SÃO PAULO - Desde o começo de abril, o professor Erick Pereira Ponce, de 39 anos, está tentando cancelar a matrícula na academia onde malhava. Com o fechamento das unidades por causa da pandemia do novo coronavírus, ele já mandou e-mails, mas, sem um canal exclusivo para o cancelamento no site nem um telefone para atendimento do consumidor, ainda não teve sucesso em suas tentativas.
Nas redes sociais e em sites especializados em reclamações, as queixas contra as academias se acumulam, principalmente por causa da impossibilidade de fazer o cancelamento pessoalmente - exigência prevista em algumas redes. Nos primeiros dias de junho, segundo dados do Procon, mais de 800 reclamações foram feitas somente contra o Grupo Smart Fit, que foi notificado pelo órgão.
Em nota, o grupo informou que suspendeu as cobranças de mensalidades de todos os clientes e ampliou os canais de atendimento durante o período. Sobre a notificação do Procon, disse que "criou uma célula específica para atender todas essas demandas e solucionar os problemas apresentados pelos clientes nos próximos 10 dias".
"Meu plano não é de fidelização, então, eu poderia cancelar a qualquer momento. Já mandei cinco e-mails, mas só tive retorno em dois, com eles dizendo que não teria cobrança, mas teve. Meu plano é de R$ 89,90 por mês e estão cobrando R$ 39,90. Se não estou treinando, não deveria ter cobrança. E ainda cobraram a taxa de manutenção de R$ 100, que é anual", reclama o professor. Ele relata ainda que, neste mês, a taxa de R$ 39,90 foi cobrada duas vezes.
Ponce está malhando em casa durante a pandemia, mas não pretende continuar como aluno da academia quando as atividades retornarem. "Faço (exercícios) com jogos de treino do Xbox e com vídeos do Youtube, mas não quero mais malhar lá. Não tem e-mail direto, não tem telefone de contato e não tem retorno. Eu me desgastei. Vou procurar outra academia."
O Grupo Smart Fit informou, em nota, que taxas mensais não estão sendo cobradas. "Em caso de dúvidas, os clientes podem entrar em contato pelo Fale Conosco. Se houver qualquer equívoco, obviamente esses alunos serão reembolsados. E todos os clientes que trouxeram alguma dúvida/reclamação sobre o tema em nossas redes sociais ou canais de atendimento serão atendidos e terão seus questionamentos solucionados."
A primeira tentativa de cancelamento feita pelo engenheiro civil Renan Eraclide, de 27 anos, foi feita há pouco mais de dois meses. Sem receber resposta, ele acabou se esquecendo da solicitação, mas voltou a tentar nesta semana.
"A Bluefit não tem atendimento telefônico para os clientes. Tem de preencher um cadastro no site deles e eles falam que vão mandar a resposta para resolver qualquer tipo de assunto. Preenchi novamente este formulário e fiquei mais bravo porque não tem nenhum canal de atendimento, SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor). É tudo por e-mail, o que acaba sendo uma coisa mais demorada, porque não tem resposta, não consegue conversar com ninguém."
Desta vez, a resposta veio no dia seguinte, mas com as opções de cancelar ou congelar o plano. Ele, que é aluno há cinco meses, escolheu a segunda opção, também por e-mail, e aguardava uma confirmação de recebimento da sua resposta nesta quinta-feira, 2.
"Como não tem um telefone para esclarecimentos, a comunicação fica mais demorada."
CEO da Bluefit, Filippe Savoia informou que a rede já não costumava fazer atendimentos por telefone, mas que o contato pode ser feito por e-mail ou pelo site.
"Para nossos alunos, estamos disponibilizando o cancelamento do plano por meio do formulário no site. O aluno preenche com os dados, faz a solicitação e logo é encaminhado para a equipe interna, que dá sequência ao pedido e retorna em até 72 horas para ele. Dessa forma, os dados ficam seguros e temos o registro."
Segundo Savoia, antes da pandemia, o cancelamento só podia ser feito presencialmente. Com o fechamento das unidades, a solicitação passou a poder ser realizada pelo formulário virtual. Os alunos também podem congelar o plano.
"Os dias em que ficamos fechados, por determinação legal, e foram pagos, serão acrescidos ao final do ciclo de renovação do contrato de cada aluno."
Consumidores devem acionar o Procon, diz especialista da OAB-SP
Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), José Pablo Cortês diz que os alunos das academias que não estão conseguindo cancelar o plano devem procurar o Procon.
"O que deve ser feito nesses casos é uma reclamação para o Procon. As academias podem não acessar e não receber os e-mails, porque estão fechadas. É uma situação excepcional. As pessoas não estão cancelando porque querem, mas porque não têm condições de ir até a academia. A exigência de comparecimento presencial para rescisão é abusiva."
Cortês explica que as academias não devem fazer cobrança de multa por rescisão, como pode ocorrer em assinaturas de planos. "A multa por rescisão não tem razão, porque a pessoa não está cancelando por capricho, mas por necessidade. Alguns não vão querer se expor." Um exemplo são as pessoas que integram os grupos de risco e que não vão frequentar as academias mesmo com a reabertura das unidades.
Ele diz que canais de atendimento ao cliente ajudariam a resolver a questão, que pode ser negociada, e evitaria danos à imagem das empresas. "O Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) é uma maneira de evitar demandas para a própria empresa. Quando o consumidor vai utilizar algo, deveria verificar se o SAC funciona, se é efetivo."