Após cirurgia bariátrica aos 15 anos, mulher se diz "obesa, mesmo magra"

O procedimento pode ajudar no combate à obesidade na adolescência, mas imaturidade por comprometer recuperação

3 out 2013 - 17h28
(atualizado em 4/10/2013 às 12h45)

“No estágio de depressão em que eu me encontrava, não sei se hoje estaria aqui. É muito difícil para uma adolescente sofrer de obesidade”, lembra-se Vanessa P., que passou por uma cirurgia bariátrica em 2004, aos 15 anos, época em que pesava 107 quilos. Hoje, aos 24 anos, a estudante de administração tem 68 quilos mantidos por uma rotina puxada de exercícios físicos e dieta regrada.

Segundo especialista, 8 de cada dez crianças obesas se tornarão adultos acima do peso
Segundo especialista, 8 de cada dez crianças obesas se tornarão adultos acima do peso
Foto: Getty Images

A baiana contou ao Terra que sempre foi gordinha e já tinha tentado de tudo para perder peso – Vigiantes do Peso, spa, dietas, exercícios físicos –, mas nada funcionava e ela estava determinada a emagrecer. “Na minha cabeça, a cirurgia era a última possibilidade porque eu estava perdendo o momento mais importante da minha vida”, contou.

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Vanessa era apenas um dos milhares de casos de crianças e adolescentes brasileiros que sofrem de obesidade. Segundo o cirurgião bariátrico Dr. Marcos Leão Vilas Bôas, membro do Capítulo Regional da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) na Bahia, a velocidade do crescimento de jovens acima do peso no Brasil é maior do que nos Estados Unidos e, nos últimos sete anos, o País viu esse número aumentar 20 vezes.

Nesta quinta-feira (3), o cirurgião mostra os resultados de um estudo no qual tem acompanhado a vida de 52 adolescentes operados por ele nos últimos 10 anos. De acordo com o especialista, a preocupação com a obesidade infantil deveria ser maior, já que oito em cada 10 crianças obesas se tornarão adultos com problemas de peso. E, mais do que o número na balança, o excesso de peso nas crianças tem efeitos muito mais devastadores. “Um adulto sofre de problemas como com diabetes, hipertensão, apneia do sono e o adolescente sofre com tudo isso também, mas o pior é a redução da qualidade de vida, é a privação da vida social numa fase em que o desenvolvimento em sociedade e a formação do caráter são determinantes”, explica.

Idade é discussão entre médicos

Apesar da preocupação com o problema, a cirurgia é motivo de discussão entre os médicos e, especificamente no Brasil, a legislação determina que o procedimento só pode ser realizado depois dos 16 anos.  “Alguns países só deixam depois que complete o ciclo de crescimento, mas isso não faz sentido porque a cirurgia não faz parar de crescer”, comenta.

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Prova viva disso é o jovem de 22 anos Thomé de Souza, de Sergipe. “Exatamente uma semana antes de completar 14 anos”, como gosta de frisar, o adolescente foi operado. Na época, ele media 1,52 m e pesava 113 quilos. Nos seis meses após o procedimento, Thomé perdeu quase 60 quilos e, mesmo que isso apareça estampado no espelho e gere uma dificuldade de identificação, não foi problema para o jovem e por um motivo: ele estava crescendo devido à chegada da puberdade. “Não cheguei a ter um choque por ter emagrecido porque eu era muito baixinho e, à medida que fui perdendo peso, fui crescendo também, então foi uma coisa natural”, contou.

Para Vanessa, essa transição não foi assim tão simples, já que eram muitas mudanças em um curto espaço de tempo e de maneira muito brusca. “A cirurgia transforma o corpo, mas não a mente”, lembra.  E, neste processo, a jovem disse ter “transferido a compulsão pela comida” para o excesso com compras e, depois, para festas e bebidas.

Reeducação e vigilância constante

Os médicos esclarecem que a cirurgia não tem nenhum “efeito milagroso”, mas na verdade é um empurrão para que o organismo perca peso e que o paciente conquiste o corpo desejado, recupere a saúde e a autoestima e mantenha-se no peso ideal, se possível, pelo resto da vida. Além de uma dieta equilibrada e prática de exercícios físicos regulares, a forma de se alimentar é fundamental. Mastigar devagar, colocar pequenas porções de comida na boca são as grandes regras que devem ser seguidas à risca a cada refeição. Parece simples, mas é mais difícil do que parece.

