O governador João Doria (PSDB) voltou a cobrar imparcialidade do governo federal para a aquisição de doses da coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã, e reforçar a importância de um parecer técnico por parte da Anvisa. "No momento que temos uma agência de regulação sanitária rompendo seu compromisso com a ciência, com a vida e com sua independência, isso pode representar o caos para um país vivendo uma pandemia como o Brasil", afirmou na tarde desta sexta-feira, 23, durante coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, também esteve presente na coletiva e reforçou a necessidade de um "bom diálogo" no combate à covid-19 e na aprovação de uma vacina. "Tenho certeza que o presidente da República vai ouvir os nossos apelos e não vamos precisar de outro caminho que não seja o bom diálogo, que ele tem tido com o parlamento nos últimos meses", afirmou. "Os brasileiros precisam ter o direito a essa ou a qualquer outra vacina que esteja pronta."
Na quarta-feira, 21, Doria esteve em Brasília para uma série de compromissos que envolveram discussões sobre a coronavac. O governador tinha uma reunião às 10h com o presidente da Câmara, mas o encontro foi cancelado por uma indisposição de Maia. "Fiz questão de estar aqui hoje porque na quarta, quando estaríamos juntos, tivemos notícias de que deixei de recebê-lo para atender alguma sinalização de alguém, mas de fato fiquei indisposto e peguei uma virose dos meus filhos", reforçou o deputado.
Ambos defenderam a autonomia da Anvisa enquanto agência reguladora e afirmaram que qualquer interferência, pressão ou orientação de ordem "ideológica, política, partidária ou eleitoral" pelo Palácio do Planalto estaria descartada. "Acredito e espero que a Anvisa siga cumprindo o seu papel. A vacina, que é um tema do momento, é a proteção à vida e é um direito de todos os brasileiros. No caso da pandemia, é o unico caminho para a retomada total da economia e a volta à normalidade, e que nos trará uma nova situação de vida para milhões de brasileiros."
Doria ainda aproveitou para desejar melhoras a Eduardo Pazuello, ministro da Saúde diagnosticado positivamente com a covid-19, antes de cobrar-lhe a mesma postura apresentada durante a reunião que teve com governadores nesta semana. "Pela defesa da vacina e do Butantã, prefiro guardar a lembrança do Pazuello perante 24 líderes de estados e de três líderes do Congresso Nacional, como ministro da saúde, do que a cena que assisti ontem ao lado do presidente Bolsonaro."
O governador também criticou Bolsonaro, mas disse que está disposto ao diálogo. "Minha posição como govenador é defender a vida. Nunca oferecemos cloroquina para ninguém e nunca distribuímos isso dizendo que era a salvação da pandemia. Nunca desautorizei secretário de Estado publicamente. Não se pode fazer política com pandemia, fazer política com vacina. Temos que defender a vacina. Faço um apelo ao presidente: estamos abertos ao diálogo. Estamos abertos a construir um programa em que os brasileiros sejam salvos. Basta o presidente me convidar e estarei em Brasília para o diálogo na mesma hora", disse Doria.
Na véspera, Pazuello foi visto ao lado de Bolsonaro, afirmando que suas decisões estão submetidas à vontade do presidente. "É simples. Um manda, o outro obedece". No mesmo dia, o Instituto Butantã reclamou que a Anvisa estaria demorando mais de 30 dias para aprovar a compra de insumos necessários para a produção da coronavac. A queixa foi revelada pela Folha e confirmada pelo Estadão junto ao instituto. Procurada, a agência reguladora afirmou que a resposta seria dada em cinco dias úteis.
"Terminamos essa semana, uma semana de lances dramáticos, mas terminamos com boas noticias. Nossa linha de produção está pronta aguardando a matéria prima que vem da China. Tivemos um delay em relação à autorização da Anvisa, mas houve manifestação de que em cinco dias úteis irá emitir o certificado para que possamos fazer a importação. Com isso iniciamos a produção de 40 milhões de doses", afirmou Dimas Covas, diretor do Butantã.
O governador também não rejeitou a hipótese de tomar medidas legais, caso a vacina seja aprovada pela Anvisa e ainda assim o governo federal se recuse a incluí-la no Programa Nacional de Imunizações (PNI). "Se pelo diálogo não tivermos aquilo que é necessário para salvar a vida dos brasileiros, adotaremos todas as medidas que forem necessárias. É meu dever como governador proteger vidas, pelos menos de quem está aqui no Estado de São Paulo", disse Doria.
Novos centros de testagem
O governador anunciou a disponibilização de seis novos centros de testagem da coronavac, que serão coordenados pelo Instituto Emílio Ribas. Serão quatro centros na periferia de São Paulo, "onde a taxa de contaminação tem se mostrado maior", e outros dois em São Caetano do Sul. "Nosso objetivo é aumentar a quantidade de centros e chegar mais rápido a 61 contaminados (nos testes). Esse é o procedimento científico e integra o protocolo da Anvisa", reforçou Doria.
Para que tenha sua eficácia comprovada em análise parcial, a coronavac precisa registrar 61 "eventos" (pessoas contaminadas) para que o relatório seja encaminhado à Anvisa, situação em que caberia ainda um pedido de avaliação emergencial. Já para a análise primária, é necessário que ocorram 150 eventos.
A coronavac já é testada em 16 centros, espalhados por sete estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, sob a supervisão geral do Instituto Butantã. Ao todo, 9.039 voluntários já foram testados. Com os novos locais anunciados nesta sexta, o objetivo é que esse contingente ultrapasse a marca de 13 mil pessoas.
"Vamos seguir o protocolo da Anvisa e o protocolo internacional. Sem nenhuma influência, dentro da frase que ouvi do presidente da agência e de sua diretora: no menor tempo e no melhor tempo", afirmou Doria.