De uns tempos para cá a palavra “glúten” tem ganhado muito mais espaço do que antigamente, quando constava como uma simples informação nutricional no rótulo dos produtos. A dieta do glúten, que virou febre entre algumas famosas nacionais e internacionais, acabou se tornando uma esperança para quem busca alguma forma milagrosa de perder peso.
Para o desânimo dos interessados, grande parte dos especialistas rejeita a exclusão desta proteína como plano de emagrecimento. Eles garantem que quem não tem nenhuma restrição deve continuar comendo normalmente alimentos com glúten, desde que com equilíbrio.
No entanto, para os portadores da doença celíaca, o termo “gluten free” estampado nas embalagens nada tem a ver com a vontade de manter as medidas em dia. Eles sim são obrigados a viver uma dieta com exclusão total de qualquer produto que contenha glúten, por uma rejeição do próprio corpo com relação a esta proteína.
De acordo com o site da BBC, o número de pessoas diagnosticadas com a doença aumentou quatro vezes em entre 1990 e 2011 no Reino Unido. Os dados são de um estudo publicado na última semana pelo American Journal of Gastroenterology. Constatou-se a taxa aumentou de 5,2 a cada 100 mil pessoas em 1990 para 19,1 a cada 100 mil pessoas em 2011.
No último domingo (18), foi celebrado o Dia Internacional do Celíaco, como forma de chamar a atenção para os principais sintomas da doença, formas de dianóstico e cuidados para uma vida saudável. Saiba mais sobre esta condição a seguir.
O que é a doença celíaca
Segundo André Zonetti de Arruda Leite, gastroenterologista do Hospital das Clínicas e especialista em doença celíaca, esta condição acomete o intestino delgado a partir de uma intolerância permanente. “Causa lesões características da mucosa do delgado e melhoram com a retirada do glúten da dieta”, afirma.
De acordo com Ulysses Fagundes Neto, professor da disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e consultor médico da Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (Fenacelbra), excluindo a proteína da alimentação o celíaco pode ter uma vida completamente normal.
Sintomas
Segundo os especialistas ouvidos, a doença celíaca pode se manifestar em qualquer idade. Nas crianças, os sintomas mais comuns são desnutrição, diarréia, retardo de crescimento e distensão abdominal, informa Zonetti.
Fagundes inclui na lista, estendendo para os adultos, diarreia crônica e má absorção dos nutrientes, além de manifestações mais atípicas, como digestivas, convulsões, anemia, osteoporose, artrite reumatoide e hepatite autoimune.
Detecção
Na persistência de um dos sintomas listados acima, a pessoa deve procurar médico gastroenterologista, indica Fagundes. Confirmado o diagnóstico, por meio do exame de sangue, é solicitada uma biópsia do intestino delgado, que trará a confirmação caso a estrutura do órgão apresente alteração.
Zonetti completa que não é possível perceber a relação dos sintomas com a ingestão de glúten. “O paciente só deve fazer a restrição após a confirmação histológica da doença.”
Ele afirma ainda que pacientes com diagnóstico de síndrome do intestino irritável com predomínio de flatulência e diarréia devem fazer o teste, além de todo paciente diabético tipo 1, independente de sintomas gastrointestinais.
Alimentos proibidos e substituições inteligentes
Nenhum alimento que contenha trigo, cevada, centeio e aveia pode integrar a dieta do celíaco, explica Zonetti. Estão entre os exemplos vários tipos de massa, pães, cerveja e macarrão. “Todo alimento industrializado no Brasil deve conter a informação se possui ou não glúten”, informa o especialista, por isso, vale ficar de olho no rótulo.
Entre os exemplos de substitutos estão os alimentos derivados do milho, mandioca, arroz e batata. “É uma dieta mais cara, infelizmente, quando se fala dos produtos industrializados sem glúten”, observa Fagundes. Mas os naturais estão aí para serem incorporados na dieta cabendo no bolso e de forma ainda mais saudável.
Exclusão total
Não existe tratamento e nem remédio para os celíacos. A única forma de manter a doença sob controle é a exclusão total do glúten, explicam os especialistas. “Não pode comer nada que tenha trigo, nem centeio, nem cevada e nem seus derivados. É uma dieta para toda a vida”, reforça Fagundes.
Quem desconhece a doença, ou conhece e insiste em manter a dieta tradicional, pode ter graves prejuízos à saúde. Segundo Zonetti, “paciente celíacos que ingerem glúten têm maior risco de desenvolver outras doenças autoimunes, fraturas e anemia”.
Fagundes também cita problemas de convulsão, alterações de humor, problemas neurológicos e uma probabilidade maior ao desenvolvimento do câncer de intestino. “Também há associação com diabetes e doença da tireoide”, acrescenta.
Ele explica que isso acontece porque, no caso dos celíacos, o glúten desencadeia reações autoimunes, pois altera o sistema imunológico da pessoa, tornando-a mais suscetível a alguns tipos de doenças.
O papel da proteína
O glúten é uma proteína, e, por isso, é comum se supor que a exclusão total da dieta pode trazer algum risco à saúde. Mas segundo Fagundes, ele é facilmente substituído por qualquer outra proteína, como carne e ovos.
Zonetti reforça que, apesar de a retirada do glúten em si não trazer problemas, “a mudança na alimentação imposta pela restrição pode tornar mais difícil a adequação de alguns micronutrientes, como o ácido fólico, que no Brasil é suplementado na farinha de trigo”.
Sendo assim, vale ressaltar a importância de se ter um acompanhamento médico para a implementação de uma dieta completa e rica em nutrientes.
Causas e números
As causas da doença são desconhecidas, segundo os profissionais ouvidos. Fagundes esclarece também que comer muito glúten não desencadeia a intolerância, e reforça que não existe nenhum outro fator de risco, exceto o genético. “Pessoas que têm parentes de primeiro grau que apresentam a intolerância tem até 10% mais probabilidade de desenvolverem também.”
Talvez pelo maior conhecimento e pesquisas em torno da doença, os números atuais sejam mais expressivos do que em alguns anos. “Quando se conheciam apenas os sintomas clássicos, admitia-se que a doença afetava apenas as crianças e que era uma doença rara. Mas com o surgimento dos marcadores, agora se sabe que este é mesmo um problema de saúde pública”, observa Fagundes.
Zonetti cita estimativas de que cerca de 1% da população mundial é portadora da doença celíaca “muitos assintomáticos e sem diagnóstico”, afirma. “Estudos realizados por nós, no Banco de Sangue de São Paulo e publicado no Clinics em 2012, identificou 1 portador para cada 286 doadores de sangue saudáveis”, conclui.
Veja a seguir uma tabela da Fenacelbra que mostra os alimentos que podem ou não podem ser consumidos pelos celíacos, além dos que podem ser ingeridos com moderação.