Vanessa não descansa e está sempre em estado de atenção. Atualmente, a estudante faz acompanhamento psicológico duas vezes por semana, vai ao nutricionista, retorna às consultas com o cirurgião a cada seis meses e se prepara para fazer a primeira cirurgia reparatória – de retirada de excesso de pele – no fim do ano.  “Continuo sendo obesa, mesmo sendo magra e não é tranquilo lidar com isso. É vigilância constante. É muito confuso você saber que, mesmo magra, as células obesas continuam no seu corpo”, comentou Vanessa.

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No entanto, não só as células, mas todos os elementos da obesidade, continuam e sempre estarão no corpo das pessoas que passaram por uma cirurgia bariátrica. “Elas precisam entender que é um individuo obeso, mas que está em um corpo magro. Por isso, todos os elementos genéticos e metabólicos estão ali conspirando para ele recuperar os quilos que perdeu”, explica o Dr. Marcos Leão.

Apoio familiar é fundamental

A batalha é incansável e é justamente ter o entendimento de que este cuidado é necessário que a cirurgia em adolescentes é tema de discussão entre os especialistas. A falta da maturidade dos pacientes pode comprometer o resultado e dificultar o  tratamento , já que a maioria deixa de procurar o acompanhamento médico – psicológico, nutricional, cirúrgico – necessário.

 

CIRURGIA BARIÁTRICA
 

A cirurgia bariátrica é feita no aparelho digestivo, que fará com que o indivíduo tenha menos fome, coma menos e perca peso. Entre as opções de procedimentos, o mais utilizado no mundo é o by-pass gástrico, que além de reduzir o tamanho do estômago, faz um pequeno desvio para o intestino delgado, resultando em maior controle nos problemas de saúde, como colesterol.

A cirurgia é indicada em casos de pessoas com IMC (Índice de Massa Corporal) entre 35 e 40. Em um pré-adolescente, esse número seria o equivalente a uma pessoa que tenha 1,60 m e pese 100 quilos. .

O procedimento é delicado, mas o índice de morte é muito baixo. “Talvez o medo da morte seja o principal motivo pela baixa procura em adolescentes, mas isso é muito improvável”, explica o cirurgião bariátrico Dr. Marcos Leão.

Após a cirurgia, tem início uma dieta restritiva: são 15 dias ingerindo somente líquidos, mais 15 com alimentos pastosos e, a partir de então, outros itens começam a ser inseridos na dieta. Nos primeiros meses, o paciente come entre 200 e 250 gramas por refeição e, em um ano ou dois, passa a consumir cerca de 350 gramas.

Depois disso, “não existe nenhum alimento proibido”, mas alguns são mais difíceis de serem digeridos e causam certa intolerância, principalmente doces e alimentos calóricos. O dumping é um destes efeitos colaterais e gera mal-estar quando o paciente come muito doce.

“Como médico, entendo que fiscalizar deveria ser o papel da família, mas como muitos pais não cuidam, terminamos tendo que assumir essa responsabilidade. Tenho aqui no consultório uma equipe que diariamente vai atrás desses pacientes, liga na casa deles. Com essa população mais jovem, tenho também esse papel de babá”, comenta o especialista.

Por isso, Dr. Marcos Leão afirma que a única contraindicação real da cirurgia é o paciente ou a família não estarem de acordo com o procedimento e cientes dos cuidados que ela acarretará por um longo período de tempo.

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Os resultados

Desde a cirurgia, em 2005, Thomé sempre teve o apoio incondicional da família,  fez os devidos check-ups e se recupera muito bem de uma cirurgia plástica no abdômen para a retirada de pele, feita há dois anos. No entanto, mesmo feliz com os resultados, ele pondera sobre o procedimento e diz que não o faria novamente hoje “se soubesse o que era ser magro antes”. 

“Não me arrependo de ter feito, pra mim foi o ideal pra ser o que sou hoje. Mas é complicado demais, exige muitos sacrifícios, hoje não faria de novo. Com 18 anos, comecei a engordar de novo, mas já sabia como era ser magro, já sabia como era conseguir jogar bola com os amigos e, se eu soubesse antes da cirurgia o que era isso, teria tido mais força de vontade para perder peso, mas como sempre fui gordinho, não sabia o que era”, conta.

Já Vanessa faria tudo de novo, naquela época ou hoje, se fosse necessário. “Todos os dias me pego pensando sobre minha obesidade, mas vejo que tudo valeu a pena na cirurgia para mim. Foi uma oportunidade de sair desse casulo, das vergonhas que tinha. Eu não conseguia comprar uma roupa, vestir uma regata, um short e a cirurgia quebrou essa barreira da timidez em mim”, diz.

Fonte: Terra
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