Cloroquina doada pelos EUA será para 'prevenção'

Remédio deve ser usado para evitar que profissionais adoeçam, segundo o Itamaraty; indicação contraria recomendações

9 jun 2020 - 05h11
(atualizado às 07h50)

BRASÍLIA - Os dois milhões de comprimidos de hidroxicloroquina doados ao Brasil pelos Estados Unidos deverão ser usados, em parte, como forma de prevenir que profissionais da saúde sejam contaminados com a covid-19, segundo consta na declaração conjunta que formalizou o acordo entre os dois países. A indicação profilática da droga, no entanto, contraria recomendações médicas e do próprio Ministério da Saúde.

Cloroquina doada pelos EUA ao Brasil será para 'prevenção' de profissionais de saúde
Cloroquina doada pelos EUA ao Brasil será para 'prevenção' de profissionais de saúde
Foto: George Frey / Reuters

"A HCQ (hidroxicloroquina) será usada como profilático para ajudar a defender enfermeiros, médicos e profissionais de saúde do Brasil contra o vírus. Ela também será utilizada no tratamento de brasileiros infectados", anunciaram os países na semana passada, em nota divulgada pelo Itamaraty.

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Não há, até hoje, estudos que comprovem a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no combate à covid-19. Mesmo após ampliar a orientação sobre o uso da droga, o Ministério da Saúde recomenda que o medicamento seja prescrito a pacientes a partir dos primeiros sintomas, não de forma profilática.

O médico que prescrever a droga fora de regras do Conselho Federal de Medicina (CFM) também pode cometer infração ética. Ao Estadão o presidente do Conselho, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, diz que o parecer da entidade sobre o uso da droga não livra de punição quem a prescrever para o uso preventivo.

A doação dos EUA ao Brasil foi comemorada pelo chanceler Ernesto Araújo nas redes sociais. "Cooperação Brasil-EUA no combate à covid-19 continua avançando. Chegaram hoje ao Brasil 2 milhões de doses de hidroxicloroquina doadas pelos EUA. Colaboraremos com os EUA na pesquisa clínica da hidroxicloroquina e no desenvolvimento de uma vacina", escreveu em 31 de maio.

O acordo, no entanto, pegou de surpresa técnicos do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A droga está parada no Aeroporto de Internacional de São Paulo, em Guarulhos, há mais de uma semana, aguardando a agência aprovar a licença de importação. O ministério também não definiu para quais locais enviará o produto. O Itamaraty afirmou que caberá à Saúde decidir sobre a doação recebida. "A Agência Brasileira de Cooperação e o Ministério da Saúde mantiveram entendimentos nas negociações para o recebimento da doação", disse.

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No dia seguinte à divulgação da nota conjunta entre os dois governos, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, recebeu o embaixador dos EUA, Todd Chapman. O Ministério da Saúde não confirmou o assunto da reunião.

Para o médico, advogado sanitarista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Dourado, a distribuição da cloroquina para uso específico contra a covid-19 é ilegal, pois não há protocolo oficial do Ministério da Saúde de tratamento. "Se o ministério entregar o medicamento e cada secretaria usar como desejar, está ok. Mas se disser que é para covid-19, vai cometer ilegalidade, pois vai assumir protocolo de medicamento sem registro."

Médicos podem receitar a cloroquina contra a covid-19 de forma "off label", ou seja, fora da indicação da bula. Segundo orientação do CFM, o paciente deve declarar estar ciente de que a droga tem efeitos colaterais e não apresenta eficácia comprovada contra o vírus.

Aval da Anvisa

Mesmo doados, os comprimidos dependem de aval da Anvisa para serem liberados. Técnicos da agência e do ministério afirmam, reservadamente, que sequer sabiam quem fabrica o produto, e ainda aguardam apresentação de documentos para liberar o medicamento.

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O Itamaraty disse ao Estadão que a Sandoz produz a cloroquina doada pelos EUA ao Brasil. O produto deste laboratório não tem registro na Anvisa, o que exigirá análise de forma "excepcional" da agência.

A Anvisa costuma ser rigorosa para liberar entrada e distribuição de remédios. A agência e o Ministério da Saúde já tiveram conflitos por divergirem sobre a liberação de importações. Como mostrou o Estadão, a Anvisa foi pressionada em março a liberar produto vindo da China, mesmo sem registro no País para comercialização.

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