Quase todos os membros da família Oliveira de Araújo têm um ponto em comum: são obesos, pesam mais de 100 kg e têm IMC acima de 30. Juntos, pai, mãe e os quatro filhos pesam 675 quilos. Seriam ainda alguns quilos a mais se a filha mais velha não tivesse feito cirurgia bariátrica neste ano.
Mas não é só a obesidade que os parentes dividem. Bom humor, simpatia e hospitalidade estão sem dúvida na lista dos adjetivos que caracterizam os Oliveira de Araújo, uma família de classe média, que mora na zona leste de São Paulo. Na residência de três andares, vivem pai, mãe e três filhos homens crescidos – que vira e mexe recebem a visita da irmã mais velha, já casada.
O Terra teve a oportunidade de ser recebido no melhor dia da semana na casa, o domingo, quando toda a família se reúne para assistir ao jogo de futebol e se deliciar com o já famoso chá da tarde – que tem nada menos que pães, frios, pães de queijo, bolos, café, leite, chocolate, torta doce e refrigerante. A matriarca da família, Maria Aparecida de Oliveira, 57 anos, foi quem fez o convite para a cozinha. A visita não poderia ser ambientada em lugar melhor.
“Meu caso é genético, aí casei com alguém que também tem a tendência, ficamos uma família fofinha”, contou Maria. Segundo o endocrinologista Márcio Hirata, conhecido como médico das estrelas no Brasil, “ser de uma família de obesos é fator determinante” para a obesidade.
A história com o peso vem de outras gerações, de acordo Maria. Hipertensa, ela já tentou dietas e inibidores de apetite, “mas os quilos sempre voltam”, contou a dona de casa que tem 1,56 m e 108 quilos. A obesidade está longe de ser um assunto delicado para a família. Para o filho do meio, Eduardo Oliveira de Araújo, 27 anos, lidar com o excesso de peso “é normal”: “eu nasci assim, sempre fui mais acima do peso, cheinho, na época da escola, quando criança e adolescente”, disse ele, com seus 130 quilos e 1,76 m de altura.
Seria injusto, porém, culpar apenas a genética pelo que já é uma epidemia mundial: 50% dos brasileiros têm sobrepeso e 30% são obesos, como informa o cardiologista responsável pelo programa Obesidade Zero, Carlos Magnoni. Segundo ele, a doença se instala principalmente na região sudeste, com maior urbanização, onde a atividade física é menor e a ingestão calórica, maior. “Continuando a mesma situação, 100% da população brasileira estará com excesso de peso em 2040”, estimou.
O primogênito da família, Vladimir de Oliveira de Araújo, 31 anos, é prova disso. Em entrevista, ele não só disse ser fã de refrigerante, pizza e “docinhos de padaria”, como contou que buscou atividades físicas apenas quando o cinto apertou. “Teve um tempo que tive que fazer caminhada, porque fiz um teste em uma empresa e estava com a glicemia alta”, contou. Na época, ele adotou alimentação saudável e perdeu peso, mas logo voltou à rotina de antes. Vladimir tem 1,87 m e pesa 125 quilos.
Oliveiras de Araújo versus balança
O ocorrido com Vladimir é comum, o índice de “recaída” é alto, pois é um problema crônico, segundo Hirata. Diabético desde 1994 e hipertenso, Valtenice de Araújo, 56 anos, 1,77 m e 107 kg, já fez dietas e praticou exercícios. “Teve uma época em que eu me alimentava com legumes, verduras e pouco carboidrato e carne. Fiquei vários anos com a alimentação muito boa”, contou. “Quando descobri a diabetes, gostava de jogar bola, fazia caminhada, estava igual a um garoto”, lembrou. Mas a realidade atual é diferente: há quatro anos ele deixou de se exercitar, pagou seis meses de mensalidade no SESI e não foi um dia sequer.
Nutricionista do Grupo de Estudos e Tratamento do Obeso (Gesto), Maria Sueli Hilário já acompanhou incontáveis pacientes que alcançam o peso ideal e, por descuido, voltam a ganhar os quilos perdidos. Segundo ela, o tratamento contra a obesidade exige uma “reeducação do corpo” e da rotina. É por este processo que Eduardo e a irmã mais velha Tatiana Oliveira Munim, 37 anos, estão passando.
“Perdi 7 quilos em três meses”, contou Eduardo. Ele começou a fazer academia cinco vezes por semana com foco em condicionamento físico e está “cortando o refrigerante”. Parou de tomar? “Estou diminuindo aos poucos, faz um mês”, respondeu. Já Tatiana, quando se viu com 103 quilos, peso excessivo para os seus 1,52 m de altura, procurou ajuda médica. “Já fiz tratamento várias vezes, fiz dietas e não tive resultado. Aí, eu parti para a cirurgia”, lembrou sobre a decisão tomada há quase um ano.
A descoberta de gordura no fígado motivou Tatiana a iniciar caminhadas periódicas para perder 5 quilos, uma condição para a operação. Três meses depois do procedimento – que grampeou parte do estômago - ela conseguiu alcançar 75 kg. A readaptação passou por alimentação só de líquidos, papinha de criança e hoje é composta por proteína, duas colheres de arroz e uma de feijão, além de frutas nos intervalos. A parte mais difícil foi enfrentar o “bullying” da família que a provocava com tortas, doces, bolos e pratos suculentos, contou.
