveiro e pia para poder escovar os dentes e fazer barba, o que ajuda na sua autoestima”.

O texto da vaquinha (que pode ser acessada por meio deste link) também explica que a família ainda precisa arcar com transportes para atendimentos médicos que não são fornecidos na cidade em que moram, custos de remédios necessários além dos já disponibilizados pelo SUS, itens de higiene como fraldas e muito mais.

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Mesmo com todas essas dificuldades, ao Terra, Miguel ainda afirmou que, caso receba mais do que precisa, pretende doar para iniciativas que ajudam pacientes com quadros similares ao seu.

Fonte: Redação Terra
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