Eu tive a percepção que era "fora do padrão" aos 8 anos de idade. Era mais gorda do que os meus coleguinhas, e vivia naquele efeito sanfona de engordar e emagrecer. A primeira vez que tomei uma fórmula para perder peso foi aos 11; não demorou para que eu começasse a usar remédios e fazer dietas malucas. Pudera: o meu ideal de beleza estava baseado nos corpos que via nas revistas.
Desenvolvi distúrbios alimentares logo cedo e, ainda que eu perdesse alguns quilinhos nessas dietas loucas, eu sempre ganhava o dobro.
Até o dia em que eu dormi com fome (graças a restrições no consumo de calorias) e me dei conta de que a relação com o meu corpo não estava correta.
Na busca por aceitação, decidi virar modelo plus size, ainda nos anos 2000, aos 17 anos. Me dei bem na carreira, participei de vários ensaios, desfiles e construí um nome no ramo; o problema é que eu acho que confundi essa história de aceitação com autocuidado.
Quando dei por mim, já pesava mais de 100 quilos.
Aos 28 anos engravidei do meu primeiro filho, Davi. Depois da primeira gravidez, não conseguia voltar à casa dos dois dígitos na balança e comecei a ter alguns problemas de saúde, inclusive alguns que afetavam a minha locomoção.
Neste momento, eu já estava muito preocupada, só não esperava que o quadro fosse piorar.
Nascimento e renascimento
Após 3 anos do nascimento do Davi, tive o Bernardo. As minhas duas gravidezes foram de risco, por causa do peso acima da média, mas o pós-parto do Bernardo foi pior e, poucos dias depois de sair da maternidade, retornei para o hospital por conta de uma eclampsia e passei um tempo na UTI.
Foi muito difícil me recuperar desse trauma. Lutei contra um quadro de depressão pós-parto e decidi que eu precisava mudar, porque queria cuidar – estar ao lado – dos meus filhos. Saí do manequim 48 para o 54 e perdi meu emprego como modelo. Curioso pensar que foi a comida quem me salvou do fundo do poço.
Depois das gestações, eu passei por sérias dificuldades financeiras e emocionais. Longe das passarelas, eu estava desempregada e às vezes eu e meu marido não tínhamos dinheiro nem para colocar comida no prato. Ele fazia compras na xepa para que pudéssemos nos alimentar.
Esta foi a primeira vez que me atentei à relação com a comida. Comecei a fazer pratos diferenciados e econômicos com ingredientes básicos e dali descobri meu amor pela gastronomia. Passei a compartilhar receitas na internet, vídeos cozinhando nas redes sociais, eu me distraia na cozinha.
Desse autotratamento que chamo de “cozinhaterapia” surgiu o Look Do Fogão, minha página sobre culinária que hoje tem mais de 650 mil seguidores apenas no Instagram. Sempre digo que cozinhar, para mim, é um ato de amor e cura. Hoje colho os frutos dessa relação.
A primeira vez que pensei em fazer cirurgia bariátrica foi há 7 anos. Passei na mão de duas equipes médicas, conversei com especialistas e desisti. Fiquei com medo de morrer.
Tempo de decisão
A cirurgia bariátrica é muito arriscada e delicada, por isso acho que hesitei em fazer o procedimento. Existe, inclusive, uma pesquisa que mostra que o tempo médio de tomada de decisão de um paciente obeso pela bariátrica é de 7 anos, porque é uma ideia que exige amadurecimento.
Além disso, eu não me senti acolhida por aqueles profissionais, não me senti segura. Um dia, depois do meu ortopedista falar que eu precisaria de um andador no futuro se eu não perdesse peso, eu disse “chega”. Procurei no Google por algum profissional referência de bariátrica e foi onde encontrei meu médico, o doutor Marcelo Carneiro.
Na primeira consulta já tinha sentido que seria diferente. Já no primeiro bate-papo fiquei duas horas com meu médico, ele só deixou eu sair de lá quando já estivesse com todas as dúvidas sanadas. Foi a primeira vez que realmente entendi que o que eu tinha era uma doença sem cura, mas com tratamento – e a bariátrica é a principal ferramenta para vencer a obesidade.
Antes, em todos profissionais que eu visitei (nutri, endócrina e outros), só escutava que estava cheia de complicações por causa do peso, mas as pessoas não me explicavam claramente que a obesidade é como seu corpo estivesse inflamado o tempo todo e não tinha outra saída, ainda que eu estivesse com medo de morrer na mesa de cirurgia.
Só que eu precisava mudar e, ainda que estivesse com medo, em junho de 2022 eu fiz a minha primeira operação bariátrica.