Pecados calóricos
Cozinhar ou comprar pronto? A vida corrida dos paulistanos culmina na busca por alimentos rápidos, práticos e, como consequência, menos saudáveis, segundo Magnoni e Sueli. Salgados de lanchonete, hambúrgueres e pizza são os pecados gastronômicos de Eduardo. “Costumo comer muita besteira, meu mal é esse”, contou ele, que trocava cerca de três vezes por semana o prato de comida no almoço por quitutes calóricos. Agora, com o projeto de perda de peso, arroz e feijão não podem faltar, disse.
Aos finais de semana, porém, Vladimir – que nos dias úteis come arroz, feijão e carne - contou que os pratos rápidos imperam: “vai bastante besteira, porque a gente não almoça nem janta, só come fora e pede pizza”. Segundo Hirata, o exemplo dos pais é fundamental para a dieta dos filhos. Maria disse até gostar de salada e ter o hábito de comer alface, tomate e cenoura antes das refeições, porém, não abre mão das guloseimas: “o que me dá vontade eu vou pegando”. A delícia preferida é o pudim de leite.
“Eu acho ruim, fico bravo”, comentou Valtenice sobre quando a família pede pizza para o jantar. O forte do pai de família nunca foram besteiras, apesar de se considerar um “carboidratomaníaco”: é apaixonado por pães e massas, além de carnes e feijoada. Refrigerante, ele não gosta, doces, também não. “O que eu gosto é de pastel de feira, é o único quitute, como o especial com quatro queijos e palmito”, disse sobre o deslize cometido em algumas semanas. O gostinho de chocolate, fast-food e refrigerante só pode ser resgatado à memória de Tatiana, que abandonou o cardápio calórico após a cirurgia.
Álcool, sofá, “Face” e videogame
Não é comida, mas contribui consideravelmente para o ganho de peso e faz parte dos costumes da família: a cervejinha. “O álcool é tão calórico quanto a gordura”, comparou Hirata. Só quem escapa do hábito é Tatiana, que nunca gostou de beber. Já Maria sai toda semana com o marido para barzinhos, quando costuma tomar três garrafas de cerveja. O resultado da conta dos irmãos é mais que o dobro e chega a 7 garrafas por noite para cada um. “Cerveja eu não corto”, disse Eduardo. Valtenice não bebe fora de casa, mas disse tomar uma garrafa de vinho, acompanhada por charuto, uma vez por semana ou a cada 15 dias.
A pergunta sobre exercícios físicos provocou um leve riso em Maria e uma resposta com fala arrastada: “não pratico, sou preguiçosa”. Para as tarefas domésticas, ela tem ajuda de uma diarista e gasta calorias apenas subindo e descendo as escadas da casa. “Não paro para ver TV”, respondeu sobre ser uma pessoa sedentária. Mas, em seguida, emendou que o que a atrai é o computador: “o ‘Face’, meus meninos brigam porque quando eu sento, eu esqueço, fico umas três horas por dia”.
Diferente da mãe, Tatiana contou que “se deixar”, ela passa o dia inteiro deitada assistindo a televisão, mas, como trabalha 8 horas por dia, sobra pouco tempo para realizar o desejo. A telinha também é querida por Vladimir. Ele não é noveleiro ou viciado em seriados, mas é apaixonado por videogame e passa dia e noite jogando, se ninguém interrompê-lo, isso porque trabalha cerca de 12 horas diárias. Eduardo só senta em frente a TV para ver jornal e uma das novelas, mas não passa mais do que duas horas por dia na atividade.
Uma das causas do sedentarismo, segundo Hirata, é a falta de tempo. Segundo ele, uma pessoa que trabalha entre 8h e 9h por dia e passa mais 3h no trânsito, fica cansada para chegar a casa e se exercitar. O exemplo médico se encaixa perfeitamente na vida de Valtenice. Assessor sindical de negociação, ele pisa os pés em casa às 21h, normalmente, durante a semana. Aos sábados, resolve pendências pessoais e domingo é o único dia que tem para lazer. No caso do domingo do dia 26, ele não só trabalhou, como recebeu a equipe do Terra para entrevistas, que terminaram com um banquete de café da tarde.
Os especialistas entrevistados pelo Terra acreditam na necessidade de mudanças na lei trabalhista, assim como a “desoneração fiscal dos alimentos saudáveis, maior acesso a alimentos em bancas de frutas nas cidades e apoio da mídia na divulgação de atividades contra a obesidade”. A preocupação, segundo eles, deve começar com as crianças e nas cantinas das escolas privadas, por exemplo, para que o índice de sobrepeso e obesidade do Brasil não ultrapasse o dos EUA, onde 52,6% da população é obesa, segundo pesquisa da Fundação Robert Wood Johnson e da Trust for America's Health .
DADOS DA OBESIDADE NO BRASIL |
48,5% da população têm sobrepeso, contra 42,7% registrado em 2006 Fonte: Ministério da Saúde/Pesquisa Vigitel. Dados referentes ao ano de 2011 |