Busca pela 'gestação perfeita' fez triplicar número de embriões congelados no Brasil

Quantidade saltou de 32,1 mil para 114,3 mil em dez anos, mas congelamentos se tornam problema ético e moral no momento do descarte

21 ago 2022 - 05h00
Número de embriões congelados triplicou nos últimos dez anos no Brasil (Imagem: Maxxyustas/Envato Elements)
Número de embriões congelados triplicou nos últimos dez anos no Brasil (Imagem: Maxxyustas/Envato Elements)
Foto: Canaltech

Um levantamento feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostra que o número de embriões congelados cresceu em 255% no Brasil nos últimos dez anos. O quantitativo saltou de 32.181 congelamentos em 2012 para 114.372 no último ano, mostrando uma grande procura do serviço por mulheres, principalmente em clínicas localizadas no sudeste do País, onde cerca de 79 mil embriões foram congelados neste período. 

Os dados são do Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), analisados pela Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). Conforme o ginecologista Carlos Gilberto Almodin, que é membro da SBRA e um dos pioneiros na área da reprodução humana no Brasil, a alta no número de embriões congelados é fruto do aumento dos ciclos de fertilizações realizados.

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Ciclos de fertilização dizem respeito a quantas vezes embriões fecundados serão transferidos para o útero da mulher que procura o serviço de reprodução assistida, ou seja, quantas vezes a gestação é tentada. Apenas um ciclo, muitas vezes, não é o suficiente para garantir que a gestação será um sucesso, então vários embriões são preparados pela clínica especializada.

Acontece que, antes de 2021, não havia limitação sobre quantos embriões poderiam ser fecundados por ciclo fértil. Isso se tornou um atrativo para as clínicas com a chegada da tecnologia de análise genética de embriões, já que, assim, é possível identificar se existem alterações genéticas no embrião antes da transferência para o útero materno.

O especialista aponta que a análise genética é capaz de prevenir procedimentos mal-sucedidos ou abortamentos. "Quando começou o advento de se fazer o exame genético no embrião, nós começamos a perceber que, em torno de 40% a 50% dos embriões eram aneuploides, ou seja, não eram bons", diz.

Então, o avanço na Medicina passou a ser usado de maneira desenfreada pelas clínicas, segundo o médico. "Foi daí que começaram a fertilizar os embriões um pouco a mais. Só que esse 'pouco a mais' nunca foi discutido, abertamente, quanto 'a mais' seria", explicou Almodin.

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Número de embriões congelados triplicou nos últimos dez anos no Brasil
Foto: Victoria_Borodinova por Pixabay / Flipar

"As clínicas estavam desesperadas procurando identificar o melhor embrião possível para transferir e engravidar a mulher com a maior brevidade possível e com o menor custo", explica Almodin. Deu-se, então, a largada para a busca pela 'gestação perfeita'.

Até que o Conselho Federal de Medicina (CFM) entendeu o que estava acontecendo e decidiu intervir. Uma nova regra foi publicada no Diário Oficial da União em junho do ano passado. A resolução 2.294/21 estabelece que os médicos poderão gerar no máximo oito embriões em cada procedimento de fertilização in vitro, ou seja, em cada ciclo.

O que acontece com os embriões excedentes

A questão principal sobre a limitação da fecundação de embriões é, na verdade, acerca do que é feito com os excedentes, aqueles que não são usados na mulher que quer engravidar. O aumento no congelamento de embriões se tornou um problema ético e moral no momento do descarte, que só pode ser feito anos após o procedimento inicial e com autorização judicial.

Segundo as regras atuais, os embriões preservados por congelamento com três anos ou mais poderão ser descartados se essa for a vontade expressa dos pacientes, mas é necessário uma autorização judicial. O mesmo vale para os embriões preservados por congelamento e abandonados pelo mesmo período.

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"O fato de você fertilizar o embrião e congelar é um ponto extremamente polêmico, porque o nosso país ainda é um país católico, ou pelo menos tem alguma religião", esclarece o ginecologista Carlos Gilberto Almodin.

Com isso, as clínicas devem mantê-lo criocongelado até terem autorização para descartá-lo, subsidiando os próprios gastos da operação.

"Sem a gente querer discutir o princípio da vida, grande parte da população e dos médicos também não aceitam jogar um embrião no lixo. Isso seria um problema grande tanto ética, moral e juridicamente", explica o especialista em reprodução humana.

A alternativa, então, seria o congelamento de óvulos, não de embriões fecundados. Ainda assim, a questão da destinação de embriões fecundados abandonados em clínicas é um assunto que tem sido amplamente discutido.

Números devem cair

Os números divulgados pela Anvisa foram, em grande parte, coletados antes da nova resolução do CFM. A partir da nova regra, as clínicas passaram a limitar o número de embriões fecundados. Com isso, a expectativa é que o número de embriões congelados caia consideravelmente nos próximos anos, à medida que os excedentes sejam descartados.

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Esse impacto será avaliado no 26º Congresso Brasileiro de Reprodução Assistida (CBRA 2022), que será realizado no fim de agosto em São Paulo.

"Vamos discutir essa situação e ver se realmente houve uma queda significativa no número de congelamentos após a normativa do CRM", explica Carlos Gilberto Almodin.

*Com edição de Estela Marques. 

Fonte: Redação Terra
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