Junto ao meu médico, decidi que faria o método sleeve, uma cirurgia que remove cerca de oitenta, oitenta e cinco por cento, do estômago, sem desvio intestinal. Essa é uma técnica mais utilizada em pessoas que não precisam perder tanto peso, porque não gera o deslize intestinal e os efeitos colaterais são mais tranquilos.
De (mais ou menos) 143 quilos, eu fui para noventa e pouco. O problema é que eu desenvolvi a doença do refluxo cerca de 8 meses depois da cirurgia. Era tanto refluxo que não conseguia nem dormir... voltei no meu médico, conversei com ele e depois de um ano e pouco, ele sugeriu que nós fizéssemos uma revisional, um tipo de cirurgia para transformar a técnica sleeve na técnica tradicional, a bypass.
Segunda cirurgia
Em julho de 2023 eu realizei a minha segunda bariátrica. Venci o medo de morrer na cirurgia, passei novamente por aquele pós-operatório horroroso, cheio de restrições alimentares e dores pelo corpo, e hoje falo sobre o assunto de maneira informal, leve e descontraída para as minhas seguidoras.
Minha rotina também mudou após a cirurgia. Voltei a andar normalmente, faço hidroginástica, natação, musculação e conto com profissionais especializados no meu problema para me ajudar – tanto personal trainer quanto nutricionista, afinal de contas eu preciso de profissionais que entendam o funcionamento da cirurgia bariátrica no corpo pra que eles me deem a orientação correta pra que eu tenha sucesso.
Apesar de eu gostar de falar sobre o assunto nas minhas redes sociais, confesso que fiquei preocupada no começo porque eu recebia mensagens de pessoas que tinham decidido fazer a bariátrica por "minha causa”.
Eu vejo que as pessoas tem pouquíssima informação sobre o assunto. Então passei a relatar o meu dia a dia mesmo, explicando cada detalhe, entrevistando médicos (aliás, sou jornalista também) e fazendo lives com especialistas para fazer com que as pessoas entendam que a obesidade é uma das principais causas de morte do mundo.
Sempre diziam que eu precisava “mudar de hábitos", mas não entendiam que eu tinha uma doença. Hoje em dia, graças à bariátrica, tenho limitação física no meu estômago que me impede de consumir o que eu consumia antes. Passei por uma mudança metabólica também que me ajuda a ter hábitos mais saudáveis e, tomara, também me ajudará a alcançar o meu objetivo que é pesar 70 quilos.
Autorresponsabilidade e amor próprio
A bariátrica me ensinou muito sobre autorresponsabilidade; ninguém tem culpa de eu ter o corpo que eu tenho e passar pela cirurgia foi uma decisão só minha que exigiu – e continua exigindo – bastante do meu emocional. Não chegaria até aqui sem a terapia, inclusive.
Não adiantaria. Se eu tivesse feito a cirurgia e continuasse com a cabeça condicionada a ter uma relação compulsiva com a comida, de nada adiantaria. O apoio psicológico foi, é e sempre será importante na vida de um obeso.
Foi na terapia que eu tive a percepção de que a gordura do meu corpo não era só gordura, mas também uma forma de me proteger, porque eu não queria ser uma presa fácil pras pessoas, para não ser abusada, para não sofrer assédios. É como se minha mente acreditasse que as pessoas magras eram fracas e as gordas fortes.
A dieta líquida também me fez rever, outra vez, a relação que eu tenho com a comida. Ficar um tempo sem comer açúcar, gordura e outros industrializados mudou meu paladar e reflito isso nos pratos que crio.
Para mim, continua sendo importante que a comida ocupe um espaço afetivo na minha vida. A diferença é que agora eu entendo que ela não precisa ser afetiva o tempo todo, que o papel principal da alimentação na minha vida tem que ser me nutrir fisicamente, e não emocionalmente.
Sigo lutando contra a compulsão alimentar e recebo também várias críticas de pessoas gordas por falar tão abertamente – e contra – a obesidade. Durante muito tempo fiquei receosa de buscar o emagrecimento com medo da opinião das pessoas, sentia que estava traindo o movimento plus size. Mas com o tempo entendi que foi justamente por me amar muito, por querer cuidar de mim e da minha saúde, que fiz a bariátrica.
Eu já fui essa obesa de 143 quilos que não queria ouvir que eu era uma pessoa doente. Mesmo sendo. E eu só fui perceber que eu era doente mesmo quando quando as comorbidades apareceram (e foram todas de uma vez). Durante anos todos os meus exames estavam ok, e do nada a conta chegou. Agora levo a sério o compromisso de cuidar de mim acima de tudo, e não tem crítica que me convença do contrário.