Como anticoncepcional pode afetar seu humor

Entender como os contraceptivos hormonais afetam o humor pode ajudar os pesquisadores a prever quem sofrerá efeitos positivos ou negativos.

7 jul 2024 - 13h33
(atualizado em 10/7/2024 às 21h58)
Os efeitos dos contraceptivos humanos vão muito além do controle da natalidade
Os efeitos dos contraceptivos humanos vão muito além do controle da natalidade
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mais de 85% das mulheres - e mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo, em determinado momento - usam contraceptivos hormonais por pelo menos cinco anos ao longo da vida.

Embora seu objetivo principal seja o controle da natalidade, muitas pessoas também usam contraceptivos hormonais para tratar de uma série de sintomas relacionados à menstruação, desde cólicas e acne até alterações de humor.

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Entretanto, para até 10% das mulheres, os contraceptivos humanos podem aumentar o risco de depressão.

Os hormônios, como estrogênio e progesterona, são fundamentais para a saúde do cérebro. Mas como a alteração dos níveis de hormônios com contraceptivos hormonais afeta a saúde mental?

Sou pesquisadora e estudo a neurociência dos processos relativos ao estresse e às emoções. Também estudo as diferenças de vulnerabilidade e resiliência a doenças relacionadas à saúde mental entre os sexos.

Compreender como os contraceptivos hormonais afetam o humor pode ajudar os pesquisadores a prever quem irá sofrer efeitos positivos ou negativos.

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Como funcionam os contraceptivos hormonais?

Nos Estados Unidos e em outros países ocidentais, a forma mais comum de contraceptivo hormonal é a "pílula" - uma combinação de formas sintéticas de estrogênio e progesterona, dois hormônios envolvidos na regulação do ciclo menstrual, ovulação e gravidez.

O estrogênio coordena a liberação programada de outros hormônios e a progesterona mantém a gravidez.

Pode parecer um contrassenso. Por que os hormônios de ocorrência natural necessários para a gravidez servem para evitar a concepção? E por que tomar o hormônio reduz os níveis daquele mesmo hormônio no corpo?

Os ciclos hormonais são rigorosamente controlados pelos próprios hormônios.

Quando os níveis de progesterona aumentam, ela ativa processos celulares que suspendem a produção de mais progesterona. É o chamado ciclo de feedback negativo.

O estrogênio e a progesterona da pílula diária - ou outras formas comuns de contraceptivos, como implantes ou anéis vaginais - fazem com que o corpo reduza a produção desses hormônios, até atingir os níveis observados fora da janela fértil do ciclo menstrual.

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Isso interrompe o ciclo hormonal rigorosamente orquestrado e necessário para a ovulação, menstruação e gravidez.

A forma mais comum de contraceptivo hormonal é a pílula, uma combinação de formas sintéticas de estrogênio e progesterona
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Efeitos dos contraceptivos hormonais no cérebro

Os contraceptivos hormonais, no entanto, afetam mais do que apenas o útero e os ovários.

O cérebro - especificamente uma área denominada hipotálamo - controla a sincronização dos níveis hormonais nos ovários. Embora sejam chamados de "hormônios ovarianos", os receptores de estrogênio e progesterona também estão presentes em todo o cérebro.

O estrogênio e a progesterona possuem amplos efeitos sobre os neurônios e certos processos celulares não relacionados à reprodução.

O estrogênio, por exemplo, participa de processos de controle da formação de memória e protege o cérebro contra lesões. Já a progesterona ajuda a regular as emoções.

Alterando-se os níveis desses hormônios no cérebro e no corpo, os contraceptivos hormonais podem modular o humor, para melhor ou para pior.

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Contraceptivos hormonais interagem com o estresse

O estrogênio e a progesterona também regulam a reação ao estresse - a reação de "lutar ou fugir" tomada pelo corpo frente aos desafios físicos ou psicológicos.

O principal hormônio envolvido na reação ao estresse - o cortisol nos seres humanos e a corticosterona nos roedores, ambos abreviados como CORT - é principalmente um hormônio metabólico. Isso significa que o aumento dos níveis desses hormônios no sangue em situações de estresse resulta em maior mobilização de energia dos depósitos de gordura.

A interação entre os sistemas de estresse e os hormônios reprodutivos é fundamental para a relação entre o humor e os contraceptivos hormonais, pois a regulação de energia é extremamente importante durante a gravidez.

Então, o que acontece com a reação de uma pessoa ao estresse quando toma contraceptivos hormonais?

Quando expostas a um fator suave de estresse - mergulhando um dos braços em água fria, por exemplo, ou se preparando para dar uma palestra pública -, as mulheres que usam contraceptivos hormonais exibem menor aumento de CORT do que as pessoas que não tomam esses mesmos contraceptivos.

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O estresse crônico aumenta substancialmente o risco de depressão
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Os pesquisadores observaram o mesmo efeito em ratos e camundongos.

Quando tratadas diariamente com uma combinação de hormônios que imita a pílula, as fêmeas de ratos e camundongos também exibem supressão da reação ao estresse.

Contraceptivos hormonais e depressão

Os contraceptivos hormonais aumentam o risco de depressão?

Em poucas palavras, isso varia de uma pessoa para outra. Mas, para a maioria das pessoas, provavelmente não.

É importante observar que a redução ou aumento da reação ao estresse não apresenta relação direta com o risco ou resiliência à depressão. Mas existe forte relação entre o estresse e o humor - e o estresse crônico aumenta substancialmente o risco de depressão.

Ao modificar as reações ao estresse, os contraceptivos hormonais alteram o risco de depressão após situações estressantes, gerando "proteção" contra a depressão para muitas pessoas e "aumento do risco" para uma minoria.

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Mais de 9 em cada 10 pessoas que usam contraceptivos hormonais não apresentarão redução do humor, nem sintomas de depressão. E muitas irão até apresentar melhora do seu humor.

Mas os pesquisadores ainda não sabem dizer quem irá correr mais risco.

Fatores genéticos e exposições anteriores ao estresse aumentam o risco de depressão. E, aparentemente, fatores similares contribuem para as mudanças de humor relativas à contracepção hormonal.

Atualmente, os contraceptivos hormonais são normalmente prescritos por tentativa e erro. Se um tipo causar efeitos colaterais em uma paciente, outro contraceptivo, com dosagem ou formulação diferente, ou outro método de administração, poderá trazer melhores resultados.

Mas este processo de "experimentar para ver" é ineficiente e frustrante. Muitas pessoas acabam desistindo, em vez de tentar uma nova opção.

Identificar os fatores específicos que aumentam o risco de depressão e comunicar melhor os benefícios da contracepção hormonal, além do controle da natalidade, pode ajudar as pacientes a tomar decisões conscientes sobre os cuidados com a sua saúde.

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* Natalie C. Tronson é professora de psicologia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.

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